domingo, 26 de junho de 2022

Operação Secreta

 

Ontem, sábado, fomos ao cinema. Como sempre procurei algo através da Net e não me entusiasmei por nenhum. Fomos relativamente cedo ao Corte Inglés e procurámos na bilheteira um filme com algum interesse do Público. O mais visto era o Elvis, claro que não me agradou. Havia um de polícias e ladrões com o Liam Neeson, também não me cheirou. Indicaram-me Operação Secreta, um filme com base numa história real da 2ª guerra mundial com o conhecido actor inglês Colin Firth. Optei por este. Era só às 22H10, um pouco tarde, mas acabava à meia noite e meia hora e ainda dava tempo para ir até ao Procópio beber uma bjeca e comer uma sandes de “foigras” com pikles. Andámos pelo supermercado e ainda comemos um rissol de camarão com uma mini.

O filme era interessante, um pouco lento na primeira parte, mas foi ganhando interesse ao longo da história. Em 1943 os alemães ocupavam quase toda a Europa, e estava previsto um ataque dos aliados através da Cecília. O problema é que a ilha estava guarnecida de muitas tropas alemães, precisamente por ser esperado um ataque aliado pela costa sul. O objectivo era tomar a ilha, daí passar à Itália e correr com os alemães tratando depois de retirar os italianos do Eixo. Foi pois encarregado o Serviço Secreto Britânico de criar uma falsa notícia de que os aliados iriam atacar pela Grécia. Foram encarregados dois oficiais, um da marinha outro da Força Aérea de engendrar o plano. Estes foram coadjuvados pelo jovem oficial Ian Fleming, escritor de romances de espionagem (007). O plano aprovado foi de lançarem um cadáver de um aviador abatido no Atlântico junto à costa Espanhola de Huelva, não só por ser um país neutral, como também, por ser um local de grande concentração de espiões de vários países. Tratou-se, pois, de encontrar um corpo, criar um oficial piloto fictício, forjar documentos falsos, mas principalmente dar vida a tal personagem. As formas encontradas foram cheias de peripécias e aí foram ajudados por uma jovem trabalhadora do almirantado e criar-lhe, através de uma fotografia, vida como noiva do tal major. O chefe de equipa, Colin Firth, tinha enviado a sua mulher e filhos para os USA com receio de, no caso de uma invasão por Hitler do Reino Unido, uma família com ascendentes judaicos, seria de certeza aniquilada. Durante a criação da operação nasceu entre ele e a tal moça um encantamento que, felizmente conseguiram controlar. Entretanto o irmão do oficial britânico era comunista, o que fez com que o companheiro e amigo fosse aliciado, pelo alto comando, a espiá-lo, o que fez com relutância.

Arranjado o cadáver, encontrado um sósia a que tiraram fotos para os documentos. Escritas cartas pessoais da família e da noiva, criados os documentos metidos numa pasta confidencial, lá largaram o cadáver de um submarino, pois larga-lo de avião certamente danificaria o corpo. Um espião duplo inglês, que os alemães julgavam espiar para eles em Espanha, encarregou-se de evitar a autópsia e de fazer com que os documentos chegassem aos alemães e a Hitler. A espera dos resultados foi angustiante, até que tiveram a notícia de que a história tinha sido “engolida”.

As tropas alemãs retiraram quase todas para a Grécia e o ataque fez-se com êxito e com um mínimo de baixas. Aldrabões até dizer chega, mas com êxito. A rapariga retira-se para outro serviço em Londres e os dois amigos vão beber um copo juntos para comemorar.

No Procópio conhecemos um casal interessante com quem conversámos muito. Trocámos números de telefone e emails. Ficámos de nos encontrar mais vezes.

 

Título Original do filme: Operation Mincemeat

Realizador: John Madden

Actores: Colin Firth, Matthew Macfadyen, Kelly Macdonald

País: EUA, Reino Unido

Ano: 2021

Duração (minutos): 128

 

 

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Os Filhos

 

 

Ontem fui ao teatro. Tenho andado um pouco afastado da arte de Molière e Gil Vicente. Presentemente dá-me mais jeito ir ao cinema. Deve ser uma incongruência, mas parece-me mais simples. Além do mais o cinema enquadra-nos mais rapidamente na história. No teatro leva mais tempo a metermo-nos no problema e isso depende muito dos actores. No caso presente foi difícil. Mas vamos à peça em si.

