sexta-feira, 10 de maio de 2024

O Rapto

 


Fui ao cinema. O rapto passa-se numa época, 2ª metade do século 19, em que Bolonha ainda era uma cidade sob o jugo papal de Pio IX.

Uma servente católica numa família judaica, pensando que um dos filhos da família estava às portas da morte, baptiza-o com água benta para que o menino não vá para o Limbo. 6 anos mais tarde acaba por confessar o facto ao inquisidor mor, que ordena a separação do rapaz da família, pois sendo católico teria de ser educado nessa fé e não nos ritos judaicos que então seguia. O Papa dá o seu aval e o rapaz é retirado à força não podendo a família fazer nada contra. No início o rapaz segue as suas rezas que a mãe lhe ensinou, mas a pouco e pouco, na catequese sofre uma autêntica lavagem cerebral que o tornam um cristão. A família tudo faz para o recuperar, inclusive o irmão mais velho, combatente pelas forças de Victor Emanuel, que acaba mais tarde por sair vitorioso, e tenta levar o seu irmão de novo para o seio familiar, mas este já não quer voltar por a família ir contra as crenças que então já professava.

Drama intenso principalmente da luta do pai e da mãe, esta que se mantém sempre uma judia que não repudia a sua religião e se recusa a tornar-se católica para reaver o filho

O filme está muito bem dirigido e tem actores que interpretam excelentemente os seus papéis. O guarda roupa é perfeito e os ambientes muito bem filmados mostrando a intransigência e prepotência de uma igreja católica que tudo fazia para mostrar ao mundo que uma alma baptizada era para todo o sempre católica, mesmo contra a vontade da família e de uma família judaica que não renuncia às suas crenças mesmo à custa de perderem um filho. Malditas religiões! Boa cinematografia italiana e boa realização de Marco Bellochio. Valeu a pena.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Zona de Interesse

 

 

Ontem fui ao cinema. Como de costume fui à Net e escolhi o filme que pela sinopse e pela crítica me pareceu o melhor para ver. “Zona de Interesse”, realizado pelo britânico Jonathan Glazer, mostra-nos a vivência do comandante do campo de morte de Auschwitz, numa moradia, paredes contíguas com o campo, onde ele a mulher e os filhos têm uma vida normalíssima como se ali ao lado fosse uma fábrica normal que ele chefiava. Apenas o ruído dos crematórios, o fogo e o fumo, eram visíveis, mas isso não parecia incomodar a família feliz onde os filhos brincavam com o cão, tomavam banho na piscina, saiam e iam para a escola, etc. A mulher tratava das flores, convidava amigas, falavam de trivialidades, etc. A única nota de mal-estar é dada pela mãe da esposa do militar e avó das crianças, que tendo lá ido passar uns tempos, acaba por desaparecer deixando apenas um bilhete que a matriarca lê, mas o espectador fica sem saber o conteúdo ficando-se por imaginá-lo. Apenas algumas reuniões do comandante com os seus oficiais nos dão a entender o que se passa do outro lado dos muros. Tudo isto filmado com de maneira simples, sem grandes interpretações e forma totalmente fria. O problema surge quando o comandante recebe ordem de transferência e a mulher não quer sair do seu lar acolhedor tendo sido autorizada a permanecer no local como se tratasse viver num bairro normal. Uns gritos e uns tiros dão-nos a entender o que se passa do outro lado dos muros.

 O filme termina subitamente quando Rudolph Hoss é autorizado a regressar ao campo e ao telefone com a mulher refere “Agora, tenho que começar a pensar como vou gasear tanta gente”.

Confesso que percebi a ideia, mas não gostei. Podia ter sido realizado de modo a prender mais o espectador. Querendo mostrar a forma como o extermínio dos judeus não afectava a classe militar e as suas famílias acaba como uma sucessão de imagens demasiado frias e sem grandes interpretações. Teve o condão de não mostrar qualquer imagem do interior do campo. Valeu o meio bife com molhanga, batata frita, esparregado e ovo a cavalo que fomos comer ao Café de São Bento com o casal de amigos que nos acompanhou.

