sexta-feira, 26 de setembro de 2014

ANA


(capítulo de Pedras Negras de Vermelho)

Como não me acho capaz de escrever um romance, fiz uma tentativa de escrever um policial. Sempre é mais fácil e com um pouco de imaginação, consegue-se engendrar uma historieta sem queimar muito os neurónios. Escrevi pois uma aventurada policial em que o Inspector Anselmo, da Judiciária, investiga um crime englobado numa teia de traficância de diamantes de Angola para Portugal. Aqui deixo um capítulo.

Anselmo estava em casa quando teve uma ideia. Lembrou-se de Ana, a rapariga que lhes falara de Zaída. Pegou num telefone e ligou para o Elefante Negro. Reconheceu a voz do Olegário quando este atendeu. Anselmo procurou disfarçar um pouco a voz e arriscou; – Sou um cliente já antigo da Ana, estou a precisar da companhia dela, posso falar-lhe? Ana veio ao telefone, Anselmo disse chamar-se Simões e que era amigo de um indivíduo que lhe dissera muito bem dela. Estava a precisar de companhia e perguntou-lhe se podia aparecer hoje à noite para jantar. Depois de uma pequena espera Ana disse que sim, que estava livre e tinha muito gosto. Anselmo deu-lhe a morada e que aparecesse às oito e fosse pontual. Os tempos deviam estar maus para o negócio. A miúda nem lhe perguntara quem era o amigo e ainda bem. Se o tivesse feito não saberia o que dizer.
Eram precisamente oito da noite quando a campainha tocou. Anselmo atendeu e depois de ouvir a voz da rapariga disse: – Suba.
Anselmo abriu a porta e a moça recuou admirada; – Inspector?
– Sim. Entre.
– Mas eu vim pensando ser um cliente. Disseram-me ser um senhor Simões.
– Sim, foi o nome que dei. Mas não se preocupe porque o seu tempo será pago. Como queria conversar consigo a sós sem que outros soubessem, achei por bem traze-la aqui. Estamos mais à-vontade e a Ana vai estar mais descontraída. Vamos ter uma conversa informal. Ponha-se tranquila que aqui nada de mal lhe acontece. Tire o seu casaco e sente-se aí no maple. Que quer tomar?
– Que bom, assim posso tomar um whisky a sério. Lá no Elefante servem-nos chá. Estamos proibidas de beber da garrafa dos clientes.
– Deixe-se estar que eu preparo as bebidas.
Junto ao armário onde estava o bar, Anselmo enquanto servia as bebidas olhava de soslaio para a moça. Era um belo exemplar de mulher. Bem-feita, elegante, alta mas não muito, bem vestida e calçada, fazia um belo par para acompanhar qualquer homem e em qualquer ambiente. Tinha uma voz doce e um bonito sorriso, apesar de uma certa melancolia quando não sorria.
Anselmo entregou-lhe as bebidas e levantou o seu copo para uma saúde. A moça sorriu e agradeceu.
– Não temos que forçosamente começar a falar no caso que me preocupa. Temos muito tempo. Marquei o nosso jantar num restaurante perto para as nove e meia, portanto, falemos de nós. Eu sou separado. Estamos a tratar da separação oficial. Vivo aqui sozinho, tenho uma empregada umas horas, três dias por semana. Como por fora e quase só uso esta casa para dormir. Agora diga-me. Quando pensa deixar esta vida e tomar juízo? Desculpe a pergunta mas acho que a Ana merece melhor.
– Isso é bom de dizer, mas mais difícil de fazer do que simplesmente falar do assunto. Estudo de dia. Estou na faculdade a fazer psicologia. Gostava de me licenciar e empregar-me no “metier”. Já não tenho pai e a minha mãe é muito pobre. Vive com o dinheiro que lhe mando. Infelizmente só a visito umas duas ou três vezes por ano. Vive perto de Vila Real de Trás-os-Montes. É muito longe para poder ir lá mais vezes. Pagar casa, roupa, alimentação, estudos, mais o que mando para a mãe, custa muita massa. Tenho de me virar.
– Claro. Estou a ver. Pode ser que apareça alguém que se apaixone por si, não deve ser difícil.
– Já muitos manifestaram paixões, mas não passam de ataques de machismo encapotado. Príncipes encantados já não há.
– A Ana tem razão, mas assim que puder largue tudo isso. Quando achar que tem um pecúlio que se veja, vá para ao pé da sua mãe e procure fazer vida por lá. Vila Real é uma cidade linda. Veja se consegue colocação no ensino.
– Pois. – Disse a rapariga com ar nostálgico. – Primeiro tenho de licenciar-me e ainda falta um bocado.
– Faça por isso. Agora vamos sair. Vai saber-nos bem andar um bocado a pé e vamos fazendo horas para o jantar.
Já na rua, Anselmo deu-lhe o braço, o que agradou sobremaneira à moça. Sentiu-se protegida e aconchegada. Pensou que bom seria ter assim um companheiro, educado, agradável e protector.
Ao entrarem no restaurante um empregado dirigiu-se-lhes.
