quarta-feira, 30 de maio de 2012

FUNDO DE PENSÕES DOS MILITARES (II)


O Estado continua, até hoje, a manter os militares reformados e muitas viúvas, espoliados do complemento de reforma a que têm direito por legislação devidamente aprovada e promulgada. Estamos no final do mês de Maio e estes complementos deveriam ter sido pagos dia 18 aquando do pagamento das pensões pela Caixa Geral de Aposentações. O governo, responsável pela gestão do Estado a que todos nós portugueses, militares e civis pertencemos, continua, quero posso e mando, sem dar sequer explicações sobre estes assuntos. Se não há dinheiro, arranjem-no. Houve dinheiro para salvar os ladrões do BPN, há dinheiro para financiar a banca, um dos grandes responsáveis pelos descalabros financeiros que nos conduziu à situação deplorável em que nos encontramos, mas para pagar a militares pertencentes à geração que fez a guerra colonial, que fez o 25 de Abril, que passaram anos nas matas africanas em comissões sucessivas, não há dinheiro. O Fundo criado foi obra de políticos e assumido por políticos. Se foi mal constituído corrijam-no. Mas a responsabilidade é do governo.
Cada vez mais, os partidos políticos que têm governado o país, no pós 25 de Abril, nos mostram que não estão aqui para governar os portugueses, mas sim para se governarem e criarem situações legais que os perpetuem no poder. Nós portugueses, temos de parar isto. Temos de demonstrar por todos os meios o nosso descontentamento. As Associações representantes dos militares, quer do activo, quer da reserva e reforma, tem feito e entregue a quem de direito, vários comunicados a denunciar estas situações. Até aqui nada resultou.
Era bom que alguns membros do governo, em vez de se servirem dos serviços de informações para obtenção de benesses pessoais, se servissem deles para auscultarem o desagrado do povo espoliado nos seus direitos, sem emprego, com fome e a viver de auxílios de organizações de solidariedade. Talvez assim começassem a por as barbas de molho.
Como estamos em democracia, nas próximas eleições votarei em branco e, exorto daqui, quer militares quer civis, que também o façam para demonstrarmos a nossa indignação.

sábado, 26 de maio de 2012

"A revolução é como Saturno, devorará seus próprios filhos"

“Tal citação encontra-se no ato I do livro “A morte de Danton” (1835) escrito pelo escritor e dramaturgo alemão Georg Büchner (1813-1837). Büchner escreveu este romance como uma análise dos problemas e causas que levaram o fracasso do governo que se instaurou após a Revolução Francesa de 1789.”
….

Nunca uma frase foi tão bem aplicada como no caso português. Em 1974 foram os militares que fizeram a revolução, logo seguida e acarinhada pelo povo. O programa do Movimento das Forças Armadas foi um documento chave para a instalação da democracia representativa. Uma tentativa, demasiado “revolucionária” de instalação de partido único, foi também abortada pelo Movimento das Forças Armadas, repondo o seu programa tal como inicialmente se instituiu (25 de Novembro). Elegeu-se a Assembleia Constituinte, elegeu-se o primeiro Presidente da República e elegeu-se o primeiro Governo democrático. O Conselho da Revolução foi o garante de que os passos da democracia seriam os correctos. Esse Conselho saiu e deixou o poder total aos civis como era preconizado. Já nessa fase se notava uma certa animosidade para com os militares, pois essa passagem não foi feita com a subtileza e a consideração devida a quem tanto tinha feito pela mudança.
Daí para cá foi notória a animosidade que o poder político, totalmente civil, tem tido para com os militares, sonegando-lhes os direitos que lhe são devidos.
Os Partidos Políticos deviam estar gratos aos militares por terem criado as condições para a sua existência legal. Deviam estar gratos ao povo por os ter aceite e lhes ter dado a legitimidade de governarem, mas o que infelizmente se viu e vê é que os partidos do poder desde 1974, em vez de terem criado condições sólidas de sustentação de um Estado de direito, governaram de forma a tornarem o nosso País, num Estado, desbragado, corrupto, injusto, e deseducado culminando agora num Estado falido e governado pelos donos do dinheiro mundial que apenas vêm na “ajuda” que nos dão, uma forma de poderem cobrar juros incomportáveis, sem consideração por um povo já tornado miserável e miserabilista.
Mas os donos do poder (partidos) não sofrem. Esses têm todos os apoios e, mesmo depois de saírem, após terem praticado as maiores vilanias, instalam-se nas empresas e na banca que sempre apoiaram em detrimento do povo.
Os militares agora, não podem fazer revoluções e os senhores do poder sabem isso. Vivemos em democracia instituída e a tropa já não é o povo em armas. Contratados não se voltam contra quem os contrata. Mas, o povo pode mudar isto. Pode vir a exigir nas ruas, uma mudança de regime que permita sermos governados por técnicos capazes sob a batuta de um Presidente eleito e responsável pelo poder perante o Povo. Os partidos políticos não podem ser os executores do orçamento. Devem ficar limitados à Assembleia da República onde devem representar o povo dos seus círculos eleitorais e, nesses deveriam possuir gabinetes para poderem receber representantes legais do povo que os elege, para os ouvir e levar à AR.
Pode ser que um dia…

sexta-feira, 25 de maio de 2012

FUNDO DE PENSÕES DOS MILITARES

Transcrito do publicado na "A VOZ DA ABITA"

BREVE COMUNICADO DA AOFA

(2012MAI22)

Os cerca de 13.000 beneficiários militares que deviam ter recebido o complemento de pensão de reforma pago pelo respectivo Fundo de Pensões viram, de novo, ser atrasado o respectivo pagamento

É bom ter presente que os militares liquidaram oportunamente todas as contribuições legalmente estabelecidas para que tivessem direito a receber esse complemento.

Enquanto isso, sucessivos Governos ignoraram as suas obrigações, igualmente consagradas na lei, e o FPM tem vindo a viver de autênticos balões de oxigénio, sempre acompanhados por declarações de governantes da área da tutela, que, na prática, correspondem não só a uma autêntica desresponsabilização em relação ao cumprimento dos normativos legais, como também no que respeita ao compromisso de honra que o FPM constituía.

O FPM foi criado em 1990, visando, muito claramente, amortecer as ondas de choque provocadas pelas alterações ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), decorrentes do Decreto-Lei 34-A/90 e continuadas pela Lei nº 15/92, que desprotegiam os militares no que às regras da reserva e da reforma diziam respeito.