 

Folhas caídas


Quem gostar de filmes de movimento e acção não vá ver. Aki Kaurismäki mostra-nos uma Finlândia completamente diferente daquilo que temos lido sobre este país. Filmado com uma simplicidade incrível em ambientes de emprego/desemprego, um homem e uma mulher encontram-se e desencontram-se devido a uma série de circunstâncias naturais, e possíveis. Um número de telefone perdido, um atropelamento inopinado e o nosso casal vai-se perdendo no meio de um ambiente triste e sem qualquer conforto. O abuso do álcool por um e o pequeno roubo num supermercado de artigos fora de prazo, cujo lugar é o lixo e não o aproveitamento, causam despedimentos. A única parte lúdica do filme são os encontros num café de Karaoke que ambos frequentam e onde acabam por se conhecer. Olhares e poucas palavras servem para criar alguma empatia, mas depressa separada por acontecimentos furtuitos. Uma filmografia ligeiramente chapliana, em que a câmara raramente se desloca, em ambientes frios e com poucos diálogos, um homem e uma mulher reencontram-se e seguem juntos numa imagem de costas que se vai afastando, ele coxo e de bengala e ela segurando uma cadela a que profeticamente chama “Chaplin”.
A música é uma mistura de canções antigas, música clássica e alguma moderna, que pela sua alternância consegue colocar nos ambientes, um pouco frios, algum calor. Uma nota para as notícias na rádio, quase sempre que a ligam, que fala da guerra na Ucrânia com censura ao Sr. Putin.
 Eu gostei. Estranhamente, uma sala das mais pequenas do Corte Inglés, estava quase cheia.
 

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Assassinos da Lua das Flores

 

Fui ver o filme de Martin Scorsese. Fiquei deveras surpreendido por nunca ter ouvido falar da tribo índia “Osage”. Esta tribo no Oklahoma, quando lhe foi atribuído um território, resolveu enterrar o machado de guerra e da cova realizada nasce petróleo. Rapidamente se torna a tribo índia mais rica da América e o seu nível de vida sobe num ápice atraindo toda a espécie de homens brancos com o intuito de explorarem essa riqueza, inclusive recorrendo impiedosamente ao crime. DiCaprio faz o papel de um sobrinho de um fazendeiro abastado, Roberto DeNiro, homem ambicioso que recorre a vários ardis para conseguir as concessões petrolíferas que as famílias índias registaram. Rapidamente convence esse seu sobrinho, regressado da primeira grande guerra, a casar com uma índia riquíssima, mulher muito bonita, vivendo muito a cima da média das outras famílias. Só que a família da rapariga é grande e para que o rapaz venha a ser o herdeiro vai ser necessário ir eliminando um a um todos os membros desse clã. Inclusive adulterando a insulina que a moça, sendo diabética, necessita para sobreviver. DiCaprio vê-se no dilema de, gostando da sua mulher, não ser capaz de resistir ao poder e ganância do seu tio e vai-lhe obedecendo contratando alguns apaniguados para perpetrar os crimes que vão eliminando os familiares. O interessante deste filme é que o espectador sabe logo desde início quem são os “maus” não sendo necessária qualquer investigação que nos leve à descoberta. Chega-se a 1929 e o recém-formado FBI, liderado por Edgar Hoover, acaba por ter conhecimento dos muitos crimes existentes naquela sociedade e envia uma equipa para os investigar. Quanto a mim uma excelente realização apenas prejudicada com a extensão do filme que, por vezes, o torna demasiado monótono. 3h20 é obra e não há cadeira que não castigue os nossos pobres traseiros. DiCaprio faz um bom papel, mas quanto a mim, ofuscado pela excelência de representação de um DeNiro absolutamente fantástico. DeNiro esconde a sua ganância com dádivas e realizações humanitárias a favor da comunidade que no fim pretende destruir, servindo-se de terceiras pessoas de modo a ser acarinhado por todos e ficar sempre fora de qualquer suspeita. Encham-se de coragem e vão até ao cinema. Vale a pena.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Openheimer

 


Lá arranjei coragem para passar 3 horas e picos numa sala de cinema. O filme é uma boa realização com excelentes interpretações, mas julgava ir ver mais a parte física da construção da bomba, no entanto, a maioria da acção é centrada na parte política. Openheimer é um físico judeu que, no tempo do macarthismo, teve o desplante de casar com uma comunista filiada no partido e para cúmulo enviava dinheiro para os nacionalistas da guerra de Espanha através do partido comunista americano. Não fora ele um físico empenhado no projecto da bomba atómica e o seu destino teria sido outro. Openheimer consegue edificar uma cidade laboratório no meio do deserto, em Los Alamos no Estado do Novo México, e nesse deserto faz a primeira detonação de uma bomba nuclear e, juntamente com os militares, começa a ter a opinião de que essa arma poderá obrigar o japão a render-se poupando assim muitas vidas dos soldados e marinheiros americanos. E assim acontece. Truman dá a ordem e Hiroxima e Nagasaki são praticamente varridas do planeta. Entretanto os soviéticos avançavam também na construção da bomba e o senador Joseph MacArthy, via espiões vermelhos por todo o lado. Openheimer é sujeito à apreciação de várias comissões. Defendido por muitos e acusado por outros vê a sua vida completamente devassada. Divorciado da primeira mulher casa novamente e tem dois filhos. Consegue sair ilibado de tudo aquilo, mas a sua consciência começa a atormenta-lo pelas mortes que causou. O filme vê-se bem, mas poderia ser mais curto. A maioria dos diálogos fala de comissões e organizações com os nomes em siglas causando algumas confusões mentais em quem não está dentro dos pormenores da história americana da época. Vê-se bem com algumas reservas.

