segunda-feira, 8 de junho de 2015

O Inimigo do Povo


 Fui ao S. Luiz ver “ O Inimigo do Povo”, uma peça de Henrik Ibsen. Ibsen foi um dramaturgo Norueguês nascido na primeira metade do século dezanove e falecido já no século vinte (1906). Nascido na Noruega, viveu muitos anos na Itália e na Alemanha. Foi considerado por muitos o melhor dramaturgo depois de Shakespeare. Fui à estreia, onde inúmeros artistas do nosso teatro e TV davam grande apreço às interpretações dos actores em palco.
Ibsen  coloca nesta obra a sua visão da governabilidade dos povos, realçando a dicotomia entre poder e povo, sendo este representado pelas elites, já que se deixado à sua mercê será levado a aceitar o que o poder demagogicamente lhe tentará impingir, auxiliado por uma imprensa que manipula.
A peça é passada numa cidade onde o Intendente (o poder) põe em execução uma obra megalómana (a estância balnear) fonte de diversão para o povo, mas também geradora de grandes rendimentos para a comunidade pelo incremento do turismo. À frente do pelouro que garante a qualidade sanitária da estância, coloca o seu irmão médico (Dr. Stockmann) que acaba por descobrir, por algumas doenças surgidas, que a qualidade da água que abastece a estância, está poluída desde a fonte e como tal imprópria. No princípio, apoiado pelo responsável pelo jornal “ O Mensageiro do Povo” que, arvorado em divulgador da notícia “salvadora”, se presta a ajudá-lo em toda a sua campanha, pretende que toda a canalização seja mudada e a água tratada, o que levará a fechar a estância durante pelo menos dois anos. Começam aqui as divergências com o seu irmão Intendente. Este tenta chamar o médico à razão, nunca dizendo que a obra não terá de fechar, mas que esse fecho será demasiado penoso para a comunidade, incluindo o próprio povo, pelo que será talvez de ponderar a questão e deixar andar pois o problema poderá ser resolvido ainda que mais lentamente mas sem atitudes alarmistas muito prejudiciais. O nosso médico, de início apoiado por toda a família, jornal e até pelo tipógrafo que edita o jornal, acaba por via da demagogia do seu irmão Intendente, por ser abandonado nas suas ideias por toda a comunidade incluindo a sua própria mulher, preocupada com o bem-estar familiar, se ele for despedido como o irmão o ameaça. Apenas a sua filha, recém-formada como professora primária, mulher revolucionária e liberal, segue as suas ideias políticas e não o abandona.
Mas, tudo isto seria muito simples se não passasse daqui. Só que a peça tem outras implicações;
Tudo é, pelo Dr. Stockmann, pensado em nome do povo e para o povo, mas ele sabe que o povo será levado a pensar o contrário devido à demagogia do poder. Ele diz: “no povo há os rafeiros e os caniches, os rafeiros deixam-se levar porque não pensam e são tolos, serão os caniches, as elites, a terem de decidir por eles”. Ele, portanto, será um dos caniches. Tem aqui muito que se lhe diga em termos políticos…
A peça tem um momento alto, em que é convocada uma assembleia, onde vários artistas se espalham pela plateia e o Dr. Stockmann profere importante discurso, sendo muitas vezes interrompido com tentativas para calarem e até ofuscarem as suas ideias. Aqui, o espectador, quase salta na cadeira com vontade de interferir. Toda a comunidade acaba contra, incluindo a imprensa e o tipógrafo, que não passa de um burguês que diz: “tudo deve ser feito com moderação que é a primeira virtude de um cidadão”. O médico passa a ser considerado “O inimigo do Povo”.
Mas Stockmann não desiste… no fim diz: “…o homem mais forte do mundo é aquele que está mais sozinho.”
Achei que muitas situações, talvez propositadamente, se adaptavam ao nosso momento político.
O público aplaudiu de pé com três chamadas ao palco de todo o elenco. Valeu a pena.