Numa altura em que a situação dos jovens militares devia merecer a atenção do Estado (uma vez que o Decreto-Lei nº 166/2005, introduziu alterações que vieram piorar de novo as condições da reserva e em particular as da reforma), vêm surgindo ciclicamente notícias que prenunciam o desrespeito pelos direitos dos mais antigos, que, atempadamente, julgavam ter prevenido males maiores quando transitassem para a situação de reforma.

Não sabendo quais são as reais intenções de quem nos governa acerca desta matéria, dado que, ao contrário do que estabelece a Lei Orgânica nº 3/2001, de 29 de Agosto,  a AOFA (e certamente as restantes APM) não tem sido sequer informada do que se passa, cumpre considerar publicamente a situação de todo em todo inaceitável, face ao incumprimento das regras de um Estado dito de Direito e pelo que significa de desconsideração pelos militares e pelo papel sem paralelo que desempenham na sociedade que se honram de servir,

E se para a generalidade dos militares esta situação configura mais uma atitude de desrespeito, por maioria de razão, recaindo sobre um universo que, em boa medida, abrange a geração dos combatentes do ex-Ultramar, configura uma completa e afrontosa ausência de sensibilidade para os que, em condições dificílimas, deram o seu melhor pela Pátria.

A seu tempo, a AOFA desenvolverá adequadamente a sua posição.

O Presidente da AOFA

Manuel Martins Pereira Cracel

Coronel TPAA

sábado, 19 de maio de 2012

RECORDAÇÕES

Lembro-me… Bem, lembro-me de tanta coisa. Como era bom ir à pesca com o meu Pai aos fins-de-semana. Vivíamos com pouco mas não éramos pobres. A minha mãe fazia milagres com o parco rendimento de um funcionário público. Felizmente o meu Pai, que entretanto aprendera contabilidade, pediu licença ilimitada e foi para chefe da contabilidade de uma boa firma em Lisboa. Passámos a ter um pouco mais e o meu Pai aproveitava para, caçar e pescar sempre que podia. Desde muito pequeno que o acompanhei nessas actividades. Morando na linha de Sintra, deslocávamo-nos muitas vezes para a região do Cabo da Roca onde, fazendo quase alpinismo corríamos todas aquelas praias em manhãs, muitas vezes radiosas, outras de intenso nevoeiro muito comum na região.
Recordo o silêncio apenas interrompido pelo marulhar das ondas e, também o cheiro característico da maresia. Na praia escavávamos a areia procurando a “tiagem”, minhocas finas e compridas tanto do agrado dos peixes. Mas outros iscos eram usados como; caranguejos (mouras), lapas, mexilhões e pequenos camarões apanhados em mini-lagoas junto das rochas.
De tanto gostar daquela região, o meu Pai chegou à fala com uma característica personagem quase saída da ópera “A flauta Mágica” de Mozart, o Sr. Torcatinho que, se usasse na cabeça alguns ramos de árvore e flores, passaria muito bem por Papageno.
Pequenino, careca, de bigode, era merceeiro na aldeia da Azóia, que ficava mesmo antes de chegar ao farol do Cabo. Além de abastecer o pouco povo da terra, era também regedor e cantoneiro, tendo imenso orgulho disso e andando quase sempre fardado.
-- O Sr., que gosta tanto da pesca e desta zona, porque não passa aqui as suas férias? Tenho ali uma casinha que lhe posso alugar baratinha pelo mês de Agosto.
E lá fomos ver a casa. Fiquei de boca aberta ao chegar àquela habitação. Bem no fundo da aldeia havia um pequeno quintal rodeado de muros de pedra solta. A casa ficava quase ao fundo desse quintal totalmente cheio de silvados e ervas daninhas. Era alta e toda de pedra. Apenas uma porta que dava para a única divisão do piso inferior com chão de terra batida. O mobiliário constava apenas de uma grande mesa e de  um armário pendurado numa das paredes, com portas de rede mosqueira.
O piso superior ocupava apenas meia casa e era um sótão construído em madeira, também com uma única divisão e os tectos esconsos eram forrados a tabuinhas. Nesse piso havia duas pequenas janelas. O acesso ao sótão era feito por uma escada interior, em madeira, que partia da cozinha, com parede protectora e porta. Ao abrir-se a porta, tinha um pequeno patamar antes de se iniciarem as escadas. Os meus nove anos levaram-me a ver aquela pobre habitação como uma casa de contos de fadas. Fiquei encantado, e diga-se que o meu Pai também. Acordado o preço, selou-se o contrato com um aperto de mão. E lá fomos com a boa-nova para a minha mãe e irmã. Claro que o nosso entusiasmo levou-nos a descrever aquele “palácio” como se de um castelo se tratasse.
No dia um de Agosto partimos de camioneta do Cacém até Azóia, acompanhados pelo nosso “pointer”, o “Toy”. O pobre bicho enjoou todo o caminho e tivemos que, algumas vezes, pedir ao condutor para parar, para que o cachorro pudesse recuperar. Bons tempos aqueles em que os cães tinham “direitos”.
Parámos na venda do Sr. Torcatinho para irmos buscar a chave. – “Chave? Aqui não se fecham as portas. Podem ir que está aberta.”
À chegada, ao olhar para a casa, a cara da minha Mãe começou a mudar. Assim que entrou não resistiu e rompeu em copioso pranto que nos deixou consternados. Ao fim de algum tempo e de muita conversa, tipo: -- Deixa lá, é por pouco tempo e vais ver que vai ser engraçado. Vamos limpar isto tudo e dar-lhe alguma graça.
A pouco e pouco foi recuperando da estupefacção e lá se convenceu que teria de viver ali durante um mês.
E assim foi. A casa depois de limpa até era aceitável e com umas cortinas de chita e umas flores, até ficou com algum encanto. O chão, que era de terra bem batida, depois de bem varrido e ligeiramente humedecido, até ficava um brinquinho. A parte do telhado não coberta pela base do sótão, era de traves e telhas, e pelo intervalo de algumas, passavam réstias de sol Na grande chaminé vivia uma alentada aranha, na sua teia, que o meu Pai não deixou matar porque apanhava as moscas e outros alados bicharocos. Eu e a minha irmã inventávamos brincadeiras e fazíamos da escada interior o nosso “autocarro” que nos transportava até onde nos levasse a imaginação. O sótão foi dividido por um cortinado e num dos lados ficaram os meus Pais e nós do outro. As camas eram de campanha, os chamados “burros”, compradas na feira da ladra.
Não havia casa de banho mas o meu Pai montou no quintal um chuveiro, numa armação de ferro e lona, onde também colocou um daqueles bidés de esmalte montados numa estrutura de verga de ferro. Difícil foi convencer a minha Mãe e irmã a deslocarem-se até ao campo… sempre que se tornava necessário.
Um dia fomos alertados pelos gritos da minha Mãe, que saindo do quarto, ao descer as escadas deu com uma vaca que, pachorrenta, entrara pela porta e estava plantada dentro da cozinha. Tivemos que a acalmar mas não pudemos deixar de rir pelo tremendo susto que apanhara.
Todas as manhãs muito cedo, eu e o meu Pai, armados dos respectivos apetrechos, deslocávamo-nos até à costa onde eu, preso com uma trela a um peitoral de correias, que o meu Pai construiu, descia penhascos e barrancos até às lajes onde fazíamos poiso para a actividade piscatória.
Corremos todas as praias da região: Adraga, Ursa, Magoito, São Julião, Ericeira, etc. As deslocações para os locais mais longe, faziam-se em velhas camionetas de carreira sendo as refeições levadas em bornal de lona, constando de sandes, cerveja e gasosa (pirolitos) para mim. O nosso “Toy” acompanhava-nos sempre que pescávamos em locais não perigosos para ele. Quando íamos para sítios mais difíceis, o bicho ficava em casa a fazer companhia às mulheres. Muito peixe pescámos e muito peixe comemos. Naquele tempo a pesca era farta na zona e os pesqueiros, que nos eram dados a conhecer pelos pescadores da terra, eram perigosos mas profícuos. No regresso, no final de Agosto, voltámos também de camioneta, não sem antes passarmos pela venda do Sr. Torcatinho para as despedidas. O pobre do “Toy” voltou a enjoar mas dessa vez vomitou grandes bocados que se veio a verificar serem de atum. O bicho, aproveitando as despedidas, tratou de devorar apressadamente uns bons nacos de atum fresco que a “operática” personagem tinha de molho para vender aos conterrâneos.
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quarta-feira, 16 de maio de 2012

