segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Maria Clara

Excerto do meu livro "O Sem Abrigo", ainda em fase de ultimação.

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Maria Clara deixou o autocarro e dirigiu-se ao Centro Comercial. Ainda bem que a sua amiga Manuela lhe arranjara aquele emprego. Não ganhava muito mas sempre era alguma coisa que, em conjunto com a pensão do marido, dava para viverem os três com os mínimos aceitáveis. Onde estaria o Alberto? Desde que encontrara o bilhete na mesa-de-cabeceira, nada mais soube dele. Sentia-se mal por ter contribuído para a sua fuga. De que viveria? Teria arranjado alguém? Os filhos sentiam saudades e ela dava-lhes esperanças de que o pai voltaria.
 – Vão ver que qualquer dia aparece por aí. O vosso pai é empreendedor e de certeza vai conseguir obter aquilo que pretende para poder voltar.
O que dizia saía da boca para fora mas sem grande convicção. Sabia que a vergonha de não ser capaz de prover às necessidades da família tinha sido a causa do seu afastamento. Sentia saudades do seu homem, mas os tempos estavam maus e não iria ser fácil para ele encontrar soluções. Se não conseguisse nunca mais voltaria. Sabia como ele era capaz dos maiores sacrifícios para manter as suas decisões. De qualquer modo esperaria por ele. Era o seu homem. O facto de se ter ausentado sem carteira nem documentos preocupava-a. De certeza tinha mudado de identidade para não ser encontrado. Sobre as suas dúvidas não falou com os filhos.
Chegou à loja antes da hora. Desligou o alarme e abriu a porta. Começou a preparar tudo para a abertura. No meio da manhã a sua amiga apareceu;
 – Então Maria Clara, como vai o negócio?
– Olha, amiga, para os tempos que correm isto até não está mal. Vendi dois conjuntos de saia e blusa, duas malas e um lenço de pescoço. Se continuar assim enriqueces num instante e vais passar férias para as Caraíbas.
– Pois. Faço isso quando arranjar um homem que mereça a minha companhia. Pelo que sei deles, amanhã não será a véspera desse dia.
Maria Clara tinha pela amiga grande consideração. Divorciada, conseguira com os parcos recursos que amealhara e alguma ajuda da mãe, arrendar aquela loja. Assim que se livrou do marido, que era um grande calão e pensara viver à custa dela, deu a volta por cima e emancipou-se totalmente. Desinibida, bonita, elegante e culta, era requestada por imensos homens, mas Manuela não se deslumbrava. Saía de vez em quando com algum que lhe agradava, mantinha um romance durante uns tempos e largava-os quando as coisas começavam a entrar na rotina. Era a forma, dizia ela, de ter homem sem compromissos. Maria Clara gostaria de ter feitio para isso, mas os filhos e a esperança de que o seu marido voltasse inibiam-na. Mais de uma vez esteve para aceitar o convite da amiga para saírem juntas e irem beber um copo a um bar, mas não era capaz. Limitava-se a ir com ela até um cinema e sempre às matines. Depois a amiga levava-a a casa no carro para junto dos filhos.
– Assim – dizia-lhe Manuela, – ainda vais para freira ou envelheces em menos de um fósforo e, quando deres por ti, estás velha e perdeste a tua vida à espera de um homem que fugiu das suas obrigações.
– Não digas isso, a grande culpa foi minha pois não o apoiei o suficiente e ainda por cima só lhe dei cabo da cabeça acusando-o de não ter sabido cuidar dos negócios. Ele não teve qualquer culpa. O mercado absorveu-o e liquidou-o. Sinto-me imensamente mal por não o ter apoiado mais e não lhe ter dado incentivos para aguentar. Agora não sei nada dele, se é vivo ou morto, onde está ou, estando vivo, se está bem ou mal.
− O Alberto, pelo que sei dele, é um tipo esperto, honesto e cumpridor. Foi-se embora para não vos sujeitar ao seu fracasso, mas tudo muda e nesta vida nada é definitivo, se surgir uma oportunidade ele agarrá-la-á e volta para vocês. Tem paciência. E, como parece que gostas muito dele, uma vez que lhe continuas fiel, espera e serás recompensada.
Manuela foi-se embora quase ao fechar da loja. Maria Clara preparou tudo para o dia seguinte. Fez as contas, meteu o dinheiro num envelope dentro da mala e saiu. Ainda no Centro depositou o dinheiro no cofre nocturno de uma das dependências bancárias. Em casa, os filhos já tinham preparado parte do jantar e estudavam nos seus quartos. Preparou o resto da refeição e chamou os filhos para a mesa. Viram televisão até às dez e mandou os pequenos para a cama. Maria Clara ficou um pouco mais mas deitou-se antes das onze. Já na cama pensava como seria bom ter o marido a seu lado.

