Poseidon estava sentado sobre um casco de navio afundado quando reparou que uma concha puxada por golfinhos se aproximava. Era Neptuno que o vinha visitar. Poseidon preparou-se para o receber. Já sabia que iam discutir. Nunca se entendiam. Cada um reivindicava a supremacia sobre os mares.
-- Olá Poseidon – disse Neptuno. – Sentado num casco de navio? Que fazes aí?
-- Este, onde me sento, foi baptizado pelos homens com o meu nome. Quem os autorizou a isso? Darem o nome do deus dos mares a uma casca de noz. Como se um simples objecto criado pelos mortais merecesse o meu nome. Para provar que sou o mais poderoso, virei-o ao contrário afundando-o. Foi giro ver todos aqueles seres mesquinhos e pequenotes a tentarem salvar a pele. Morreram quase todos e, não foram todos porque alguém tinha que ficar para contar a história. Vens tu agora, usurpador do meu trono, ou por outra, em tentativa de usurpares o meu trono, colocar algo em causa?
-- Estais enganado, o rei dos mares sou eu, assim determinaram os senhores do mundo, que me criaram. Os Romanos assim o quiseram e assim será.
-- Rapazola de um raio, quando apareceste já eu reinava há muito sobre os mares. Os meus criadores, os Gregos, eram os detentores das ciências, das filosofias e das artes. Os teus senhores, esses miseráveis Romanos, vieram muito depois usurpar tudo o que de bom os gregos deixaram. Criaram então deuses para substituírem todos aqueles que já por cá andavam, mas as bases são gregas e os principais deuses também. O reino dos mares é meu quer tu queiras ou não.
-- Isso veremos. Fui eu que deixei ou permiti que muitos povos percorressem os mares. Fui eu o cantado por Camões e, até Fernando Pessoa, o ilustre poeta português, me colocou em terra personificado no “mostrengo”, aquele que defendia dos mortais o cabo tormentoso, só se tornando de “Boa Esperança” depois de eu deixar passar aquele povo heroico que descobriu mais de meio mundo. Eu permiti a passagem aos homens, tu mataste-los por ignomínia. Tu que foste engolido pelo teu pai à nascença. Tu que só por bondade de Zeus foste regurgitado por Cronos. Não tens direito a reinar aqui.
-- Ah! Ah! Ah! Pobre réplica de mim. A história está cheia de réplicas de deuses como tu. Foi a nossa história, que os teus pais romanos estudaram. Foi essa que copiaram para fazerem seus os nossos deuses. Fizeram-te filho de Saturno e irmão de Júpiter e Plutão. Chamaram-te deus das fontes das águas e também dos terremotos. Que tinha a terra a ver com o mar. Esses romanos eram loucos. Tenho a impressão que houve já alguém a dizer isto… Parece-me que foi o Asterix…
-- Asterix? Não conheço.
-- Claro! És um ignaro e uma fraude. Asterix foi um que nunca se subjugou aos teus patrões e sempre os combateu nunca lhes permitindo ocupar a sua Gália. Foram homens como ele e os seus pares, os percussores da vossa queda. O pior é que outros vieram e outros deuses também criaram, tornando a nossa história em mitologia. Um dia os deuses deles também virarão mitologia e outros deuses aparecerão. Parece que a humanidade, esses pobres seres, não sabem viver sem deuses.
-- Caro Poseidon, antes que os nossos tridentes se cruzem, vou dar uma volta por aí. Vai mas é para Copenhague e deixa-te lá ficar sobre um pedestal, eu volto para Florença. Fico numa das fontes que criei.
…
O fundo da piscina reflectia raios dourados como hexágonos que ora se alongavam ora se contraíam como raios eléctricos, chamando-me à realidade. Perdi de vista os deuses que me ocuparam a mente durante segundos e saí para o balneário. Já debaixo do chuveiro constatei que o Asterix também não tinha toda a razão. Não só os Romanos eram loucos, toda a humanidade também…
(Bem, se me chamarem maluco digo que não fui eu que escrevi isto...)