segunda-feira, 23 de junho de 2014

A BOLA



“A bola é mulher não sabe o que quer”. Que me perdoem as minhas queridas amigas que sabem que não sou nada machista. A frase foi escrita por To Sam, pessoa admirável que tive o prazer de conhecer, numa “charge” ao futebol carregada de humor. To Sam além de decorador, foi pintor, ilustrador, escritor e principalmente um humorista de craveira ímpar. Tudo isto a propósito dos futebóis, tema em que não me sinto nada à vontade por perceber pouco do assunto. Mas realmente a bola é redonda e não sabe mesmo o que quer, pois muitas vezes os que a pontapeiam querem que ela vá para um lado e ela teimosamente vai para outro, sem conta nem medida. Mesmo percebendo pouco do assunto, acho que para se jogar é necessário possuir-se jeito, muita perna e maior pulmão. Os nossos rapazes da selecção têm imenso jeito. Já quanto a perna parece que todos as perderam e quanto a pulmão nem se fala. Quando todos ansiavam por uma vitória, ela esfumou-se e vá lá, evitou-se a derrota. É assim, para uns ganharem outros perdem e às vezes empata-se. Os adversários não são paralíticos e cada vez sabem mais daquilo. Mas não foi para isto que resolvi escrever este texto.
Nós, os portugueses temos todos a mania que somos os melhores do mundo e que havemos levar de vencida tudo e todos, mas não somos. A comunicação social e o zé povinho endeusam tudo e todos e esquecem-se das nossas limitações. O desporto, principalmente o futebol, faz libertar nos indivíduos todas as paixões reprimidas pelas frustrações da vida, levando para os estádios, ansias e desejos incontidos, que depois explodem e levam as massas a comportarem-se quase como selvagens. O povinho, explorado por patrões e governantes gananciosos e corruptos, vive triste e continua inculto pela educação que lhes falta em casa e nas escolas, onde, mais uma vez o poder, cego pela contenção orçamental, déspota nas decisões, não deixa a educação evoluir, limitando os educadores a regras e normas emanadas dos órgãos centrais. Por outro lado, a história que nos foi ensinada fez-nos crer que um povo descobridor e aventureiro como o nosso, poderia levar de vencida todas as tarefas. Esqueceram-se que os homens iam para as caravelas, para poderem comer e tentar trazer de outras bandas aquilo que não conseguiam para sustentar a família. Tivemos realmente meia dúzia de iluminados e estudiosos, que sabiam de antemão aquilo que podiam vir a encontrar e daí tirarem o melhor proveito. E realmente tiraram. Só que, mais uma vez, não foi o povo que beneficiou. A corte enriqueceu e por encosto o clero também com os agradecimentos às divindades pelos conseguimentos. O povão continuou paupérrimo e ainda hoje continua. Depois apareceu um poeta, demasiado lírico, que enalteceu de tal forma os feitos dos portugueses, que todos nós lemos e estudámos, acabando por colocarmos o livro debaixo do braço, mostrando a tudo e todos: — Vejam, os portugueses, nós, somos assim; Destemidos, valentes e determinados. Vencemos tudo e todos.— Santa desilusão, somos iguais aos demais, com as nossas incapacidades e fragilidades.
Olha! Resta-nos dizer aos rapazes quando regressarem a Portugal:-- Deixem lá, a culpa foi do Camões.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Como se faz um santo?


Santo António de Lisboa (ou Pádua?)