MAHLER DEU-ME VIDA


Acabei de almoçar. Comi duas espetadinhas de porco grelhadas. Separei as lamelas intermédias de toucinho. Talvez não comendo a gordura me livre do colesterol que entope as artérias. Será? Agora andam aí umas mensagens pela net a dizer o contrário. As doenças cardiovasculares parece que são causadas pelas inflamações das artérias e os culpados são os demasiados hidratos de carbono, óleos ómega 3, 6 e quejandos. Afinal a margarina não presta e devemos é comer a dieta das nossas Avós como; carnes grelhadas, manteigas, banha de porco, couves e cereais. Já me estou nas tintas. Sei que o almoço me soube bem. Ajudei a mulher a levantar a mesa e pensei que nada tinha que fazer nesta tarde. Sentei-me no maple e liguei a TV. Grécia, mercado comum, união europeia, opiniões do Hollande, Merckel, etc… Continuo nas tintas. Já me tiraram tudo; osso, tutano, esperanças, alegria de viver. Fiz um "zapping" e fui acabar no canal “ Mezzo” como quase sempre. Sorte a minha. Começava a apresentação de um festival da orquestra de Lucerna, sob a direcção de Claudio Abaddo. A obra apresentada era o “Adagietto” da sinfonia nº 5 de “Mahler”. Não sou crente, mas perante tal criatividade, tal virtuosismo de interpretação, tal manifestação de arte, penso que a natureza deve enviar raios cósmicos aos cérebros de certos seres, que os leva a criarem manifestações tão sublimes e soberbas.
Pergunto a mim próprio o porquê de uns possuírem este virtuosismo e outros não serem sequer capazes de se libertarem da pobre carcaça. Pois! Tenho de me limitar a ser um ouvinte, já que o raio cósmico não me atingiu, mas ao ouvir tal manifestação de sensibilidade criativa, tal transmissão de sentimentos interiores, libertei-me dos pensamentos negativos que o “meu” (lagarto, lagarto, lagarto) governo me incute e, voltei a ter, momentaneamente, aquela alegria, que, até aqui, me tem acompanhado na vida. Enfim, voltei a viver com mais um pouco de interesse. Vamos a ver por quanto tempo.
Ouçam também:

O SEM-ABRIGO (II)

(Excerto de "O Sem-Abrigo")

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Alberto meteu todos os seus haveres no saco de lona e colocou-o às costas. Dirigiu-se ao refeitório municipal e entrou para o almoço. Sem este apoio, a maioria dos sem-abrigo de Lisboa não conseguiria sobreviver. O funcionário que controlava as entradas já o conhecia e ao vê-lo entrar com um livro na mão perguntou-lhe o que lia ele agora. Alberto virou a capa e mostrou-lhe o título “A Fórmula de Deus”, tinha na contracapa a foto daquele jornalista da Tv. Para o funcionário aquilo era chinês. Com um gesto indicou-lhe uma mesa. Alberto pegou no prato de alumínio e dirigiu-se ao “self-service”. A jardineira tinha bom aspecto e cheirava bem. Ali ninguém era esquisito e tudo o que vinha à rede servia. Depois de comer, Alberto ficou sentado durante um bom bocado observando os comensais. Havia de tudo, homens e mulheres, quase todos velhos, mas alguns com menos idade da que aparentavam. Que tragédias estariam por detrás daquelas pessoas? Por que amarguras terão passado para tomarem a opção de viverem na rua longe de tudo e de todos? Havia todos os tipos. Uns sujos e desleixados, de barbas hirsutas, dentes podres ou amarelos do tabaco, fatos rotos, sapatos abertos e desfeitos, mal cheirosos e piolhosos, outros um pouco mais cuidados, limpos de roupas e corpo, com fatos velhos e a degradarem-se, mas ainda apresentáveis. Algumas mulheres tentavam ainda parecer bem, alindando-se um pouco como se a sua vida não tivesse dado volta de 180 graus e alguma coisa da anterior tivesse ficado. Algumas tentavam ainda ser um pouco coquetes e chegavam-se mais para aqueles que ainda tinham algum cuidado com a apresentação. Havia uma, com alguns sinais de uma beleza que se ia perdendo, que tentava sempre comer ao lado de Alberto. Chamava-se Sara e vivia num prédio abandonado juntamente com mais duas mulheres e apenas um homem. Eram muito selectivas nas companhias pois já várias vezes tinham sido molestadas por tentativas de violação, a que, felizmente tinham conseguido fugir.
Alfredo e Sara falavam de tudo menos das suas vidas anteriores. Naquele meio respeitava-se muito a privacidade de cada um e ninguém queria saber quem era quem. Os motivos que os levaram àquela situação eram do foro privado e ninguém tentava penetrar nos segredos dos outros. Depois do almoço, distribuíram a cada comensal um bocado de sabão exortando-os a tomarem banho e alertando-os para o perigo de não o fazerem. Todos diziam que sim, mas a maioria não o fazia. Para muitos a degradação era total e estavam-se borrifando para as consequências. Os funcionários do refeitório bem lhes diziam que se não se lavassem, da próxima vez não os deixariam entrar, mas mesmo assim nada conseguiam.
Alberto e Sara saíram juntos e foram até um jardim onde se sentaram conversando. Sara falava bem e via-se que era letrada, lendo os livros que Alfredo lhe emprestava e que ela devolvia após a leitura. Trocavam depois impressões sobre os conteúdos. Estiveram umas duas horas em franca cavaqueira combinando encontrarem-se de novo no dia seguinte de tarde junto do balneário público.
Já no seu local de descanso dedicou-se às suas leituras. Não deu pelo tempo passar. Quando fechou o livro o candeeiro de rua já se encontrava aceso. Resolveu dormir aconchegando a manta ao corpo e tapando a cabeça.
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domingo, 13 de maio de 2012

