sábado, 31 de dezembro de 2016

A Morte Do Herói Português


(Sobre o livro de Valentino Viegas)

A minha actividade diária de natação, na piscina da Junta de Freguesia de Benfica, tem sido profícua em novos conhecimentos. Desde um professor, músico, cantor, escritor, poeta, Francisco Machado de seu nome e um simpático apicultor que muito me tem ensinado sobre a vida das, como ele, simpáticas abelhinhas, a um ex-funcionário da RTP que cresceu e viveu muitos anos em Marrocos, muitos têm sido os encontros com diversas personalidades que só têm enriquecido os meus conhecimentos. Ultimamente, devido a uma alusão que fiz à beleza das praias de Goa, quando por lá passei há mais de cinquenta e muitos anos, vim a conhecer um goês de nascimento, hoje Professor e Doutor em História, que fez a guerra colonial em Angola, com o posto de Furriel miliciano, por nessa data ainda não ter terminado o curso dos liceus. Como militar de carreira, fiz várias comissões no ultramar, tendo numa delas (1963/65), sido colocado em Nambuangongo, talvez o pior sítio onde fosse possível colocar um militar de Intendência. Devido ao meu espírito demasiado aventureiro aliado ao meu “vício” da caça, não me limitei a passar o tempo dentro do arame farpado e, muitas vezes, acompanhei as tropas operacionais nas suas deslocações, pelo que vivi a guerra de Angola bem por dentro com tudo de mau que teve, mas também com muito de bom que as más situações nos deram de vivência e formação de carácter. Dado tudo isto, eu e Valentino Viegas, assim se chama o nosso Doutor, depressa chegámos a um entendimento enraizado naquela nossa vivência. Foi assim que eu vim a saber que tinha escrito um livro, entre outros, sobre o tema da guerra em África intitulado “A Morte Do Herói Português”, cuja leitura terminei agora e sobre o qual vou tentar escrever algumas palavras. Muito já se escreveu sobre a guerra dita do ultramar e eu próprio também me senti quase na obrigação de o fazer. Muito se disse e infelizmente nem tudo corresponde à realidade. Escritores consagrados, levados talvez pelo seu profissionalismo de ficcionistas, acabaram por escrever textos demasiado floreados, com episódios que, a nós militares, viventes da guerra por dentro, nos aparecem logo como relatos fictícios.
O interessante de Valentino Viegas é que o seu texto nos salta aos olhos logo como verdadeiro e, nós que por lá andámos, acabamos por reviver todas as cenas como se estivéssemos a vivê-las agora. Quer as cenas de guerra, quer as de vivência nos aquartelamentos, aparecem-nos descritas com uma realidade e humanidade impressionantes. Valentino Viegas escreve com uma fluência natural, sem grandes rendilhados nem frases literárias, mas ao mesmo tempo com uma escrita erudita para a qual muito deve ter contribuído a sua posterior formação. Dá-nos, pois, Valentino Viegas, um retracto da nossa gente simples que foi obrigada a partir para um continente inóspito, que nada lhes dizia, sem um queixume, convencidos, pelo regime que aqui viviam, que iam lutar pelo todo da nossa Pátria. Esse retracto mostra-nos, não só o seu comportamento em combate, mas também as influências psicológicas que sofreram pelo afastamento das suas terras e famílias. Chamo a atenção para o capítulo onde se refere a história da Joana, uma criança que foi adoptada pelo militar que lhe matou os pais, episódio excepcionalmente bem escrito e com grande carga psicológica. De realçar o pensamento do autor, quando confrontado com a morte, ao colocar em dúvida os desígnios de Deus, ao perguntar-lhe: “Mas porquê? Porquê?”. Um ateu, como eu, não teria esse problema, agora um crente a quem ensinaram que deveria temer um Deus Todo Poderoso, que tudo pode e tudo comanda, mas que põe e dispõe das vidas de cada um a seu belo prazer, é realmente de causar muitas dúvidas. Valentino Viegas foi condecorado com uma Cruz de Guerra.
O autor não pôde deixar de fazer referência a outra guerra por ele vivida, a invasão de Goa pela União Indiana, e dedica a este evento um capítulo onde descreve a invasão, a sua origem e as suas consequências.
É, pois, uma edição de Livros Horizonte que recomendo para que não se perca o que foi a vivência, à época, dos jovens portugueses que fizeram aquela e outras guerras que não deviam ter acontecido.


