domingo, 27 de outubro de 2013

O Sexo


Estive a ouvir, na rádio, Júlio Machado Vaz a falar sobre sexo na rubrica “O Amor É…” Antigamente falar de sexo era pecado. Fazer sexo também era, a não ser que fosse entre um casal heterossexual e tinham de estar unidos por matrimónio católico e, mesmo assim, só podia ser com intuitos procriativos. O prazer estava negado aos humanos, ou seja, à mulher, porque os homens podiam tê-lo à vontade. Falar de sexo era tabu e quando o faziam era como se falassem com o demo. Sexo oral (que raio de nome) era pecado mortal (ainda o é nos USA) e quem o praticasse tinha aberto o caminho das profundas dos infernos. Tudo isto conduziu a um obscurantismo total do sexo. A maioria das mulheres partiam para o casamento sem saber o que isso era. Até as mães tinham vergonha de falar disso com as filhas. A maioria dos homens chegava ao casamento e tinha obrigação de fazer sexo com a mulher, quisesse ela ou não. E ai de quem se recusasse. Daí partiram montes de casamentos desgraçados com mulheres sem chegarem a saber o que era um orgasmo. Para a maioria, sexo era obrigação devida ao marido. Eles, por sua vez, procuravam fora, normalmente recorrendo à prostituição, aquilo que não encontravam, nem podiam encontrar, no casamento. E ai da mulher que na cama com o marido se mostrasse demasiado ousada, ia parar de novo a casa da mãe conotada como leviana ou ninfomaníaca. Perder a virgindade antes do casamento era ficar com a marca de prostituta. Pobre daquela que fosse na conversa do namorado e acabasse por não casar. Nunca mais casaria. Mulher usada já não servia para casamento.
Tudo isto devido à educação judaico-cristã, ou melhor, mais à cristã, porque os judeus seguiam a bíblia, e essa nunca mandou casar ninguém, antes pelo contrário, até aconselhava a bigamia e o adultério. “Se a tua mulher não te der filhos deita-te com a tua serva”. Está lá escrito, mas escrito só para os homens. Mulheres continuavam a ser escravas do lar em todos os sentidos e parideiras.
Felizmente hoje, na grande maioria dos casos, tudo mudou. Fala-se de sexo em todo o lado e abertamente. Fala-se na TV, os pais falam com os filhos, os filmes  para maiores de doze anos mostram sexo quase explícito e o sexo pratica-se em liberdade total. Há médicos psiquiatras e psicólogos especialistas em sexologia. Há conselheiros sexólogos para casais com problemas e os queiram resolver. Os costumes mudaram e ainda bem.
As raparigas mandaram a virgindade às couves e agora, aos 16 anos, ou até antes, todas experimentam para saberem com o que contam aquando do casamento ou vivência em comum. Os homens já se estão nas tintas para isso. Se antes se casava com viúvas e divorciadas, porque não agora casarem-se com as não virgens? Valha-nos a liberdade.
Hoje o sexo é livre. Sexo oral todos praticam. Os casais, entre quatro paredes, não têm tabus, e fora delas, às vezes, também. As mães industriam as filhas sobre sexo mas não as coíbem. Basta ensinar-lhes que devem praticá-lo apenas quando gostarem realmente de alguém e que o façam seguramente. É preciso cuidado com as doenças sexualmente transmissíveis. Os crentes chamam-lhes castigos de deus. Eu chamo-lhes apenas erros de deus. Antigamente homossexualidade era perversão, doença, malignidade. Hoje é liberdade. Cada um ama quem quer. As famílias já não consideram proscritos os seus membros homossexuais. Os pais não deixam de amar um filho pelas suas escolhas. Poderá  haver desgosto, mas não há abandono nem proscrição. Quais os melhores tempos? Os de agora ou os de antigamente?
Ninguém tem que ter na testa a marca das suas preferências, nem tem que falar delas ou mostrá-las. Mas se as coisas vierem a lume não têm que o esconder ou envergonhar-se. Sejam normais e vivam a vida como gostam. Já o grande poeta Ary dos Santos dizia: “Os homossexuais são homens e portam-se como tal. As “bichas” é que não. Mas essas não são homens”.