Hazel e Robin (Maria José Pascoal e João Lagarto) são engenheiros reformados de uma central nuclear cujo reactor rebentou devido a uma onda (alusão talvez ao Japão, mas no texto nada o refere) que recebem a visita de uma colega que não viam há 38 anos. Hazel apresenta uma histeria completa e fala pelos cotovelos com uma rápida dicção, muitas vezes quase incompreensível. Com o decorrer ficamos a saber que a visita, Rose (Custódia Galego), foi amante de Robin antes e mesmo depois do casamento com Hazel. O Casal tem 4 filhos com quem falam telefonicamente durante a peça, mas não pesam muito na história. Rose apresenta-se como tendo sido chamada para voltar ao serviço à central nuclear com o motivo de libertarem os novos trabalhadores, uma vez que eles ainda terão muitos anos a viver e os “velhos”, mesmo que sejam contaminados, já terão vivido a sua vida e tenta aliciar o casal para fazerem o mesmo. Rose mostra que a contaminação sofrida lhe fez perder os dois peitos e Robin tem acessos de tosse ensanguentados. O conflito surge dado que o casal tem filhos e Rose não. Por sua vez Hazel “sente” que Rose volta para lhe roubar o marido. A histeria que apresenta é enorme e nota-se que a separação entre o casal também é grande.

É, portanto, uma peça que nos faz pensar que os novos têm melhores razões para viver e os “velhos” Já pouco têm a esperar da vida e devem, portanto, tentar salvar a descendência.

Não fora o papel demasiado histriónico de Maria José Pascoal, com uma verbalidade exageradamente rápida, que a torna quase incompreensível, estaríamos perante uma boa peça. Não gostei totalmente. Realço um bom papel de Custódia Galego, com uma verbalidade aceitável assim como a de João Lagarto. Acaba por ser um texto sobre a degradação e ao mesmo tempo sobre os amores passados. Os filhos não são propriamente os deles, mas sim as novas gerações.

O Teatro Aberto tem um restaurante chamado “Pano de Boca” onde jantámos a seguir. Bom ambiente e uns pratos razoáveis. Foi uma noite bem passada. Chegámos a casa antes da meia noite.

domingo, 19 de junho de 2022

As minhas namoradas.

 

A minha primeira namorada chuchava no dedo. Ela morava do outro lado e da parte mais alta da rua. Eu cá em baixo numa casa de rés-do-chão. Lá de cima olhava-me com olhares lânguidos chuchando por de trás das vidraças da janela da cozinha. Teria os seus 8 anos e eu uns 9 quase dez. Não era grande o meu amor por ela, mas havia da minha parte uma certa ternura. Um dia, a brincarmos ás escondidas, metemo-nos numa casa ainda em obras iniciais. Escodemo-nos na divisão mais pequena, penso que seria uma casa de banho ainda só em tijolo e com alguma, pouca, massa de reboco. Como estávamos muito juntinhos dei-lhe um beijo na boca. A partir daí, a moça que já gostava de mim, ficou completamente apaixonada. O meu beijo fê-la deixar de chuchar no dedo. Por trás da casa dela havia um quintal onde se se semeavam favas. Quando o faval já nos cobria enrolámo-nos por lá e demos umas grandes beijocas e as nossas mãos fizeram algumas explorações. Fugíamos aos irmãos dela que eram meus amigos e de nada suspeitavam. Aos 10 anos, após ter feito a terceira, quarta e admissão aos liceus, fui para o Passos Manuel em Lisboa e lá andei um ano perdido por comboios e na grande cidade, mais na brincadeira do que no estudo. Chumbei bem chumbadinho.

