quinta-feira, 14 de maio de 2015

HARUKI MURAKAMI (O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo)


Este livro de Murakami é intrigante, não fácil, alegre, divertido, perturbante e fascinante. Duas histórias contadas alternadamente capítulo a capítulo que, parecendo diferentes se completam por serem uma só. Murakami consegue contar-nos uma história futurista sem ser propriamente de ficção científica. Neste formidável romance está lá tudo. Um país, Japão, e uma cidade, Tóquio, onde todos parecem viver bem, sem grandes problemas mas que acabam por serem governados por um poder dentro do poder, o “Sistema”, que utiliza os seus programadores, informáticos cujo computador é o próprio cérebro capaz de codificar dados e proceder a lavagens cerebrais passando-os de um hemisfério para o outro. Com uma técnica chamada “shuffling” conseguem encriptar os dados de tal maneira que só eles serão capazes de os descodificar. Como contra-poder existem os “Semióticos” dentro de uma organização chamada Fábrica que, não olhando a meios, tenta apoderar-se de toda essa tecnologia. Estes Semióticos, tal como o nome indica (a semiótica é a ciência da interpretação de sinais) possuem nas suas fileiras indivíduos altamente treinados e eficientes. Como seres maléficos há os Invisíveis, cuja existência é subterrânea e que a todo o custo tudo querem destruir. No meio de tudo isto, um idoso cientista, biólogo, monta um laboratório subterrâneo onde estuda crânios e palatos de animais com vista a tentar perceber e codificar o som dos ossos, para que, prescindindo do som, possa através deles recolher toda a informação dos cérebros.
Este velho cientista contrata um rapaz programador para que através da lavagem cerebral e do “shuffling” possa guardar todo o seu estudo com o fim de o resguardar dos Semióticos e dos Invisíveis.
Toda a acção é narrada por este programador, que acompanhado pela jovem neta do velho cientista, depois da entrevista com este, volta ao mundo da superfície a fim de realizar o seu trabalho.
Paralelamente outro jovem narrador vivendo no “Fim do Mundo” é contratado como leitor de sonhos que se encontram encerrados em crânios de unicórnios depositados e devidamente catalogados numa biblioteca. Este “Fim do Mundo” é uma cidade rodeada de uma muralha totalmente intransponível que só os pássaros ultrapassam, onde as pessoas são separadas das suas sombras que ficam detentoras dos corações. As sombras ao morrerem deixam os seus pares totalmente incapazes de recuperarem o coração. Os leitores de sonhos absorvem e acumulam-nos mas não os decifram nem compreendem. A cidade possui um guardião das sombras que alimenta os animais, unicórnios, e os queima quando morrem guardando os crânios. Nesta cidade a vida é normal, sem carências mas também sem emoções nem sentimentos. A rapariga da biblioteca dos crânios acaba por ser o motivo do narrador, com a sua sombra ainda viva, tentar recuperar o seu coração.
Entretanto em Tóquio, o nosso programador vai vivendo uma vida normal, sofrendo a perseguição dos semióticos, comendo, bebendo, fazendo amor e ouvindo música. Aliás o livro está recheado de alusões à boa comida e à boa música ocidental contemporânea. Referências a Bob Dylan, Bing Crosby, Duran Duran são frequentes. Na música clássica apenas a referência aos concertos Brandburgueses de Bach.

A entrosagem entre as duas histórias começa a vislumbrar-se quando o velho cientista confessa que falhou no sistema que tentou implementar no programador sem ele saber e, que essa falha vai provocar o Fim do Mundo, não o fim do mundo real mas o fim do mundo na sua consciência tornando-se noutra pessoa a viver como numa cidade rodeada por uma grande muralha não se recordando da sua vida passada. Intrigante. Como se diz na contra-capa, este livro é uma alegoria sobre os tempos modernos. Eu diria que para além disso, é também uma alusão ao que as políticas, as novas tecnologias e o avanço da ciência nos poderão conduzir.