ANA

(Um capítulo de "Caçador Branco")

Ana estava em casa há tempo demais. Já não sabia como fazer para se entreter. Começou a pensar que tinha de arranjar um emprego, mas as coisas não andavam fáceis mesmo para licenciados. A mãe dizia-lhe que se deixasse ficar, que não tivesse medo de se tornar pesada, felizmente não tinham problemas de dinheiro e assim podiam fazer companhia uma à outra.
– Mãe, eu sei que gosta imenso de me ter por cá, que gosta da minha companhia, mas não podemos passar a vida juntas, já fizemos todas as compras possíveis, já contei a minha vida em África dezenas de vezes. Preciso de me sentir útil e aqui em casa não há nada que fazer, nem sequer me posso meter em assuntos para os quais temos empregados. Penso que até ficariam ofendidos se me vissem a passar a ferro ou a limpar o pó. Vou começar a mexer-me para ver se arranjo qualquer coisa para fazer. Pode ser que apareça algo pela Net e vou também pôr um anúncio e pedir à Guida que vá falando aos amigos. Psicólogos são sempre precisos e não faço questão de ordenado, o que vier serve porque eu quero é uma ocupação e largar os pensamentos que estão sempre a voar até África.
– Quando é que deixas de pensar nele? Tens é de te distrair, sair com amigos, ir a boites e bares. Pode ser que encontres alguém que te agrade e faça esquecer esse caçador mentecapto.
– Pois, agora fala assim, mas eu sei que a mãe sempre adorou o Ricardo, dantes não lhe chamava nomes.
– Tens razão. Sempre gostei dele. Não sabia era que te ia levar daqui e meter-te naquele degredo. Fiquei aqui a consumir-me, a pensar que podias ser comida por algum leão ou mordida por uma aranha ou escorpião. Brrrr! Só de pensar fico com pele de galinha.
– Mãe! – Ana soltou uma gargalhada. – Isso são histórias, quando lá estamos nem pensamos nisso. Essas coisas existem, mas raramente aparecem e se aparecem não fazem mal a ninguém. De qualquer modo é preciso algum cuidado. Lembro-me de sacudir as botas antes de as calçar. Foi uma das regras que Ricardo me ensinou.
– Pois. E dizes tu que não havia perigo.
Ana riu-se e abraçou a mãe. – Deixa lá. Agora estou aqui e os perigos são maiores, posso ser assaltada ou atropelada nessas ruas que são maior selva de que aquelas por onde andei. Bem, vou deixar-te e ter com a Guida. Aquela maluca descobriu que num centro comercial há umas malas que ela ainda não tem e anda louca para comprar uma. Nunca vi ninguém que gaste tanto em roupas e adereços. Xau. Volto cedo.
– Adeus querida, diverte-te.
Ana saiu e meteu-se no pequeno Smart que o pai lhe comprara, assim não precisava de estar sempre a utilizar o dele. Era o carro ideal para a cidade, fácil de condução e de arrumar.
Guida levou Ana fazendo-a correr quase todas as lojas da cidade. Via tudo, esmiuçava tudo e nada estava a seu jeito. Comprou uma mala, umas botas, um casaco, um gorro e se mais não comprou foi porque Ana já não podia com os pés e ou ela acabava com aquilo ou tinha de ir descalça para casa.
Ana deixou-a no apartamento e rumou a casa. Estava exausta. Começava a cansar-se daquela vida de futilidade. Deu por ela a almejar o silêncio, uma boa leitura, enfim, o sossego da sua casa de África.
Já em casa e na tranquilidade do seu quarto, Ana pensava na vida e naquilo que ela considerava uma grande complexidade da mesma. As pessoas, por mais que tivessem uma actividade que as satisfizesse, dinheiro, amigos, conforto, etc., não passavam sem uma companhia que as completassem. O amor e o sexo eram primordiais e uma coisa não funcionava sem a outra. Sabia que existiam raparigas e rapazes, que punham o sexo à frente de tudo não se importando com o amor. Pensava que essas pessoas, no fim, não eram felizes. Após a satisfação do sexo, ficava sempre um vazio. E, o amor era tão fácil de aparecer e obter. Era uma questão de entrega total e de pequenas atenções e carinhos recebidos. Poderia não durar muito, mas enquanto durasse era muito bom e compensador. Ana deu um salto da cama e foi para o duche. Aí, enquanto se deliciava com a água quente e o gel cremoso que ia espalhando pelo corpo, pensava como seria bom estar a fazer amor com o seu Ricardo. Não resistiu e masturbou-se até um orgasmo intenso e prolongado a deixar relaxada, mas ao mesmo tempo um pouco frustrada por o ter obtido sozinha.
À noite, na cama, Ana recordava os bons momentos passados na sua casa no mato. Até já nem se lembrava dos motivos que a tinham feito fugir. Tinha de voltar, só não sabia como ultrapassar os constrangimentos. É sempre assim, arranjam-se os conflitos, vêm os arrependimentos, mas o constrangimento que fica, pelas palavras ditas ou acções intempestivas, é sempre difícil de ultrapassar.
Esperaria pela resposta à carta que escrevera a Ricardo. Do que ele dissesse dependeria a sua atitude, mas estava disposta a contemporizar só para estar com ele.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