António, de nascimento Fernando, não se lhe conheceram pais, mas mais tarde foram-lhe atribuídos como sendo Martins ou Bulhões (Martinho de Bulhões e Maria Teresa Taveiro). Foi um frade, o que faz supor um nascimento pobre, pois eram estes os educados nos conventos. Mas, dada a nobreza dos seus supostos pais, foi-lhe conferida uma suposição de pessoa bem nascida. Muito cedo os seus educadores se aperceberam da extraordinária apetência que o noviço tinha pelo estudo e da grande capacidade de aprendizagem que revelava. Foi primeiro frade Agostinho, mas mais tarde, em Assis, sob a égide de São Francisco, mudou para Franciscano. Devido à sua grande cultura e excelente exegeta, proferiu excelentes sermões ainda hoje tidos como dos melhores e mais profícuos, tendo sido espalhados por vários países, pois parece que o piedoso taumaturgo viajou imenso nos apenas perto de 40 anos que viveu.
A sua grande fama de taumaturgo vem das inúmeras “lendas” passadas de boca em boca dos seus bastantes milagres. Acho que refez um pé amputado a uma rapariga, fez uma mula ajoelhar perante a hóstia sagrada e até lhe apareceu o Menino Jesus quando orava numa Igreja. Ficou como santo padroeiro dos amputados, dos animais, das grávidas, dos idosos e dos fracos e oprimidos e é normalmente invocado pelas moças solteiras para arranjar casamento e para encontrar objectos perdidos. A sua iconografia, é geralmente apresentada com o menino ao colo devido à tal aparição. Só não sei porque numa das mãos uma vez lhe colocam a cruz outras vezes um ramo de açucenas. Dada tanta profusão de milagres foi canonizado pelo Papa Gregório IX, em 1232, ano seguinte ao da sua morte a 13 de Junho.
Este grande mestre do saber da Igreja, ainda teve tempo para converter hereges Cátaros ou Albigenses e tendo assentado praça como soldado chegou a Coronel do Exército.
Todo este arrazoado, vem a propósito do dia de hoje, 13 de Junho, e das festas de Lisboa, na véspera, em honra deste Santo Homem. E aí eu pergunto: Como se faz um santo?
Homens bons, cultos, solidários, dedicados à humanidade, sempre houve, mas daí a serem considerados santos… bem, parece que têm que ter outros predicados. Mas será que os santos os tinham? Era necessário ser casto, coisa muito difícil, pois a tentação da carne é grande e moças atiradiças nunca faltaram, então o frade Fernando que até pregava partidas às raparigas. Parece que, tal como o João, também partia as bilhas nas fontes e as recompunha perante a consternação das moças que lhe agradeciam encarecidamente, depois arranjava-lhes casamentos. Tinham também de realizar milagres, o que era difícil e muito pouco natural. Não acredito em pés restaurados depois de uma amputação, já fazer ajoelhar uma mula é fácil, nos circos até os elefantes andam de bicicleta. Parece também que o santo gostava de comer e beber e devia gostar imenso de sardinha assada e vinho tinto. Só que morreu cedo e ainda por cima com hidropisia, uma doença de excesso de água no corpo. Devia ter abusado mais do vinho.
Claro que, na idade média, época em que viveu, o povo era ignorante e supersticioso em demasia, ainda hoje é, e a igreja encarregava-se de empolar situações que ajudassem a criar santidades. Criaram tantos que penso haver um santo diferente para cada dia do calendário.
Não sou crente e obviamente também não acredito em santos, mas admiro este homem por aquilo que foi e aquilo que fez numa época obscurantista, em que a igreja guardava para si e para os seus apaniguados, toda a forma de saber e ciência. Este teve a coragem de tentar ensinar aos outros tudo aquilo que aprendeu. Terá sido exactamente assim? Não se sabe, mas pelo que se disse e escreveu até parece. Teve pelo menos o grande mérito de deixar em Lisboa a boa tradição folclórica das festas bem comidas e regadas.

Por aquilo que foi deixo aqui a minha homenagem a Fernando de Bulhões.

domingo, 1 de junho de 2014

Tintim antes, durante e agora


Em 1935, no mês de Agosto, nascia a minha irmã. Eu fiquei para mais tarde, apenas 19 meses depois. No ano em que a minha irmã nasceu, a nossa Tia e Madrinha, irmã de meu Pai, era funcionária da Emissora Nacional onde Adolfo Simões Muller era Director do Gabinete de Estudos e Programas. Este escritor, jornalista e pedagogo foi editor e fundador da revista de banda desenhada “O Papagaio” fundada nesse ano, tendo sido a primeira revista não francófona a publicar as aventuras de Tim-Tim. A minha Tia, amiga de Simões Muller, fez uma assinatura da revista em nome da minha irmã.
Quando nasci, já Tim-Tim, como então se escrevia, andava lá por casa acompanhado do seu cão Terrier “Milou”, que, no Papagaio era, erradamente, apelidado  de “Rom-Rom” que toda a gente pensava ser cadela.
Cedo comecei a devorar aqueles bonecos e Tim-Tim passou a meu herói. Não fui um sobredotado, mas aos seis anos já conseguia ler os “balões” com as falas das personagens e, julgo que foi o interesse nas histórias que me levou a aprender a ler depressa.
Tim-Tim foi uma criação do ilustrador belga Georges Remi (Hergé, pronuncia das suas iniciais do seu nome R e G) no suplemento infantil “Petit Vingtième” do jornal diário belga “Le XXe  Siècle”. Hergé foi o primeiro ilustrador de BD a pôr as falas a saírem directamente da boca das personagens através dos balões “filacteras”. A primeira aventura deste jovem jornalista foi Tintim no País dos Sovietes.
O meu Pai mandava encadernar as revistas de cada ano tendo no término da mesma um total de 13 volumes e alguns números soltos. No Papagaio publicaram-se 9 das aventuras do meu herói:

Tim-Tim na América, inicio no nº 53.
O Charutos do Faraó, nº 115 ao 161.
O Lótus Azul, nº 166 ao 205.
Tim-Tim em Angola (Tintim no Congo), nº 209 ao 244.
Tim-Tim e o Mistério da Orelha Quebrada (A Orelha Quebrada), nº247 ao 298.
Tim-Tim na Ilha Negra (A Ilha Negra), nº 301 ao 359.
Tim-Tim no Deserto (O Caranguejo das Tenazes de Ouro), nº 366 ao 426.
A Estrela Misteriosa, nº 435 ao 540.
O Segredo do Licorne, nº 617 ao 679.

Todas estas histórias foram os desenhos originais. Mais tarde, Hergé reformulou todas, modernizando-as para serem publicadas em álbuns.
Conheci assim, todas as versões do meu Tim-Tim e Rom-Rom que depois passaram a Tintim e Milou.

Todas as semanas, o carteiro tocava à porta e anunciava “Pacagaio”, trocando as letras ao nome, o que nos fazia sempre rir, e fazendo-nos correr para ver quem conseguia ser o primeiro a ler. Foi através das histórias de Tintim que “fiz” as primeiras viagens. Andei por Nova Yorque, Xangai, Port- Said, Singapura, Nova Deli, Katmandu, Tibete, Escócia, Congo e sei lá por onde. Mais tarde, já na minha vida militar, reconheci vários desses pontos através dos traços característicos de Hergé. Lembro-me de estar sentado no porto de Singapura e pensar para comigo “Já estive aqui”.
Após o Papagaio foram publicadas as seguintes aventuras:

O Ceptro de Ottokar
O Tesouro de Rackham o Terrível
As Sete Bolas de Cristal
O Templo do Sol
No País do Ouro Negro
Rumo à Lua
Explorando a Lua
O Caso Girassol
Carvão no Porão
Tintim no Tibete
As Jóias da Castafiori
Voo 714 para Sidney
Tintim e os Pícaros
E, a título póstumo, Tintim e a Alph Atrt

Só muito mais tarde, foi reeditado o álbum de Tintim no País dos Sovietes, que Hergé considerava ter sido uma crítica demasiado feroz ao regime comunista da União Soviética e, portanto, estar ultrapassado.

Mas foram as personagens companheiras de Tintim que mais me fascinaram. O Capitão Haddock, os detectives gémeos Dupond & Dupont, o professor Tournesol, o mordomo Nestor, o rouxinol milanês Bianca Castafiori, os Generais Alcazar e Tapioca, o famigerado Dr. Muller, o português Oliveira da Figueira, o japonês Mitsuhirato, o bondoso Sr. Wang, o adorável Tchang, o Xeque  Bem Kalish Ezab e o traquinas do seu filho Abdalah, o terrível Rastapopoulos, o miserável e milionário Carreidas, o sinistro Coronel Sponz, enfim tantos outros cheios de vida e humanidade que me cativaram e enriqueceram a juventude, continuaram a prender-me a atenção pela vida fora e ainda hoje revejo com interesse e emoção.

Tintim foi publicado em mais revistas portuguesas até aparecer a revista Tintim, da Bertrand, que adquiri desde o exemplar nº1. Mesmo em Angola, recebia-a semanalmente, pois um familiar encarregou-se de ma enviar sem falhar um nº. Dessa revista, o meu filho possui ainda todos os números encadernados em 26 volumes. Possui também todos os álbuns editados pela Casterman na sua versão brasileira.


Foi este herói e os seus companheiros que me ajudaram a moldar o meu carácter. Mais tarde apareceu Asterix de que muito gosto, mas não substituiu o meu querido Tintim, aquele impetuoso e generoso jovem jornalista de cabelo ruivo com poupa, calças à golf castanhas e camisola azul, defensor dos fracos e oprimidos, implacável para com os criminosos, mas sempre de uma humanidade a toda a prova.