Se querem ser infelizes sigam a bíblia. Se querem ser felizes façam sexo. Muito. Sem tabus. Da forma que gostarem mais. Com quem quiserem. O sexo é o repouso do guerreiro. O Dr. Júlio Machado Vaz sabe do que fala.

domingo, 20 de outubro de 2013

“Vai Falar com o Camões”

Ultimamente ando tão descorçoado com toda a situação do meu País, que me estou a tornar um chato difícil de tragar. Todas as minhas conversas tendem a descambar para o que o governo nos anda a fazer, sonegando-nos grande parte dos nossos já parcos proventos. Dizem alguns: “ Olha que há quem esteja muito pior do que tu, pois ganhando menos também lhes tiram e não é pouco”. Pois. Sei disso e tenho pena de todos, mas costuma-se dizer; “quanto maior é a barca maior é a tormenta”. E é bem verdade. Quem ganha mais, quando lhe tiram algo, tem os mesmos problemas dos que ganham pouco. Andar de cavalo para burro custa muito. Num destes dias, a discussão era tanta que o meu interlocutor me gritou: “É pá, vai falar com o Camões!”. Claro que não lhe levei a mal, o tipo também tinha problemas e em duplicado, pois a mulher também era reformada do estado. Fiquei a matutar naquilo. Falar com o Camões pareceu-me boa ideia. A época dele foi muito má, além das dificuldades de sobrevivência, a saúde não era boa e a independência nacional estava em perigo. Como gosto de andar pela cidade, desloquei-me até à baixa e dei comigo a caminhar até ao largo com o nome do nosso grande poeta e chegado lá encostei-me ali ao gradeamento a olhar para o grande épico criador daquela obra imortal que ainda hoje é um dos meus livros de culto e que, em destaque na estante lá de casa, consulto amiúde, lendo e relendo imensas estrofes.
Estive ali imenso tempo observando os passantes, quase todos cultivadores da noite, muitos de passagem para o Bairro Alto. Toda aquela malta me parecia de uma futilidade imensa, armados em finos mas com uma linguagem de fazer inveja a um carroceiro do antigamente. E isto, tanto eles como elas, com a agravante de as raparigas, além de futilidade e incultura total, trajarem como algumas prostitutas não gostariam de trajar e portavam-se como se quisessem levar para a cama todos aqueles com quem se cruzavam e trocavam algumas estúpidas frases.
Quando três desses, do tipo degenerescente masculino, passaram por mim com atitudes parvas e imbecis, olhei para o poeta e disse para mim próprio como se com ele falasse: “Triste sorte a tua teres sido colocado num local que se tornou ponto de encontro e passagem de tais aberrantes personagens”. Disse isto com um sorriso meio irónico nos lábios, mas fiquei sério de repente pois até me pareceu que o vate, além de sorrir também, deu uma piscadela de olho, perdão de pala, pois foi no olho direito que me pareceu algum movimento. Dei comigo a dizer-lhe: “Concordas? Então diz de tua justiça. Que achas destes tipos? Desta geração perdida?
Não sei bem o que se passou. Foi como se o tempo parasse e as pessoas desaparecessem. Do cimo da estátua, uma voz serena e límpida exclamou:

“Os parvalhões imbecis embasbacados
Que muito vazia têm a tramontana
Cujos neurónios, há muito ultrapassados
Nem conseguem furar a vã membrana
cerebral, e em gestos e dizeres disparatados
Mostram toda a torpeza humana
Entre gente decente só mostraram
A  trampa em que este País tornaram. “

Boa! Além de comunicar comigo, falava em estrofes de oitavas como se estivesse a recordar o seu primeiro canto dos Lusíadas. Tentei entrar em diálogo perguntando-lhe: “ Amigo Luís Vaz, e o que me dizes das mulheres, estas parvas que por aqui andam, devem ser muito diferentes das mulheres que conheceste, não?”
E a voz, lá do alto, falou:

“E também com vestes vaporosas
Aquelas que por aqui vão passando,
Mostram quão elas  são viciosas
Por homens e sexo procurando.
E aquelas que em curvas sinuosas
Se vão de bolsa alheia aproveitando.
Agora estátua, não espalharei a arte
E a poesia terei de pôr de parte.”