O PACAÇÂO


(Excerto de "Caçador Branco")

 

O carro serpenteava por entre os arbustos, procurando os melhores caminhos. Ricardo ia ao volante com Ana ao lado. Rogério, em pé atrás deles, segurando-se com uma das mãos à armação de ferro, com a outra agarrando os binóculos com que perscrutava a zona, atento a qualquer sinal de movimento.
Uns minutos mais tarde Rogério deu um toque a Ricardo que parou o jipe. Sussurrando, disse:
– Estás a ver ali mesmo em frente, às doze horas? Está uma manada de umas seis pacaças. O macho está uns metros mais à direita e meio camuflado com a vegetação. Passa aí os binóculos à Ana para ela as ver.
Ana pegou nos binóculos que Ricardo lhe passou e olhou na direcção indicada. Ao ver as pacaças a adrenalina começou a fazer os seus efeitos e o coração bateu-lhe mais apressadamente. Era uma visão magnífica ver aqueles animais pastando placidamente. Mal sabiam elas que daqui a uns minutos estariam sob o fogo dos que os pretendiam caçar. A vida era realmente estranha, todos eram predadores uns dos outros, mas a carne daqueles bichos era muito necessária à sobrevivência das populações e também base de negócio de quem lha fazia chegar. Alguém teria de fazer aquele trabalho, qual magarefe o faz nos matadouros. Ao menos ali, podiam viver-se momentos de algum prazer no trabalho.
Ricardo indicou a Ana qual era o pacação e deu-lhe todas as indicações de como iriam fazer a aproximação. Ensinou-lhe como determinar a direcção do vento e como deslocar-se com um mínimo de ruído. Rogério iria postar-se numa posição que levasse as pacaças fugitivas a deslocarem-se para o lado contrário, ao mesmo tempo, Ricardo e Ana entrariam pelo meio, de modo a cortarem o caminho ao pacação que procuraria acompanhar a manada. Seria nessa altura que Ana teria de atirar.
Avançaram mais uma centena de metros e pararam o carro. Saíram os três e Rogério deslocou-se para a esquerda. Ricardo e Ana seguiram juntos a uns dez metros um do outro. Quando o pacação deu por eles, já se encontravam à distância de tiro. O bicho bufou e a manada arrancou fugindo de Rogério. Foi então que o pacação os viu. Fixando-se em Ricardo avançou de cabeça baixa rasando o terreno com os cornos e bufando como um comboio a vapor. As pernas de Ana tremiam. O bicho aproximava-se perigosamente de Ricardo e este não reagia. Ana estava quase a entrar em pânico. Como Ricardo não tomasse qualquer iniciativa Ana meteu a arma à cara e disparou. O pacação abateu-se a poucos metros de Ricardo que continuava imperturbável. Ana sentou-se no chão chorando copiosamente. Ricardo batia palmas.
Rogério aproximou-se. – Então Ana? Estava a ver que o Chefe, desta vez ia para o galheiro. Porque disparou tão tarde? Foi para testar a coragem do grande caçador branco?
Ana, enxugando as lágrimas disse: – Não venho mais. Isto não se faz. Porque é que aquele sevandija não atirou? Foi para me matar de susto?
– Se eu tivesse atirado nunca saberia qual a tua presença de espírito. Disse Ricardo Agora sei que posso contar contigo e que é fácil deixar a vida nas tuas mãos. Foi um tiro de mestre. Nenhum de nós faria melhor. Foste aprovada.
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quinta-feira, 10 de maio de 2012

CONVERSAS AO CAFÉ

(excerto de "Pedras Negras de Vermelho")


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– Ainda a ama? – Perguntou Mariana.
Anselmo ficou um tempo calado como a pensar se o deveria dizer, mas acabou por confessar. – Sim. Procuro convencer-me do contrário mas tenho de confessar a verdade. Ainda a tenho no pensamento. Apesar das nossas diferenças, no essencial não nos dávamos mal.
– A que chamas essencial? – Perguntou Fernando.
– Bem. Sabes o que é… – Referiu um pouco a medo. – Conversa, cama e coisas triviais. O pior era o serviço e a minha falta com muita permanência.
– Desculpe o interrogatório. – Disse Mariana. – Mas já agora gostava de saber. Falou em diferenças. Eram assim tão diferentes?
– Só na religião. Telma é tremendamente católica. Eu sou agnóstico. Ela não fazia nada sem deus. Era “se deus me ajudar”, “ deus vai-me orientar”,“vou pedir a deus”. Irritava-me aquilo. Dava a ideia de que toda a vida dela era comandada, que a cabeça dela não tinha atitudes nem ideias.
– Vocês, os agnósticos deixam-me sempre confuso. – Disse Fernando. – Sempre achei o agnosticismo uma grande falta de coragem. A vossa postura é de que os crentes não provam a existência e como vocês também não conseguem provar a não existência, lavam as mãos como Pilatos, se por acaso este facto foi verdadeiro, e não discutem o assunto.
– Porque referes que esse acto de Pilatos poderá não ser verdadeiro?
– Pensem bem. A religião cristã foi a adoptada, se não inventada, para religião oficial dos romanos. Obviamente que não podia colocar os romanos como os culpados da morte de Jesus e, portanto, atirou com esse ónus para cima dos judeus, por outro lado, a história romana está feita através dos muitos registos encontrados. Todos os julgamentos e execuções eram devidamente registados. Curiosamente não existe na história de Roma e na da ocupação romana da palestina, qualquer referência ao julgamento e à morte de Jesus nem nos registos da governação de Pilatos. O relato do julgamento e da pretensa atitude de Pilatos, lavando as mãos como quem diz “estou-me nas tintas querem matá-lo matem-no”, só aparece nos evangelhos e esses são suspeitos pois só foram escritos muitos anos depois e por pessoas que não poderiam ter conhecido Jesus. Também deixa suspeitas o facto de Jesus ter sido crucificado. A crucificação era uma punição romana. Se os judeus achavam que Jesus deveria ser punido com a morte por heresia, essa era apenas contra a religião deles e não contra a dos romanos. Pilatos de certeza que teria deixado ser a justiça dos judeus a encarregar-se disso e se assim tivesse sido a morte teria sido por lapidação que era a punição judaica para a heresia.
Anselmo fez o gesto silencioso de quem está a bater palmas. – Bravo! Vê-se que és um autêntico “expert” sobre o assunto. De onde te vem tanta segurança nas afirmações?
– Isto de se dizer que se é ateu, só não chega. Como sabes, os crentes, pelo menos a maioria, vê em nós autênticos diabos à solta como se fossemos os verdadeiros anti-cristo. Para termos alguma coerência na defesa das nossas teses, temos de documentar-nos e de estudar tudo o que diz respeito a religiões e, digo-te que é uma tarefa ciclópica pelo manancial de informação e literatura que existe. Leio muito sobre o assunto e como também gosto muito de história está feito o resultado. Só que às vezes acabamos por ser os chatos e perder algumas amizades. Nem todos têm a nossa largueza de espírito. Mas vamos jantar que vão sendo horas.
Passaram para a sala de jantar onde continuaram com conversas banais até passarem de novo à sala para o café.
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quarta-feira, 9 de maio de 2012

