sábado, 15 de dezembro de 2012

As crianças, as armas e Deus


Aos 11 anitos dei entrada nos Pupilos do Exército. Aí durante sete anos foram-me incutidas as bases que me permitiram ser o que fui e sou. Logo de início as armas foram-me mostradas, ensinadas e por mim usadas. Tínhamos instrução militar com armas, instrução teórica sobre armamento e prática de tiro com as tão apreciadas deslocações à Serra da Carregueira. Claro que me lembro de em criança já brincar aos “cóbois” com os tão apetecíveis revólveres de barro adquiridos nas feiras da Agualva ou Mercês, depois de muito azucrinar a cabeça ao meu Pai.
Lembro-me dos muitos Pum! Pum! E Pá! Pá! com que brindávamos os nossos “inimigos” quase sempre os que faziam o papel de índios e de bandidos. Eram esses os “maus” que os “western” nos mostravam como não fazendo mal abater. Os “bons” e o “rapaz” nunca morriam.
Nos Pupilos aprendi que as armas, que nos mostravam e ensinavam, serviam apenas para a guerra. Da guerra começámos a ter aquela visão romântica dos “bons” que lutavam contra os “maus” para salvarmos a humanidade de “terríveis” ditadores que se queriam assenhorear do mundo. O inimigo também não fazia mal matar. Esquecíamos que os inimigos também eram homens que também acreditaram nos seus líderes e nos combatiam por motivos idênticos aos nossos. Esquecíamos que o soldado que se abatia com toda a frieza, também tinha Mãe, Pai, mulher ou filhos e que todos os familiares choram os seus mortos.
Por gostar de coisas mecânicas também gostei e gosto de armas e possuo algumas que fui adquirindo ao longo da vida. Fui um bom aluno a armamento e alguns dos meus amigos podem confirmar isso. A maioria estava-se nas tintas para aquilo e nada sabiam, pois não contava para nota. Pratiquei tiro desportivo à bala e a chumbo e ainda hoje caço. Nunca ensinei o meu filho a mexer numa arma, teria tempo para isso se fosse essa a sua vocação. Não só não mexia como sabia que mais ninguém podia mexer e durante anos as armas estiveram expostas em minha casa sem que ele ou algum amigo lhes tivesse tocado. Hoje não só não lhes liga, como abomina qualquer violência, o que me deixa o problema de não saber a quem deixar o arsenal.
Vem todo este arrazoado a propósito do que se passou ontem numa terreola do estado do “Connecticut” nos USA. Porque acontecem coisas destas? O que levará um jovem de 20 anos a massacrar daquele modo Mãe, professores e crianças?
Agora chora-se e todos pensam resolver a situação modificando a lei das armas nos “States”. É certo que há armas a mais e que a sua proximidade e profusão poderá facilitar estes acontecimentos, mas qualquer alteração ou proibição não resolverá nada. O que seria preciso era mudar as mentalidades.
Os USA foram criados à lei da bala. Muitos outros países também, mas não esqueçamos que nos fins do século XIX e princípios do XX, nos USA, ainda se resolviam diferendos e se defendiam honras a tiro, principalmente nas terras do Oeste. O uso da arma sempre foi, para os americanos, a prova de que “tenho uma arma tenho a razão”. Só que os marginais e os doidos também pensam assim. Podem retirar e legislar montes de arrazoados sobre armas mas estas situações irão continuar. Veja-se o que acontece cá com a nova lei das armas, os “bons” não as conseguem mas os “maus” compram-nas por todo o lado. Para o exercício da caça qualquer um consegue uma arma, depois de pagar montes de licenças e exames ao estado. Esquecem-se que as caçadeiras também matam pessoas.
A humanidade é má. Está nos nossos genes. Criámos deuses protectores da nossa vida e também que nos aconcheguem para além da morte, mas esses deuses são só nossos. Para os outros, eles que tratem de lhes pedir protecção e se não a conseguirem que se lixem. Esquecemo-nos de criar deuses que, não só nos protejam, mas que façam com que os mortais sejam bons e não se matem uns aos outros. Para o “índio”, para o “bandido” para o “inimigo” não haverá deuses que os salvem, mas poderíamos ter ”criado” um deus que nos fizesse ter amor e carinho pelos que consideramos diferentes.
Com esta mentalidade continuarão os massacres de inocentes, e mais nos USA do que noutros países onde também os há mas em menor escala.
Mais uma vez “Deus” não esteve lá. E não me venham com a cantilena de que se assim aconteceu foi porque ele quis. Poderia ter encontrado outra forma, menos violenta e traumatizante, para os “chamar” à sua presença.
Os massacres de inocentes continuarão, por mais lágrimas que o Obama verta.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Deprimido/Depressivo