Coitado do poeta. Desiludido e transformado em rígido pedregulho, até nem quer continuar a sua arte. Já agora, que Camões se decidiu a falar comigo, vamos a ver o que ele pensa da situação que me traz preocupado, o País e este estado de coisas. Nem precisei de formular a pergunta, como se me tivesse ouvido, disse:

“Cessem, grandes nabos  do Troikano
As estragações enormes que fizeram;
Cale-se o Passos e mais o Plano
Dos orçamentos torpes que pariram;
Que eu canto o peido triste Lusitano,
Que estão dando os que obedeceram.
Cesse tudo, porque a merda é tanta
Que já nem o pau se lhes alevanta.”

Dei comigo a rir que nem um perdido. Afinal o grande poeta tinha um imenso sentido de humor e estava a par da situação política do País. Também ele via a inépcia dos dirigentes que democraticamente tomaram conta do poder para se governarem a si e aos seus apaniguados e não governarem os que, trabalhando, conseguem o pão que eles comem. E o resultado da sua falta de visão, em todas as áreas, foi a manutenção de um povo deseducado, amorfo, a roçar a imbecilidade. As mulheres de hoje, falando das jovens, cultivam-se com novelas e revistas de fofocas, copiando as artistas que vêem, convencidas que a mostrar e dar o corpo é que conseguem ser alguém na vida. Tanto oferecem que vão tirando a vontade aos destinatários da oferta. Foi então que Camões continuou:

E vós, mulheres minhas, pois cuidado
Não tragam em vós desejo ardente,
De sexo sem amor não desejado.
Ficará em vós lembrança tristemente,
Do que ser podia e foi estragado.
Tragam sim amor na vossa mente,
Que se consuma em chama perene
Vos encha o coração e a mente ordene.

“Tens razão meu infeliz cantador da raça Lusa. O povo que cantaste já perdeu a gana da conquista e da vitória”.
 Arranjaram-nos uma forma de nos espartilhar. A democracia deveria servir para podermos alterar a forma de sermos governados, mas afinal é apenas uma forma da continuidade. A partidocracia tomou conta disto e arranjou maneiras legais de se perpetuar no poder. Partidos que se digladiam agora, fazem amanhã o que o antecedente fez, dando o dito por não dito com desfaçatez inaudita. Pudesse eu voltar atrás, no tempo em que a tropa era povo, ainda me metia noutra revolução. Mas o poder já não seria entregue a estes energúmenos. Só seria entregue quando a democracia fosse mesmo arma do povo e este pudesse eleger mas também demitir. Partidos no governo nunca mais. Teríamos de eleger um representante responsável perante o povo, que formasse governo tecnocrático, isento e não corrupto. Deixaríamos a AR para os partidos poderem votar leis, que só seriam aprovadas depois de passarem por todos os crivos que o povo exigisse colocando numa nova constituição os mecanismos necessários. Tivesse eu forças…
Preparava-me para deixar o recinto, quando…

Se uma fúria grande e poderosa
Me vem à mente, eu peço ajuda
Salto do pedestal  com gana belicosa,
Ou vai ou racha q’ isto não é  barbuda;
Troco por G3 a pena e a rosa
Imploro a Marte que me dê ajuda;
Parto esta merda de verso a reverso,
Nem que tenha de acabar o Universo.


Afinal parece que arranjei um companheiro. Pena estar morto.