terça-feira, 26 de julho de 2016

A Vingança dos Deuses



Como sabem eu sou ateu e, como ateu, tento desmistificar todas as religiões. Mas, aceito-as. Quando digo aceitar é não ostracizar quem as segue e as professa mas, no entanto, não desisto de apresentar os argumentos que penso serem suficientemente evidentes para as colocar no lugar que elas devem ter, isto é, crenças arreigadas pela interferência familiar na infância, depois “enformadas” nos cérebros pelas catequeses ou madraças. A ideia de deus nasce da ignorância. Tudo o que era desconhecido era atribuído a poderes sobrenaturais e aí nasceram miríades de deuses com as diferenças entre eles tal qual as diferenças dos povos que os imaginavam. Deus é um produto da imaginação dos homens. Sem homens não havia deus. Durante os milhares de anos em que não havia homens deus não existia. Aliás, mesmo existindo homens, se estes não tivessem pensamento, deus não existiria também. Os diferentes deuses criados pelo homem sempre se combateram como o homem sempre se combateu. Deus serviu para que algumas elites conseguissem o poder, criando, “mandamentos” que atemorizassem os homens que, tendo consciência da morte, achavam que se deveriam perpetuar para além dela. Essas elites transformaram-se em “igrejas” e estas criaram os seus sacerdotes que até aos nossos dias vão mantendo o poder de “salvar” ou condenar almas aproveitando os medos e superstições. Para atemorizarem os incautos, os deuses foram-se tornando cada vez mais despóticos e cruéis, condenando e eliminando com cataclismos terríveis quem fugisse às suas leis. Quando os homens começaram a “fugir” a esse deus colérico, os sacerdotes tentaram encontrar formas de que os seus deuses mandassem à terra os seus “filhos” que, como deuses enviados, seriam redentores de todos os pecados humanos, pregando uma “salvação” na vida eterna. Assim surgiram ao longo dos tempos, formas antropomórficas de deuses, tais como Hércules, Mitra, Krishna, Jesus, etc… Todos esses deuses “viveram” pouco tempo e todos eles “morreram” de forma violenta. Todos tiveram uma história idêntica, nascendo de “virgens”, no solstício de inverno, pregando o bem, renegando o mal e advogando a pobreza pois assim davam aso a que os seus sacerdotes e, os governantes a quem apoiavam, pudessem usufruir da riqueza que os outros criavam e depois desprezavam. Esses deuses, não passaram de semi-deuses. Parto a cabeça a pensar como é possível aceitar um deus, ser omnisciente, omnipotente e omnipresente, que “faça” um filho numa terrena, para vir em seu nome, tentar fazer o que ele não foi capaz. E depois o que vemos nós? Que fez esse deus homem? Aliás o que faz agora como espírito santo cheio de bondade? O homem continua ignorante, bélico, prepotente e estúpido, mas vai morrer na mesma e por mais que se entregue nas “mãos” de deus não encontrará nada onde se perpetuar. Por mais manifestações antropofágicas nas igrejas, comendo o corpo de deus e bebendo o seu sangue, nunca conseguirá atingir um limbo quanto mais um paraíso. Pó e apenas pó se tornará.
Tudo isto vem a propósito dos recentes atentados que grassam por essa Europa fora. Aproveitam as diferenças religiosas para tentarem justificar estas matanças. Não o façam porque é um erro tremendo. Todos os que praticam estes actos têm apenas motivações políticas ou de vingança pelo que lhes foi infligido pela ganância. É a ganância de poder e bens materiais que leva os povos a guerrearem os outros. Evangelizar? Democratizar? Pois sim! Leiam livros de história, vejam o que foi perpetrado pelos homens desculpando-se com a propagação da fé. Vejam o que os religiosos fizeram, castrando corpos e mentes para conseguirem apaniguados.

Não falem em “guerras” santas. Limitem-se a falar de conquista e de vingança. Os deuses sempre foram muito vingativos.

terça-feira, 12 de julho de 2016

O Castelo



(Gostaria de ser Kafka para poder escrever sobre Kafka)

Já li tanto e afinal tenho lido tão pouco. Fugi sempre de ler Kafka pela fama que o autor tinha de ser demasiado complexo e difícil. Resolvi ler o Castelo e digo-vos que afinal as opiniões estavam certas. O livro é difícil e difícil é escrever algo sobre ele.
Este livro, sendo de uma escrita corrente e descomplicada em termos de cursividade, é duma complexidade tremenda em termos de conteúdo. Um homem, considerado estrangeiro, por ser de fora, chega a uma terra com uma carta de chamada para exercer a profissão de agrimensor.
K, é esse o seu nome apenas, repare-se na inicial, ao chegar, prepara-se para se dirigir ao castelo, origem da carta que tem no bolso. A partir daqui é colocado perante várias dificuldades de atingir o seu objectivo apesar dos esforços que vai despendendo. Prosseguindo na sua vã tentativa de atingir o Castelo (o poder), vai conhecendo vários habitantes da aldeia que, por um lado, o vão admirando pela sua determinação de lutar contra o poder instituído, mas por outro lado, lhe vão criando imensos problemas, criticando-o por vir destabilizar a forma, acomodada, como viviam sob aquele poder, que respeitavam e até defendiam. Trata-se pois, de poder, do povo sob o mesmo, mas que até o defende por dele depender, e da oposição minoritária, que vai lutando contra tudo e contra todos tentando desmontá-lo, mas que só encontra entraves e desconfiança. Mesmo os poucos aliados que vai conseguindo, por um lado admirando-o pela sua coragem, por outro, criticando-o pela ousadia da sua tentativa que os destabiliza, acabam por o abandonar. O estranho da narrativa, é que toda ela se processa numa dialéctica nada adequada aos personagens, gente pobre de baixas profissões, mas rica e inteligente como se de intelectuais se tratasse. O Castelo, muralha intransponível e inacessível, com os seus senhores, que “despacham”, não em gabinetes como seria de esperar, mas numa pousada “Pousada dos Senhores”, em quartos, com os seus criados, secretários e servidores, todos eles, conhecidos pelos nomes, mas tão distantes e descaracterizados que muitos não os reconhecem, não se relacionam com quase ninguém abaixo da sua condição com excepção de algumas raparigas da aldeia com quem vão mantendo algumas relações, completamente dessentimentalizadas.
A forma como as personagens se relacionam e se entrecruzam, cria um sentimento de repulsa ao leitor a todo o ambiente, percebendo-se que a luta de K. é inglória e que ele próprio se vai acomodando com aquilo que o deixam ser e não com aquilo que quer ser. Enfim, a eterna luta contra um fascismo emergente numa Europa inter-guerras. Uma tentativa do homem contemporâneo em luta pela liberdade e contra os impérios. A influência da literatura de Kafka tem-se estendido a vários autores e em várias épocas. Lembro um, japonês, que admiro bastante, Haruki Murakami no seu “Kafka, à Beira-Mar” sobre o qual escrevi há pouco tempo. Bastante notória é também a influência de Kafka no seu romance “O Admirável País das Maravilhas e O Fim do Mundo”.