Recordava como ele era terno e amoroso para com ela, como faziam amor sem tabus ou quaisquer complexos. Um frémito percorreu-lhe o corpo e pegou num livro para tentar apagar as visões. Pouco depois adormecia com a luz acesa deixando cair o livro.
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Zora


Excerto do meu livro (não publicado) "Caçador Branco"


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Zora varria a varanda da casa. Já alindara tudo o que pudera, não havia um grão de pó em lado nenhum, Lavara os cortinados e pusera-lhes uns acessórios para lhes dar outra graça. Lavara os frigoríficos e arcas congeladoras, os quartos estavam limpos e arrumados, a roupa de Ricardo e Rogério lavada e engomada. Já não tinha mais para fazer e não sabia como ocupar o tempo. Pensava no seu homem. Como gostaria de ter ido com ele para a caça e viver todas aquelas aventuras. Sabia que um dia o perderia. Sabia que a mulher da vida dele era a outra, aquela branca linda e culta que cheirava a perfume. Não lhe queria mal, a moça gostava do mesmo homem que ela e tinha-o conhecido primeiro. Fora-se embora e deixara-o. Não se poderia queixar por agora Ricardo dormir com ela. Zora era suficientemente esperta para saber que o seu caçador branco não a amava, mas tê-lo na cama era bom demais e enquanto durasse ela tinha a sensação de que ele lhe pertencia. Como ela gostaria de ter conseguido sair dali e após a saída da missão ter ido estudar para a capital e quem sabe, talvez sair do país e conhecer outras terras e civilizações.
Recordava o pai que sempre tomara conta dela mesmo após a morte da mãe, a fula mais linda que tinha aparecido na sanzala vinda do norte e que não tinha resistido a um ataque de malária.
O pai ficara sempre com ela e tratara-a fazendo de pai e mãe. Recordava os pretendentes que quiseram levá-la para as suas palhotas mas nunca aceitara nenhum por ter voos mais altos que infelizmente não conseguiu concretizar. Quando aquele branco doido pela caça apareceu, o seu coração disse-lhe logo que era daquele que gostava e só daquele seria, mas o branco trazia mulher e a ela só coube o lugar de empregada da casa. Agora tinha-o mas não sabia por quanto tempo. Seria bom enquanto durasse. Esperava que o seu caçador se mantivesse por ali durante muitos anos. Voltar para junto do pai não era o que desejava, mas esse estava a ficar velhote e mais tarde ou mais cedo teria de cuidar dele.
O sinal do rádio a chamar veio acabar com os seus pensamentos. Zora dirigiu-se ao rádio e atendeu. Era Bwango.
– Olá cara linda. Daqui é o teu velho admirador. Como vai tudo por aí?
– Oi! Bwango! Está tudo bem? Continuas sempre o mesmo. Sabes de quem eu gosto. Deixa-te desses piropos.
– É pena menina. Fazes falta em minha casa.
– Deixa-te disso e diz-me como está Ricardo e todos os outros.
– As operações estão a correr bem, vão a caminho da região das palancas. Levaram Tembo com eles que bem contente ficou por poder caçar com o seu herói. Diz aí aos homens que vai tudo bem e que se o patrão se demorar por lá, quem vai fazer os pagamentos sou eu, pois foram as ordens que Ricardo deixou. Adeus cara linda. Vou dando notícias quando as houver.
– Adeus Bwango, cá fico à espera.
Zora deixou o rádio e foi até lá fora para falar aos homens. Deu-lhes as notícias e voltou para casa. Aquilo era esquisito. Não era costume Ricardo ausentar-se tantos dias e ir para tão longe e esta de ser o Bwango a comunicar também não era costume, algo se passava de estranho e ela não sabia o que era, mas o seu instinto não augurava nada de bom. Ricardo não costumava levar com ele rapazes novos e pouco experientes. A caça tinha os seus perigos.
Esta de Tembo os acompanhar era demasiado estranho. Foi até ao seu quarto e vestiu-se um pouco mais agasalhada e saiu de casa. A noite estava fresca lá fora. Zora encaminhou-se para a sanzala, já há uns dias que não via seu pai.
No regresso a casa, depois de ter deixado o pai, a noite tornou-se mais cálida. Zora sentou-se na varanda, na cadeira de baloiço do seu Ricardo, coisa que só fazia na sua ausência, pensava no pai que felizmente estava de saúde e ainda bem activo. Depois deixou transportar os pensamentos até ao seu amor e adormeceu. Um grito de uma hiena, demasiado próximo, fê-la acordar. Deixou a cadeira e foi até ao seu quarto depois de fechar portas e janelas, não com medo de que alguém entrasse, felizmente por ali nunca tinha havido o mais pequeno roubo ou qualquer outro crime, mas a bicharada poderia entrar e isso sim, poderia ser perigoso.
Já no seu quarto, na sua cama individual, despiu-se e lavou-se cuidadosamente antes de ir dormir contemplando-se, completamente nua, no grande espelho que Ricardo tinha posto na parede para ela se arranjar e poder ver-se de corpo inteiro. Continuava esbelta e de pele sedosa. Não seria por aí que o seu amado a deixaria.