 

domingo, 23 de abril de 2023

As Oito Montanhas

 

Farto das xaropadas “made in USA” escolhi ontem um filme italiano que me “cheirou”. E parece que tive faro. Um filme passado nos Dolomites nos Alpes italianos, paisagem agreste, mas impressionante, com mudanças radicais do Verão para o Inverno.

Um filme do casal Belga Felix van Groeningen - Charlotte Vandermeersch que mereceu um prémio do júri do festival de Canes. Este filme relata a amizade vivida por dois rapazes desde os 11 anos até à idade adulta que, mesmo com algumas separações não se perde. Pietro, um citadino de Torino ou Turim, vai passar férias a uma aldeia de montanha onde conhece Bruno um tratador de vacas que a mãe vai mantendo com o fabrico de queijos, pois o pai há muito que os deixou não sabendo por onde anda. O pai de Pietro, um admirador da montanha, leva-o em grandes passeios criando-lhe um amor pela montanha e pelas paisagens agrestes, mas maravilhosas, daquela região. Os dois rapazes percorrem aquelas paragens e só se encontram no Verão. Já adolescentes separam-se e só voltam a encontrar-se em adultos. É então que Pietro, já órfão de pai, convida Bruno para uma tarefa quase ciclópica, construir uma casa na montanha a partir de umas ruínas que o pai lhe deixara. Após a casa construída, Pietro deixa Bruno viver lá e vai conhecer o Nepal dado que o pai lhe deixa um diagrama com oito montanhas e um monte ao meio que quereria atingir. Bruno casa com uma amiga comum e tem uma menina e Pietro conhece no Nepal uma professora por quem se apaixona. Mas Pietro regressa à sua casa onde encontra Bruno já separado, pois a sua mulher não aguentou aquela solidão e a falta de iniciativa do marido para progredir noutra profissão mais estável do que a pobre produção de queijos. Pietro tenta ajudar o amigo que recusa essa ajuda. Mais uma vez se separam. Pietro volta a partir, mas volta sempre…

Agora vão ver o filme que vale a pena. Um hino à amizade verdadeira que mesmo com grandes períodos de separação nunca se perde.

segunda-feira, 27 de março de 2023

O Fazer anos.

 


Fazer anos não é mais do que passar de um ano para o outro. Ontem tinha 86 e hoje já tenho 86 e um dia, mas o certo é que quando me perguntarem a idade vou dizer que tenho 86 até que mais um ano passe. O certo é que tudo é relativo. Ao fim de um mês ter 86 e 1/12 de 87, é o mesmo do que ter menos 11/12 de 87. Confuso? Nada disso. É pura aritmética. O tempo vai passando e o importante é andarmos por cá com gosto e alegria. Mas para isso é necessário saúde ou controle da mesma, o que é o meu caso. Não se pode dizer que tenha saúde, mas pode-se dizer que a vou controlando com perseverança. Faço os possíveis por ter boa disposição, o que é difícil em permanência. Circunstâncias da vida fazem muitas vezes com que a boa disposição se vá. Nessa altura teremos de interiorizar e perguntarmos a nós próprios, perdoem-me a tautologia, se vale a pena deixarmo-nos abater ou deitarmos o mau humor para trás das costas. Normalmente é o que faço e não me arrependo. Lembrei-me agora que a parte de trás das costas é o peito. Fica a má disposição à nossa frente e ainda bem porque assim estamos sempre a pensar como nos livrarmos dela. Portanto, meus amigos, vão caminhando com o mau humor à vossa frente e empurrem-no direitos a um precipício, mas cuidado não dêem um passo a mais, deixem só que a má disposição se precipite e não caiam atrás dela, seria a morte e eu quero ainda fazer muitos avos de vários anos. Bem hajam.