segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Orfeu

 Orfeu

Não acredito em coincidências, mas algumas há que me encantam. Estava na Wikipédia a ler sobre Orfeu. Gosto imenso de mitologia grega e pena tenho de não a ter estudado em profundidade. Estava, pois, embrenhado na ida do dito aos infernos para resgatar a sua Eurídice, quando na TV a meu lado oiço uma música excelente e espantado fico quando vejo: “Descida de Orfeu aos infernos de Offenbach”. Não é extraordinário? Não fosse eu um impecável ateu e diria que aqui andaria o divino a mostrar-me os horrores infernais. Foi como se a lira de Orfeu me tivesse encantado. O trecho de Offenbach é curto, mas interessantíssimo, aliás de Offenbach além dos seus “Contos de Hoffmann”, conheço pouco. Fiquei agora mais culto. A propósito da Wikipédia, tenho reparado que, se soubermos aproveitar o que de bom tem, poderíamos tirar qualquer curso. Sorte têm os estudantes de hoje por terem à mão fontes tão interessantes de saber. Orfeu, talvez levado por Caronte, o barqueiro de Hades, não se safou. Trouxe realmente Eurídice, mas o malvado do demo obrigou-o a caminhar sempre à frente dela e só poder olhá-la quando chegasse ao mundo exterior. A paixão cegou-o e não conseguiu. Olhou-a antes e perdeu-a para sempre. Pobre Orfeu e, nem a sua lira, cuja melodia se sobrepunha às vozes das ninfas encantadoras, permitindo a passagem dos argonautas de Jasão, foi capaz de fazer regressar das profundezas a sua querida Eurídice. Triste. Lembrei-me agora do excelente livro de Orlando da Costa, pai do nosso primeiro, “Podem chamar-me Eurídice”. A personagem feminina, tal como a adorada de Orfeu, não podia voltar ao mundo exterior. Aproveitem e leiam-no.

sábado, 6 de novembro de 2021

O Último Duelo

 

Ontem foi sexta-feira, o dia em que normalmente vou ao cinema. Olhando para o cartaz resolvi ir ver O Último Duelo do Ridley Scott. Não ia muito entusiasmado, mas acabei por ver um belíssimo filme. Uma história de traição e vingança passada na França do século IV em plena guerra dos cem anos. Scott apresenta um filme tecnicamente muito bem feito, com cenários impecáveis que nos transportam para a vida nos castelos em plena Idade Média, com o seus cavaleiros e damas excelentemente bem ataviados nas suas armaduras e vestidos sumptuosos, mas ao mesmo tempo num ambiente demasiado sórdido e de pouca limpeza que nos dá a ideia que debaixo daqueles adereços muita sujidade e maus cheiros devem abundar. A história é baseada num livro de Eric Jager que por sua vez relata factos reais.

Matt Damon é Jean de Carrouges, um cavaleiro nobre que casa por interesse com Marguerite (Jodie Comer), mulher muito bela por quem acaba por se apaixonar sendo correspondido e ficando a viver no castelo da família juntamente com sua mãe, figura um pouco sinistra de sogra que se sente segunda figura com a entrada de Marguerite. Este cavaleiro combate o lado de Jacques Le Gris (Adam Driver) um escudeiro culto e de rara inteligência, de bela figura muito falado entre as damas da corte, mas cuja fama de mulherengo as afasta. A corte é na Normandia nos domínios do Conde Pierre d’Alençon (Bem Affleck) protector de Le Gris e invejoso de Carrouges. Le Gris cobiça Marguerite e acaba por violá-la numa altura em que Carrouges está fora e a sogra a deixa só no Castelo deslocando-se com todos os criados e aias. Heroicamente e com coragem Marguerite acusa Le Gris junto do marido exigindo castigo e reparação. Marguerite e o marido ainda não tinham conseguido uma gravidez, que tardava o desejo de terem um varão, engravida precisamente nessa altura. O cavaleiro de Carrouges acredita na sua mulher e para que não lhe fique a sensação última de ter sido possuída por um violador exige que sua esposa se lhe submeta sexualmente apesar dos protestos desta. Quanto a mim uma violação a seguir a outra, mas marido era dono e senhor. Numa época em que a mulher era completamente dependente do marido, quase seu dono, em que a sociedade não lhe dava crédito e a Igreja Católica as condenava logo de início, como pecados vivos, o assunto acaba exposto ao rei adolescente, em Paris, Carlos VI que autoriza o julgamento, que segue sob o jugo da Igreja expondo Margarite a situações absolutamente impensáveis, mas esta suporta heroicamente a situação. Como Le Gris nega que tenha sido violação, Carrouges exige um duelo de morte deixando a Deus o apuramento da verdade. O rei acaba aceitando essa prática que há muito estava posta de parte e os esbirros da ICAR fazem ver a Margarite que, caso o seu marido seja derrotado ela será supliciada e queimada viva. Muito simpáticos, aqueles pequenos.

O interessante do filme é que a história é narrada por cada um dos protagonistas vendo-se em “flash back” as imagens dessa narração.

O Duelo realiza-se com uma violência atroz. Excelentes cenas que colocam o expectador na liça.

Como sei que os meus leitores facebuquianos não vão ao cinema vou contar o final.

Le Gris acaba morto por Carrouges. Este e Margarite saem aclamados pelo povo.

No final ficamos a saber que Carrouges morre numa cruzada dois anos depois e que Margarite vive mais 30 anos com o seu filho, governando excelentemente as suas terras.

Resta-me referir que as cenas de guerra são tremendamente reais e que, para mim fica a ideia que a violação, não muito violenta, não tenha sido totalmente desagradável a Marguerite (enfim pensamentos de um pecador).