sábado, 17 de dezembro de 2016

25 de Dezembro



Em Roma proliferavam, em reuniões subterrâneas, umas profecias atribuídas a um tal Chrestus, do qual falara o historiador judeu Flávio Josefo. Os ouvintes e seguidores das ideias desse profeta, eram principalmente escravos e romanos das classes mais baixas, uma vez que os senhores do império tinham como normas as provenientes dos seus deuses e era nos templos, aos mesmos dedicados, que faziam as suas preces e promoviam rituais. Claro que as regras desses deuses eram estabelecidas mais à medida destes senhores e bastante permissivas com o seu modo de vida em consonância com os seus bacanais e diversões perversas, tais como espectáculos de morte no circo, quer com animais quer com seres humanos. O tal Chrestus, que pregava na palestina, defendia o ascetismo, o despojo de bens materiais em favor dos desprotegidos, a não violência, a prática do bem e a compensação de todas essas virtudes seria uma vida para além da morte cheia de venturas nos céus junto dos deuses. Depressa os seguidores destes princípios se tornaram uma seita religiosa. As suas reuniões eram normalmente secretas e recatadas em catacumbas ou locais não divulgados a não seguidores. Mais tarde, quando essa seita já se tornara uma religião designada por cristã, uma vez que Chrestus se transformou em Cristo, mas isso já é outra história que não cabe aqui, pois dá pano para mangas, Constantino (272 a 337 DC), imperador de Roma a partir de 306, estava farto de problemas que algumas revoltas de escravos causavam ao império e da diversidade de deuses que tudo permitiam aos seus seguidores, tendo conhecimento das ideias professadas por aqueles a que já chamavam cristãos, resolveu fazer com que essa fosse a religião a adoptada por Roma para apaziguar os ânimos. Interessava-lhe mais uma religião que advogava a pobreza, a não violência, sem compensações materiais e apenas compensações celestes. No concílio de Niceia (325) reuniu os vários chefes religiosos já existentes, e aí estabeleceram os primeiros princípios por que se deveriam reger as igrejas e os seus seguidores. A maioria dos Romanos esteve-se nas tintas e, continuou a adorar os seus próprios deuses e, segundo dizem, até o próprio imperador seguindo aquela máxima, faz o que eu digo não faças o que eu faço, dizia-se cristão, mas continuava a adorar os deuses antigos muito mais pacholas e alegres. Só mais tarde em 379, o imperador Teodósio tornou a religião cristã como obrigatória e religião oficial de Roma. Esta religião baseou-se em quatro dos muitos evangelhos que apareceram escritos, mas como eram os únicos que endeusavam o seu personagem principal, Jesus dito o Cristo sinónimo de ungido, foram aqueles declarados verdadeiros tornando-se todos os outros, e foram muitos, apócrifos e ordenada a sua destruição (gostava de saber porque foram escritos tantos e tão divergentes). Esta religião, dita cristã, foi depois espalhada pelo mundo ocidental pelo império romano e depois totalmente imposta pela força na Idade Média. Ai de quem a contestasse, bem era frito e supliciado pelos inquisidores.
Todo este arrazoado histórico, talvez cheio de erros, dado que não sou historiador e apenas vou apanhando umas coisas por aí, serve como intróito para o estabelecimento da data 25 de Dezembro, como nascimento de Jesus qualquer coisa, pois Cristo não era nome.
Esta data foi adoptada como nascimento de Jesus pelo Papa Libério (352 a 366). Portanto, no concílio de Niceia Jesus ainda não tinha data de nascimento.
Na antiguidade, os cultos chamados pagãos, festejavam muito a produtividade, dado que eram a Terra e o Sol os “humos” das culturas necessárias à vida. E assim, todos os deuses solares e redentores tais como, Mitra, Baal, Baco e alguns outros antes e depois, eram festejados no solstício de Inverno, dia em que a luz ganhava às trevas, pois a partir daí o dia começa a ganhar à noite. Era em 25 de Dezembro que estas festas pagãs se realizavam. A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) tinha todo o interesse em transformar essa data numa festa católica para ir substituindo as comemorações pagãs. Uma vez que esses deuses anteriores eram deuses solares que se representavam com uma auréola irradiante na cabeça, quer Jesus quer os santos passaram também a serem assim representados. Aliás, a ICAR copiou muita coisa de outros deuses, inúmeros nasceram de virgens a 25 de Dezembro, foram anunciados por pássaros, tal como Hórus, por um corvo, eram apresentados com animais, tais como carneiros, morreram supliciados em madeiros, ressuscitaram ao terceiro dia (aqui a ICAR enganou-se escrevendo isso, na prática foi para aí dia e meio). Mitra foi o deus mais copiado e cuja vida tem mais semelhanças com a vida de Jesus. Temos, portanto, uma festa natalícia cuja data foi marcada pelo papado e a partir daí começou o ano um da era de Cristo. E até este ano foi mal calculado. Só em 1582, o papa Gregório XIII, decidiu substituir o calendário da era de César, por um calendário Cristão. Chamou um matemático, o frade Dionisius, o Exíguo, parece que a estatura não era compatível com a sabedoria, e ordenou-lhe que determinasse o nascimento de Jesus. O nosso bom frade fez contas baseando-se em factos descritos nos evangelhos e calculou que estariam 1582 anos depois do nascimento de Cristo. Feitas as contas depois para trás parece que se chegou à conclusão que o bom do fradinho meteu água em quatro anos pois Herodes já teria morrido nesse ano um. Enfim, mais ano menos ano tanto faz.
Transformou-se esta data na festa da família, cada vez mais desvirtuada pelo mercantilismo aproveitador destas efemérides.
Vamos, pois, comemorar os 2016 anos do “nascimento” de Jesus e aproveitem dado que nem todos o podem fazer.