– Senhor Inspector, a sua mesinha está pronta.
Durante todo o jantar falaram de trivialidades. Comeram, conversaram e riram como se já fossem conhecidos de há muito.
Regressaram a casa pelo mesmo caminho. Já na sala a moça começou; – Inspector.
– Trate-me por Anselmo. Eu já lhe chamo só Ana. Deixemo-nos de formalismos.
– Esta bem. Eu só lhe queria agradecer os bons momentos que estou a passar aqui, o Anselmo é um cavalheiro e eu estou a adorar cada bocadinho.
– Obrigado. Só que agora temos de falar de coisas sérias, pode ser?
– Claro Anselmo. Ajudarei em tudo o que puder.
– Diga-me então. Quem acha que manda no Elefante Negro? Que pensa do Olegário e do gerente? Já alguma vez viu o António Melo?
– Vou tentar responder por ordem. Quem manda ali é o gerente, o senhor Fonseca. É ele que põe e dispõe e dá as ordens.
– É a primeira vez que lhe oiço o nome. – Disse Anselmo.
– Também o soube da única vez que vi o senhor Melo. Foi pelo nome que ele o tratou. Estou convencida que quem puxa os cordelinhos é o tal Melo.
– E o Olegário?
– Esse é um traste nojento. Completamente bicha, anda sempre a roçar-se pelos clientes para ver se arranja engate.
– E arranja?
– Penso que sim. Pelo menos com um ou dois parece que resultou. Muitas vezes aparece de olhos negros. Os tipos que engata tratam-no mal e muitas vezes roubam-no. É um desgraçado mas tem mau fundo. Está sempre mal-humorado e trata-nos mal. Além de maricas é completamente misógino. Poderia ser apenas homossexual, ninguém lhe levaria isso a mal, mas assim…
– Tem noção que possa haver por ali negócios além do normal funcionamento da casa. Já viu ou ouviu algo de suspeito?
– Da parte do Fonseca acho que não. Só o oiço falar dos assuntos da casa. Mesmo ao telefone com o Melo, no pouco que tenho ouvido, só mesmo sobre trabalho. Já do Olegário não digo o mesmo, está sempre ao telemóvel a falar em voz baixa e quando nos aproximamos, volta-se e finge falar de trivialidades, mas nota-se que há algo de estranho.
– Há droga lá no bar?
– Tráfico não há. Consumo já houve, mas o Fonseca correu com duas ou três que consumiam e agora anda tudo bem.
– Alguma vez notou que se negociasse algo lá dentro. Tipo joias, pedras ou qualquer outra coisa que dê dinheiro grosso?
– Nunca dei por isso. Os clientes normalmente querem é beber e fingir que nos namoram. A maioria não tem dinheiro para pagar os nossos preços.
– E o Miguel? Conhecia-o bem?
– O Miguel era especial. Alegre, bem-disposto, malandreco, mulherengo. Ia com todas e tratava-nos por princesas. Tinha uma característica muito peculiar, tenho até alguma vergonha de falar nisso…
– Já sei. Vi-o nu na mesa de autópsias. Era realmente bem dotado.
A moça riu-se. – Era isso! – Disse Ana, rindo com uma mão na frente da boca. – Todas nós falávamos e ríamos do mesmo. Chamávamos-lhe o três-pernas. Ao pé dele ninguém estava sério. E na cama era um brincalhão. Com ele tudo era riso.
– Ele nunca mostrou atracção especial por alguma em particular?
– Nunca. Era igual para todas. Mas penso que existia alguém. Em Angola!
– Como sabe?
– Porque ela telefonava e ele fazia sinal com o dedo nos lábios a pedir silêncio. Pela forma como falava notava-se que havia algo diferente. A moça chamava-se Sara. Era o nome que ele lhe chamava ao atender. Nós brincávamos perguntando se era a tal mas ele dizia que nada tínhamos com isso e não dava mais aso a conversas. Muitas vezes perguntava se a sua terra continuava linda. E que o fosse esperar ao aeroporto quando chegasse. Foi aí que soubemos que ela era de lá.
Anselmo passou para o mesmo maple sentando-se ao lado da rapariga. – E a Ana, alguma vez se apaixonou por algum cliente?
– Nunca. Para mim isto é um emprego. Tive um namorado lá na terra de quem gostei muito. A coisa não deu. Foi mais por ele que me vim embora.
– E nunca ninguém lhe fez propostas para levá-la dali e viver em exclusividade?
– Isso sim. Já vários. Mas finjo que não dou por isso e troco-lhes as voltas.
– Tem algo mais que queira dizer-me?
– Não
– Quer ir embora? – Anselmo ao perguntar isto chegou-se um pouco mais e passou-lhe a mão pelo cabelo. Estranhamente a moça corou e deixou pender a cabeça no seu ombro e disse muito baixinho; – Não.
Anselmo levantou-lhe o queixo e beijou-a docemente na boca. Depois o beijo entrou em crescendo e virou arrebatamento. Cingiram-se quase com violência e escorregaram para o chão rebolando pela alcatifa.
No dia seguinte, Anselmo deixou-a no apartamento onde vivia.
Nota: Tenho o livro em pdf que posso enviar a quem estiver interessado.