SOBRE A MORTE


(2º capítulo de “Pedras Negras de Vermelho”)

Mariana estava junto da sogra. Eram bastante chegadas desde o tempo do seu namoro com Fernando. Foram sempre bastante cúmplices nas conversas íntimas e não tinham segredos uma para a outra. Agora, o ambiente estava bastante mais pesado. A morte da avó do Fernando abalara a Dª Gloria. Esta sentia muito a perda da sua mãe e companheira de uma vida, mas tinha discernimento e bom senso para saber que a vida não parava e era preciso continuar. Tinha o filho, os netos, a nora e uma casa para administrar apesar de ter ficado mais vazia.
– Mariana. Que pensas tu sobre o que há para além da morte? Achas que poderá haver algo de sobrenatural? Algo de etéreo onde os mortos possam estar e podermos vir a encontrá-los neste ou noutro mundo?
– A Glória sabe bem que, tal como o seu filho, não acredito nessas cantilenas que os crentes nos impigem. Tempos houve que, por via dos meus pais, professoras, catequista, etc., vivi anos convencida dos poderes sobrenaturais de um deus que me impingiram também convencidos duma verdade que ninguém conseguiu explicar. Mais tarde, assim que comecei a pensar e a estudar os assuntos, a ciência e a minha consciência começaram a pôr em causa essas crenças. Pode pois estar completamente descansada. Esse tal ser fantasmagórico não existe e, portanto, nada comanda nesta vida. Aliás, a ideia de um deus protector e pessoal, dirigente das vidas de cada um, dá-me uma enorme vontade de rir. Então quem comandaria a vida dos criminosos? O diabo? E deus deixava? Pobre deus esse, tão pouco poderoso.
– Tens razão, minha filha, tudo isso é uma treta e uma história mal contada apenas para dar poder às seitas que usam os deuses para obterem benesses e poder. Não quer dizer que alguns membros das seitas, não sejam homens honestos e bons com vontade de fazer o bem sem pensarem nos dividendos, mas esses andam distraídos. Bastava olharem em volta e verem como as hierarquias superiores vivem e quais os meandros das suas políticas para conseguirem a clientela que lhes garanta os fabulosos lucros.
Claro que muitas vezes, a nossa mente nos leva a dúvidas face à morte. Todo o ser humano gostaria de viver eternamente, mas acaba sempre por ser posto em face da morte e isso é coisa que assusta. Todos gostariam de se perpetuarem, mas como a morte aparece, fica-se obviamente inclinado a pensar que terá de haver algo para além da vida como uma justificação para que a mesma tenha feito sentido.
– Querida sogra, todos procuram uma justificação para a vida, como se isso fosse absolutamente necessário. Parece que o simples facto de existirem não lhes chega. Mas ninguém pergunta o porquê da existência do cão, do rato, da formiga. Porquê existirem? Para onde vão quando morrem? Pisamos a formiguinha e ela morre como nós morremos quando somos atropelados por qualquer objecto maior e mais pesado do que nós. Aí dizemos que chegou a hora, que estava programado, que foi deus que quis. Só que deus é um ser sedento de companhia, mata milhares de seres por dia e normalmente escolhe mais os coitadinhos, as crianças, os pobrezinhos. Aos ricos e aos malandros deixa-os por cá mais tempo. A Igreja não explica isto. Diz apenas que os desígnios de deus são insondáveis. Tanta hipocrisia. Fique descansada Glória. A sua mãe acabou, está apenas onde deve estar, na sua lembrança.
– Claro, minha querida. Deixemo-nos destas coisas. Vamos à vida, que continua. Vais para casa? Não te esqueças de falar com os pequenos, de sossegá-los acerca da morte.
– Não tenha problemas, o Fernando já falou com eles. São uns meninos esclarecidos e livres de lavagens ao cérebro perniciosas. Vou esperar pelo Fernando, não a deixo aqui sozinha. Pessoas sós têm tendência para a depressão.
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segunda-feira, 7 de maio de 2012

OS "OLIVEIRA DA FIGUEIRA”


