domingo, 24 de novembro de 2013

O Natal de um ateu


Se tivesse netos contava-lhes a história do Natal. Parece incongruente? Talvez seja. Claro que lhes contava a história, como aquilo que é, apenas mais uma história como a da Branca de Neve ou A Bela Adormecida. Se lhes contamos histórias de fadas e duendes porque não contar aquela também? É uma história bonita para crianças e serve para aceitação da festa tradicional portuguesa da ceia e das prendas. Claro que omitia a divinização da criança bem como as partes sórdidas da matança das criancinhas ordenada pelo Herodes. Episódios desses não se contam a ninguém quanto mais a crianças. Coitado do Herodes que tinha muito mais com que se preocupar do que ficar bravo por lhe irem dizer que tinha nascido o rei dos judeus. As doenças de que sofria já seriam suficientes para o manterem preocupado e um rei nascido no momento só lhe poderia fazer mossa muitos anos depois e já estaria finado. Também ninguém acredita que naquela terreola, à época, houvesse 300 recém-nascidos. Aliás, Herodes nem teria vivido nesse tempo pois o frade Dionysius, o exíguo (parece que era muito pequeno, mas versado em matemática e astronomia), enganou-se em quatro anos ou mais na data do nascimento de Jesus. Como sabem, só em 1582 (15 de Outubro), penso eu, o papa Gregório 13º adoptou este calendário, em substituição do calendário de César (chamado calendário Juliano). Aquele senhor frade calculou, e parece que mal, a data do nascimento de Cristo (527). Se recuarmos no tempo, o ano um do nascimento iria dar a um ano do calendário juliano em que Herodes já tinha morrido há 4 anos. Reparem que falo no ano um e não no ano zero. Nada começa por zero e as décadas começam em 1 e acabam ao fim de dez, os séculos ao fim de cem e os milénios ao fim de mil. Por isso é que só mudámos de milénio em um de Janeiro de 2001 e não em 2000.
Bem, acabei por me afastar daquilo que pretendia dizer. Apesar de o meu Pai ter sido um agnóstico, nunca se opôs a que me educassem na religião católica. A mim impingiram a divinização de Jesus e que todos os 25 Dezembro o menino descia as nossas chaminés e deixava as nossas prendas. Com a verdade apanhei um dos primeiros desgostos da vida. Não faria isso aos meus netos. Mas, o Natal é uma festa bonita e familiar, antigamente mais santificada, hoje mais comercializada e menos tradicional. Até substituímos o menino Jesus por aquele velho ridículo das barbas brancas, tradição dos países nórdicos adoptada pelos protestantes, luteranos e quejandos que nada têm a ver connosco. Apenas uma pequena percentagem da nossa população, principalmente a não urbana, assiste à missa do Galo após a ceia. Os restantes limitam-se a reunirem-se à mesa, comendo e bebendo após que, nem aguardam pela meia-noite, abrem as prendas, que já há muito esperam junto da árvore de Natal, outra tradição não nossa, e que entretanto já despertaram a curiosidade das criancinhas que só não as abriram antes com receio da reacção paterna. Mas continuo a dizer que a história do presépio é bonita e serve para justificar a festa. É uma mentira que vale a pena… Como não tenho netos, normalmente passo o tradicional jantar de 24 à noite, em casa de uma familiar da minha mulher onde há montes de criancinhas e é uma alegria vê-los a abrir e distribuir prendas uns pelos outros. Eu, aproveito para beber uns copos e exagerar nos doces, já que nos outros dias a minha mulher me “xinga” sempre que tento dar uma dentadinha no “pecado” adocicado, não vá a glicemia aumentar.
Venha pois mais um Natal para gáudio de criancinhas, acreditadores e gulosos.