sábado, 8 de julho de 2017

O Material de Guerra, as arrecadações e os quarteleiros


Lembro que, nos quartéis era dada muita atenção às arrecadações do material de guerra. Era aos quarteleiros que cabia a primeira responsabilidade do material que tinham à sua guarda. Uma arrecadação de material de guerra não se conferia todos os meses, nem todas as semanas, e muito menos todos os dias. Quando um quarteleiro era substituído a conferência era obrigatória e minuciosa e ai do entregador que alguma coisa faltasse. Um simples protector de boca de uma espingarda, em falta, dava origem a um auto de extravio e, se não houvesse justificação, o “desgraçado”, além de o pagar, levava uma porrada.
Tudo isso era no tempo do Serviço militar obrigatório (SMO). Nesse tempo, nós militares, apanhávamos os recrutas “tenrinhos” acabados de chegar das aldeias, completamente toscos, e moldávamo-los de tal modo, que quando saiam pareciam outros completamente diferentes. Salvo raras excepções esses rapazes eram dóceis e obedientes, respeitando os seus superiores.
Hoje nada se passa assim. Os militares agora são “mercenários” que vão para a tropa para colmatarem a falta de emprego que por aí grassa. São normalmente tipos já bem vividos principalmente oriundos de cidades. O seu grau de escolaridade é hoje mais elevado e o de malandrice também. O relacionamento com os superiores já é mais difícil e o tratamento destes para com eles tem de ser mais cuidadoso. Antigamente nada saía de uma arrecadação sem a presença do quarteleiro e tudo isso era registado e assinado. Normalmente o quarteleiro até dormia na arrecadação e, se por acaso saía, a porta era fechada a sete chaves. Hoje distribui-se a segurança de paióis a 5 unidades. Como pode? Quem é o responsável? Cinco unidades, pressupõe cinco quarteleiros por depósito ou paiol. Como é? Sempre que mudam conferem a carga? Já pensaram o que é contar o material de um paiol? Mesmo que se contem as caixas contar-se-á o que está lá dentro? E qual o comandante responsável? A tropa funciona em pirâmide. Tem de haver um vértice único. Lembro que em Nambuangongo havia uns bicharocos a que chamavam “verrumas”, que faziam uns buraquinhos no fundo dos barris e muitas vezes os ditos estavam a meio. Como estavam em cima uns dos outros só se contavam, mas o líquido no interior já tinha “voado”. Claro que muito voou por conta das “verrumas” humanas.
O material em falta nos paióis de Tancos não foi roubado por nenhum “gang” exterior. Cabe na cabeça de alguém duas ou três viaturas junto de uma rede esburacada e uma bicha de “pirilau” com 10 ou doze homens a transportarem cunhetes de munições e bazucas, por uma distância de 500 metros, passar tudo pelo buraquinho, e carregar as viaturas? Só acreditaria nisso se tivesse havido uma conferência na véspera e outro no dia seguinte de manhã, coisa impossível.

Este roubo vem sendo executado há muito tempo, talvez anos, e a quadrilha está ou esteve lá dentro. O material saía em carros particulares placidamente pela porta de armas. O “negócio” era feito cá dentro do país e aos poucos. Agora só procurando na feira da ladra, ou então alguém que “cante”.