Hoje estou deprimido. Deprimido mas não depressivo. Depressão é doença. Deprimido é estado de espírito. Aliás, estado de espírito é lugar-comum. Não há estados de espírito. Não pode haver estados daquilo que não existe. Espírito e alma é linguagem poética ou religiosa. Há formas de como o nosso cérebro reage a factos externos ou internos. Fica-se deprimido quando nos morre alguém de quem gostamos, quando alguém nos magoa ou outros factos da vida nos agridem. O cérebro reage e altera-nos os sentimentos. As situações deprimentes passam com o tempo, com alteração da situação que lhe deu origem, com um pedido de desculpas. As situações de depressão têm de ser tratadas com medicamentos.
Claro que com um espírito forte (vontade) consegue-se sair duma situação de depressão sem medicamentos, mas normalmente necessita-se de ajuda. Para isso existem os psicólogos e psiquiatras. Os primeiros tratam sem medicação, pela palavra, pela ajuda psíquica. Os segundos usam os chamados coletes químicos que substituíram os antigos coletes-de-forças, ambos manietam os pacientes, os químicos menos violentamente.
Não preciso de coletes. O meu estado de deprimido vai passar. Passará com o tempo, com a força de vontade. Mas os estados deprimentes deixam marcas. Tornamo-nos mais duros, mais renitentes, mais calejados.
É no estado de deprimido que tenho mais vontade de deixar no papel as minhas ideias, isto é, “o meu estado de alma” leva-me a isso. O meu cérebro congemina formas de passar ao papel não só o que me atormenta, como contar histórias ou descrever situações vividas e marcantes. Outras vezes acontece-me não contar ou descrever nada mas pura e simplesmente escrever sobre o estado em que me encontro. As situações que vivemos no dia-a-dia muitas vezes agridem-nos de tal modo que nos torna deprimidos. Continuo a referir deprimidos e não depressivos. Muito haveria a dizer sobre isto mas infelizmente não sou um Saramago.
Poderá muitas vezes confundir-se a reacção a certos factos que deprimem, com as idiossincrasias de cada um, mas não é a mesma coisa. As idiossincrasias de um indivíduo ou de um colectivo (povo, estado, nação) são formas de reacção a factos exteriores. As idiossincrasias são normalmente constantes e permanentes ou pouco mudam e quando mudam levam tempo chegando a levar gerações. Os estados deprimentes podem mudar com facilidade. A nossa reacção a um facto, pode ter hoje uma forma, amanhã outra. A propósito, gosto da palavra idiossincrasia. Faz-me recordar um livro de que gostei sobremaneira. “O Que Diz Molero” do Diniz Machado. A personagem principal, “o rapaz”, como Diniz Machado lhe chamou, tinha especial atracção por essa palavra. Eu também. Acho-a excelente. A sua sonoridade transmite-me realmente aquilo que exprime.
Vou, portanto, “matar” o que me deprime e deixar que as minhas idiossincrasias voltem a tomar conta da situação.
Obrigado por terem chegado até aqui. Estou um “chato” do caraças…