Hergé, pseudónimo de Georges Remy, foi um sobredotado ilustrador e um contador imaginativo de histórias em imagens. A sua criação de TIMTIM e o seu fiel companheiro MILU encantaram crianças de todo o mundo dos sete aos setenta e sete anos, como muitas vezes referia. Lembro-me de aos 6 anos, já ler o suficiente para, agarrado à revista O PAPAGAIO, conseguir compreender as aventuras que me encantavam. Aliás, penso que foi TimTim o responsável por ter aprendido a ler tão depressa, devorando os pequenos textos inseridos nas onomatopeias interpelando o meu Pai ou Mãe sempre que não entendia algo. Muito aprendi com aquelas histórias. Hergé conseguiu retratar tempos e pessoas de todas as épocas com as figuras que criou. Alguns acusaram-no de misoginia por raramente incluir figuras femininas e, quando o fez, fê-lo com demasiado humor apresentando figuras algo caricatas mas plenas de criatividade (BIANCA CASTAFIORE). Outros acusaram-no de racismo, pela forma como incluía judeus e negros nas suas histórias. Eu não o acuso de coisa nenhuma, pois aquilo que retratou era fruto de uma época colonialista. Aliás, as figuras que foram aparecendo acabaram por suplantar o personagem principal, que continuou a ser o catalisador da acção, mas com muito menos protagonismo. O fabuloso HADDOCK com os seus rasgos de heroicidade e com aquele vocabulário próprio com que invectivava os adversários, os caricatos DUPOND E DUPONT, criados à imagem e semelhança de Charlie Chaplin, de coco e bengala, bem como o surdíssimo professor inventor TOURNESSOL. Enfim, tantas figuras que me deliciaram e ainda hoje deliciam.
Mas, levado pelas recordações, acabei por me afastar da personagem sobre a qual queria falar. Hergé apanhou muito bem o espírito do português que se lançou pelo mundo com o fim de ganhar a vida fora do país, pela dificuldade de o conseguir fazer na sua terra. OLIVEIRA DA FIGUEIRA é o protótipo do português que, dispondo de uma verborreia de vendedor, tipo banha da cobra, se lança a impingir os seus produtos mesmo que os pobres dos compradores não necessitem deles para nada. Assim, consegue vender sabonetes aos árabes que nem água tinham para beber, patins de rodas onde não havia locais para a prática de patinagem, skis onde não há neve, chapéus de chuva para o deserto, etc… O próprio TimTim, com skis às costas, gaiola para papagaio, trela para o Milu, que anda sempre solto, e cartola, vai dizendo para si próprio “ com estes vendedores é preciso um grande cuidado senão acabamos por adquirir montes de coisas de que não precisamos”.
Já naquele tempo, os portugueses eram vistos como comerciantes de comprar e vender. Para isso fomos sempre bons e se pudéssemos ganhar muito, melhor. Para a produção nunca fomos grande coisa.
Parece-me pois que teremos todos de nos armar em “Oliveira da Figueira” e fazermo-nos de novo ao mudo vender a avó ou até a alma ao diabo. Os tempos não estão para outra coisa.

sábado, 5 de maio de 2012

CAVALLERIA RUSTICANA


(Estreia em Roma, no teatro “Constanzi” em Maio de 1890)


Hoje vou falar um pouco sobre uma das muitas óperas de Pietro Mascagni, mas a única que teve êxito e é mais conhecida, no entanto, há outra que também continua no repertório actual mas não tão ouvida (L’Amico Fritz).
Mascagni foi um compositor que viveu na 2ª metade do século XIX até à 2ª metade do século XX (1863/1945). Foi considerado um percursor do chamado “verismo”, óperas que seguiram obras literárias consideradas realistas. Este compositor foi um admirador incondicional do “Duce”, Benito Mussolini, em honra do qual compôs uma ópera chamada “Nerone”. Era um fascista, no entanto, ninguém lhe tira os méritos como músico.
A “Cavalleria Rusticana” é uma ópera de apenas um acto em duas partes, separadas apenas por um “Intermezzo”, mas apresentada normalmente sem interrupção pois dura apenas 1 hora e um quarto. Esta ópera teve um enorme êxito ao qual o autor foi alheio, pois foi a sua mulher que a inscreveu numa espécie de concurso sem que o marido soubesse.
Há também um facto que aqui quero referir porque normalmente, aqui em Portugal, muita gente intitula esta ópera de Cavalaria Rusticana, ora esta obra não tem nada a ver com cavalos ou cavaleiros. Lembro que em italiano, “cavallero” tem os dois significados, cavaleiro e cavalheiro, mas em português temos palavras diferentes apesar de uma derivar da outra. Cavalheiro derivou do cavaleiro, aquele que pugnava pelos ideais da cavalaria, ou seja, abnegado, corajoso, educado e atencioso para com as damas. Assim, a ópera em português deve dizer-se “Cavalheria Rusticana”, de cavalheirismo rústico.
A cena passa-se numa aldeia siciliana e trata de amor, traição, ódio e honra, ingredientes bastantes para uma verdadeira tragédia. Um rapaz (Turridu) ao voltar do serviço militar, descobre que a sua noiva (Lola) casou com outro. Uma outra rapariga (Santuzza) é por ele seduzida e engravida. A antiga noiva continua enamorada e tenta reconquistar Turridu. Santuzza levada pelos ciúmes informa o marido de Lola (Alfio), da traição de sua mulher. O Duelo é inevitável e a tragédia consuma-se…

O “Intermezzo”, já referido, é dos adágios mais belos que ouço com bastante regularidade. Se tiverem oportunidade de ver esta ópera, por decerto vão dar o tempo como bem empregue. Como prémio de consolação, podem escutar aqui o belo “Intermezzo”, nestas duas interpretações:



sexta-feira, 4 de maio de 2012

THAIS

Para mim, a música, é das artes a mais sublime. Nada me emociona mais do que uma bela melodia. Aliás, estou a ficar demasiado sensível, deve ser da velhice. Gosto imenso de música clássica e dentro desta aprecio bastante a ópera. Há pouco, fazendo um “zaping” pela internet dei com uma das mais belas melodias que já me foi dado ouvir e, o seu autor, até nem é dos que mais aprecio. Jules Massenet tem duas óperas muito conhecidas, Manon e Werther são das mais encenadas em todo o mundo, mas há uma, raramente encenada, que num “intermezzo” durante o 2º acto, tem uma melodia que não consigo escutar sem que uma lágrima teimosa me chegue aos olhos. Chama-se Meditação e faz parte da ópera “Thais”. É tão sublime, tão bela, tão arrebatante que nos faz abstrair completamente do mundo que nos rodeia e nos transporta para um encantamento completo, quase impossível.
A ópera em si não é nada de especial. São três actos musicados que contam a história de um monge cenobita que, no Egipto, tenta converter ao cristianismo uma cortesã (Thais) que adora vários deuses, entre eles um de quem é mais devota (Eros) e do qual guarda uma imagem. Thais resiste imenso até que se deixa convencer e acaba sendo conduzida pelo prosélito, a um convento onde ele a deixa convencido de que não mais a verá. Só que o nosso devoto monge não esperava enamorar-se, mas é isso que lhe acontece e sabe que sofrerá o resto da sua vida.
Escutem esta interpretação de “Meditation” e reparem em quem conduz a orquestra.

http://www.youtube.com/watch?v=Ss1URTJYlfQ

quinta-feira, 3 de maio de 2012

CAÇADAS, MASSADAS E ARROZADAS

Nota: Mais um poema de pé quebrado e má métrica, que fiz em louvor das almoçaradas que eu e os amigos costumamos fazer quando das nossas caçadas. O Adérito era o cozinheiro.