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domingo, 7 de fevereiro de 2016

Índios e Squaws

Há uns dias encontrei um amigo que já não via há uns tempos e, tendo-o achado com um ar um pouco acabrunhado e esquisito, perguntei-lhe o que se passava, se andava doente, etc. Que não, não era assim nada de importante mas lá acabou por me confessar porque andava triste e deprimido: “Sabes pá… como eu era danado para a “brincadeira”, não me escapava uma, mas agora… isto está mau a cabeça pensa o resto não funciona e blá, blá, blá…”
Procurei acalmá-lo dizendo-lhe que isso agora já não era problema, existem muitas soluções, que fizesse como o Futre ou que procurasse ajuda e se a coisa não resultasse mesmo que comprasse uma cana de pesca, a proximidade do mar, pelo ar e pela vista, descansa o cérebro.
Depois de nos despedirmos, resolvi escrever uma brincadeira para o animar, pois o “rapaz” também costuma ter a paciência necessária para ler o meu blog. E saiu isto:


Índios, cowboys e Squaws

É sabido que a rapaziada quando começa a ter uns aninhos a mais do que a conta volta à juventude e até, muitas vezes, à meninice. Já com uns anitos bem bons ainda me apetece brincar e uma das brincadeiras de que mais gosto é das “coboiadas”. Brincadeiras de índios e “cowboys” só têm graça com as “Squaw” e “revólvers”. Pois! “Squaw” ainda tenho e felizmente danada para a brincadeira, mas o pior é o “revólver”. Já de modelo antigo, farto de dar tiros, está bastante gasto e começa a enferrujar. Uma vez que a brincadeira ainda me passa pela cabeça, resolvi pedir auxílio e lembrei-me do “Manitu”. Claro que esse, lá no seu trono celeste nada resolve e mandou-me pastar caracóis ou ir à pesca e deixar-me de pensamentos estúpidos, pois já tinha muito boa idade para estar em casa a ver filmes. Que ficasse por aí e já era bem bom. Ná! Não era comigo, nos filmes não se goza nada, participar na brincadeira é que é bom. Lembrei-me então do “feiticeiro curandeiro” e lá fui eu indagar do tipo se tinha alguma “mezinha” que reparasse “revólvers” antigos. Ainda bem que me lembrei dele. Depois de algumas perguntas sobre se usava outras soluções para o coração aguentar as “guerras”, lá me mostrou uns pós que reparavam o instrumento guerreiro. Há de tudo, pós azuis, rápidos e eficientes mas pouco duradouros, pós castanhos que reparam bem e até dão para “brincar” durante todo o fim-de-semana e outros, que não se prolongam tanto no tempo, são usados para grandes e duradoras brincadeiras. Foi um êxito. A partir daí farto-me de “brincar” e o “revólver” até parece um “Colt 45” da última geração. Até o agente 007, que entra sempre em grandes “coboiadas”, teria inveja se visse a minha “performance”. A minha “Squaw” coitada, que nunca sofreu de dores de cabeça, agora até já se queixa de tanta “brincadeira”. Não há dúvida, estes “curandeiros” de agora servem-se de “mezinhas” milagrosas para dar alegria aos “rapazes” mais antigos que, como eu, ainda gostam de brincar. Vivam pois os pós milagrosos que dão alegria de viver a “índios” e “Squaws” já velhotes mas em bom estado de conservação. “Brinquemos” pois com muita alegria e vivacidade porque parar é morrer.


Depois disto, espero que o meu amigo se deixe de súplicas divinas, porque segundo consta aquilo lá em cima é demasiado “conventual” e nada feito. Procure mas é o curandeiro e siga a opinião do Futre. Pós milagrosos resolvem a questão e ”prá frentex”. Passe lustro na “carabina” e brinque aos índios e cowboys que já nos resta pouco e brincar é que é bom. O saudoso Jorge Amado, no seu Livro “D.ª Flor e Seus Dois Maridos” lá dizia por intermédio do seu personagem Mundinho: “Flor, meu amorrr, vamos vadiá?”