À noite em casa, lá via a cachopa atrás das vidraças. Voltara a chuchar no dedo. O meu Pai meteu-me no Pilão. Só me disse que era para compensar o ano perdido. Aí já com 11 anos, só ia a casa ao fim de semana e era quando não estava detido por castigo. Aos 13 comecei a namorar uma de duas irmãs que passavam férias no Cacém. Já me sentia um homem e pensava que casaria com aquela. Passávamos muito tempo no terraço da casa dos meus amigos. A irmã já não chuchava no dedo, mas morria de ciúmes. Olhava os meus avanços sobre a outra com olhos fulminantes. Esse namoro durou 3 anos e, praticamente, só no tempo de férias. Depois acordámos em parar para pudermos estudar, com a promessa de mais tarde, se ainda gostássemos um do outro, reatarmos o namoro. Só que outra se meteu pelo meio e foi o fim. Choro e lágrimas. Com essa ia casando, mas assim não aconteceu pois passados 4 anos, já Alferes, fui para as Caldas da Rainha e outra também apareceu na minha vida. A separação da anterior foi dolorosa para ela pois já nos adiantáramos na relação. Foi chato. Mas a que chuchava no dedo não me esqueceu. Sem sucesso, coitada. Entretanto fui para Timor e moça das Caldas também passou à história. Em Timor vivi outra paixão, essa proibida. No regresso a Portugal, com uma perna partida, fui operado no Hospital Militar. Ao acordar da operação vi uns olhos bonitos, uma saia azul e umas lindas pernas com sapatos de saltos altos. Foi a última e definitiva. Casei. Até hoje. Soube pela minha Mãe que a da chucha casara. Nunca mais a vi.

 

terça-feira, 14 de junho de 2022

A casa do Acúleo Costa

 

O meu Pai era muito amigo do Acúleo Costa. Este era um tipo, vendedor de uma firma de Lisboa especializada em artigos de borracha para máquinas em geral. Vendia bem, tinha comissões e ganhava umas massas. O filho dele, o Armando, era mais velho do que eu dois anos e picos, mas andámos juntos na escola. O Costa tinha uma casa no Cacém com adega, onde se faziam grandes patuscadas e também resolveram comprar uva a meias e fazer água-pé. Na estreia da água-pé houve grande festaria. Depois conto.

Entretanto, o Costa, resolveu fazer um favor a um amigo e tomar-lhe conta do filho por uns tempos enquanto este tratava do seu divórcio e resolvia os seus problemas de negócios. Foi aí que conheci o Carlos Manuel, um puto de 10 anos, um pouco sisudo e meio desconfiado. Andávamos com ele para todo o lado e até quando os dois amigos, meu Pai e Costa, alugaram uma casa de Verão na Ericeira, dois apartamentos num primeiro andar de uma casa no Largo de São Sebastião, o puto ia para lá passar férias e fins de semana connosco. O Costa e a mulher tratavam o miúdo com todo o carinho e proporcionaram-lhe a melhor estadia possível. Estas coisas geram ciúmes e o meu amigo Armando começou a embirrar com o puto e, de quando em vez chegava-lhe a roupa ao pelo, mas o miúdo era reguila e não se ficava gerando-se muitas vezes grandes altercações com troca de “mimos”. Eu, tinha pena do rapaz e quase sempre era o apaziguador conseguindo controlar o Armando. Ainda por cima o rapazito cantava muito bem e, nos serões, encantava toda a gente principalmente raparigas e senhoras, o que mais acicatava os ciúmes do Armando.

Voltemos á noite da estreia da água-pé. O Costa tinha muitos amigos no meio fadista e conseguiu levar à sua festa alguns, entre eles o célebre Carlos Ramos e muitos outros bem conhecidos de cujos nomes já não recordo. Mas a estrela da festa foi o puto que cantou imensas canções brasileiras do velho Luís Gonzaga, o cantor do acordeão e chapéu à cangaceiro. Nessa noite, os meus pais deixaram-me um pouco à vontade e os meus 13 anos não mediram bem as quantidades de bebida. A água pé saiu com 11º e fui para a cama com uma bebedeira dos diabos, mas antes disso falei durante um fado do Carlos Ramos e o raio do homem quase me comeu vivo. Fiquei-lhe com algum pó. No dia seguinte rumámos todos à Ericeira e eu viajei com uma ressaca daquelas. O Armando levou todas as férias a embirrar com o rapaz e eu a fazer de salvador do miúdo livrando-o de algumas tapas.