  

Se os Deuses, no Olimpo, tragam deste pitéu,
De certo clamam ufanos,“ É obra do Adérito”
Pois a saborosa obra-prima tem o mérito
De levar seus amigos caçadores ao céu.
Na Terra, depois da caça, e já estafados
Regressam ansiosos os companheiros
Barulhentos, ruidosos, galhofeiros
Sedentos, cansados e esfaimados.
Perante tal odor, tal colorido, tal aparato
Caem na mesa avançando com fervor,
Atacando com firmeza o prato sem temor,
E rendem ao “divinal” obreiro timorato,
Homenagem sincera, sentida e sem favor,
Ao soberbo amigo e Mestre cozinheiro,
Dando louvor sincero ao caro parceiro,
Que realiza e apresenta este primor.

Mudando o verso vou cantar o efeito louco
Que o repasto provoca nos inchados buchos
Dos comensais que não “traçaram” pouco,
E após a euforia se tornam murchos.
Escorreu o vinho, os doces e digestivos,
Come-se fruta, bolos e quejandos
Baixa a pestana deitam-se os malandros
Que nos braços de Morfeu se ficam passivos.
Sonham-se caçadas, tiros e almoços
Soltam-se odores e doem os ossos
Das más camas que se vão improvisando.
E após a reparadora sesta dos comensais
Vai-se p’rá caça dos alados bicharocos
Com vapores soltando de gases anormais
Cabeça tonta, olhos vesgos e ouvidos moucos
Dos bons e belos manjares comidos demais
Para delícia de todos que ficaram loucos.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

TRISTE ESPECTÁCULO

Ontem, todos os que ligaram as TVs, assistiram a um dos espectáculos mais degradantes a que me foi dado assistir. Como se podem utilizar assim as carências de um povo triste e espoliado por um governo inepto e inapto para a governação? Ao povo eu perdoo. O povo não tem culpa. A miséria a que está a ser sujeito leva todo o mundo a tentar sobreviver mesmo que para isso tenha que se sujeitar às piores ignomínias. Não perdoo é à ganância dos exploradores destas insuficiências. Ainda por cima daqueles que, traindo a sua pátria, fogem aos impostos levando para outros países o resultado ignóbil da sua exploração com o beneplácito dos nossos (des)governantes. Pobre país este. Quando terminará isto? Quando acordará este povo? Por enquanto a corrida foi aos descontos. Muito brevemente será ao saque. Mas lá chegaremos. Depois lá estarão as forças de segurança para reprimir o povo. Espero que só estas, pois às Forças Armadas não peçam que traia o povo a quem deram a liberdade no 25 de Abril, e se lhes pedirem, que elas se recusem. Espero bem que o façam, pois se não o fizerem, pegarei na farda que guardo para o meu funeral e, queimá-la-ei na escadaria em frente à Assembleia da República.

terça-feira, 1 de maio de 2012

ALVORADA

Publico aqui, uma carta que, há anos, enviei para o DN, quando, uma onda de austeridade estúpida, passou pela cabeça dos nossos governantes de então e, sem mais nem menos, resolveram acabar com o meu colégio, o Instituto dos Pupilos do Exército. Aliás, este texto, serviu depois para complementar vários escritos posteriores. Como estamos também agora a viver tempos de “cortes”, como sempre apenas para espoliar o pobre do cidadão comum, convém relembrar que continuaremos a lutar pela nossa escola.
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Era uma 5.ª – feira do início de Outubro do ano de 1948. Lembro-me da minha Mãe me perguntar se queria ir para casa ou ficar. Poderia ir para casa até à 2.ª – feira seguinte. Decidi ficar. Tudo era novo para mim. Lembro-me de me sentir pequeno nos claustros onde agora me sinto grande demais. Lembro-me do tanque de remo me parecer um lago. A minha Mãe deixou-me com alguma estupefacção pela minha decisão de ficar. Brinquei todo o dia no tanque de remo com um barquito que construí com casca de palmeira. Vendi-o por 2$50 a um que como eu também ficou. Na manhã seguinte tive uma das melhores sensações da minha vida. Acordei ao toque da alvorada. Nunca mais aquele toque me soou como no 1º dia. Que música! Foi algo de fantástico escutar aquelas notas saídas da corneta do Cabo “Batata”.....
Assim começaram sete anos da minha vida passados no colégio que me educou. Onde aprendi tudo o que o que deveria saber para me tornar um cidadão válido ao meu País e, onde conheci Professores que o não eram só, mas Educadores que se preocupavam em ensinar além da matéria curricular.
...-Olha lá Chefe de turma, onde está o 250? Foi à “ menstruação” Meu Capitão! - Menstruação? Deves querer dizer mensuração. Olha lá, sabes o que é menstruação?...
Naquela aula um velho capitão de Infantaria, militar da I Grande Guerra, com catarro provocado pelos gases, explicou a rapazes de 12, 13 anos, o ciclo menstrual da mulher. Claro que naquele tempo o ouvimos com atenção mas com um sorriso malandreco nos lábios, mas também com a ânsia do saber. Nunca me esqueci dos Mestres que se preocuparam em explicar-me tudo aquilo que não entendia. O que os Mestres não me ensinaram aprendi por via dos mais velhos. E se alguns castigos foram demasiado pesados (poucos) para as faltas cometidas, outros foram dados na altura certa... e profícuos.
... O meu Colégio vai fechar? O Meu Pilão vai fechar? Não pode ser!... Não posso deixar!... Então vamos apenas ficar com colégios incaracterísticos onde ninguém aprende nada, os alunos não consideram os Professores e só os gozam e apupam, quando não os agridem? Não pode ser?
Quem poderá tomar tal atitude? O Estado? Não acredito! O Estado deve preocupar-se com o ensino dos seus Cidadãos. O Exército? Também não acredito! O Exército ganha mais com um elemento oriundo do Pilão, do que com muitos de formação geral. Por causa de questões orçamentais? Também não pode ser! O ensino, um bom ensino, é sempre um bom investimento, por caro que seja.
Então é mentira!... Vou ficar descansado.