O puto chamava-se Carlos Manuel de Ascensão do Carmo de Almeida, filho do empresário Alfredo de Almeida e de Lucília do Carmo e passou quase 6 meses na casa do Costa enquanto correu o divórcio dos pais e a Adega da Lucília, na R. da Barroca no Bairro Alto, se transformava na Adega do Faia. Após essas férias perdi-lhe o rasto. Eu andava nos Pupilos do Exército e ele foi para a Suíça estudar hotelaria. Só o reencontrei no pós 25 de Abril quando fui ao Faia ouvir uns fados. O velho Almeida já tinha falecido e o Carlos, nessa altura já Carlos do Carmo, tomou conta da gerência. Reconheceu-me de imediato e veio para a minha mesa recordar as velhas peripécias vividas na Ericeira. Encontrámo-nos várias vezes depois e só agora escrevo isto após a sua morte. Lembro-me, de ele em miúdo, dizer-me que nunca seria fadista, mas o bichinho estava lá e os genes da mãe também. Infelizmente faleceu cedo. Muita saudade.

domingo, 12 de junho de 2022

A Tia

 

A tia Lucília era gorda, feia e chata. Morava no Cacém e visitei-a várias vezes sem saber bem quem ela era. Só mais tarde a relacionei como irmã da minha Avó. Não tinham nada a ver uma com a outra. A minha Avó era transmontana, forte, directa e de voz um pouco esganiçada, dizendo aquilo que sentia e achava por bem. A Tia Lucília era mais citadina de voz forte, arrogante e um pouco roufenha. Só me aborrecia por ter o nome da minha Mãe. Como podia? Para mim as Lucílias eram lindas, boas e carinhosas. Aquilo não podia ser uma Lucília. Mas a minha Mãe, de tempos a tempos lá me dizia: “Temos de ir visitar a Tia Lucília.” Era como quem me arrancava dentes. Lá era obrigado a limpar os pés à entrada e a ter de biqueirar aqueles horrorosos canídeos. Realmente aqueles cães eram horrorosos, daqueles minorcas de raça incerta, mas de focinho amachucado com olhos esbugalhados. Eram desconfiados, matreiros e rosnavam a qualquer pessoa. Eu odiava-os e sempre que podia dava-lhes biqueirada da grossa que os punha a ganir. A Tia perguntava: “Que fizeste aos cães?” e eu disfarçando dizia sempre que nada, eles é que não gostavam de mim. Assim que a Tia desviava o olhar, toma! Lá saía outra biqueirada que, apanhando-os desprevenidos, os fazia ganir de novo. Raio de canídeos, eu que gostava tanto de cães era capaz de esganar aquelas abencerragens de animais. A Tia era casada com um velhote, um capitão do serviço geral, Carvalho de seu nome, lateiro, como chamávamos aos que vinham de sargentos. Mas ao contrário do raio da velha, o velhote até era simpático. Demasiado gordo, estava sempre sentado num velho maple. Julgo que nunca o vi em pé. Falava muito comigo e eu gostava de o ouvir. Como andava nos Pupilos do Exército, estava sempre a perguntar-me se eu queria seguir a tropa. Naquela altura ainda não sabia, mas a vida militar interessava-me. Era o seu segundo casamento. Enviuvara e acabara por casar com aquela megera. Tinha um neto célebre. Era o famoso Rogério de Carvalho jogador do Benfica. Acabou por morrer deixando a velha tia viúva. Não lhe vi grande desgosto. Mulheres daquelas não se desgostam por tão pouco. Mas nem todo o mal sempre dura e a velha acabou por receber em casa uma neta do defunto bastante novita. Uma miúda simpática e gira. Nessa altura eu já perguntava à minha Mãe: “Quando vamos voltar a ver a tia Lucília?” Claro que a Mãe nada tinha de estúpida e viu logo que eu queria era estar com a miúda. Servia-me da minha irmã como instrumento de aproximação e lá passava eu uns tempos a “namorar” a gaiata. A Tia, um dia morreu. Que a terra lhe seja leve com a Serra de Monsanto às costas e a Torre de Belém de contrapeso. Os cães já não existiam e a miúda teve um desgosto enorme. Como se pode gostar tanto de uma velha daquelas? Fomos ao velório, a filha, dela e do capitão, raramente por lá aparecia, mas na morte lá estava com o marido pompa e circunstância. O velório foi chique, com muita gente bem vestida, bolos, chá e umas tapas. A miúda chorosa nem comia. Lá consegui que a minha irmã a levasse para uma sala sem ninguém e fui com elas. Tanta anedota contei e tanta macacada fiz que a garota já ria a bandeiras despregadas esquecendo-se da morta. Depois foi-se embora. Nunca mais a vi e nem me lembro do nome dela. Ficou o sorriso.