terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Zona de Interesse

 

 

Ontem fui ao cinema. Como de costume fui à Net e escolhi o filme que pela sinopse e pela crítica me pareceu o melhor para ver. “Zona de Interesse”, realizado pelo britânico Jonathan Glazer, mostra-nos a vivência do comandante do campo de morte de Auschwitz, numa moradia, paredes contíguas com o campo, onde ele a mulher e os filhos têm uma vida normalíssima como se ali ao lado fosse uma fábrica normal que ele chefiava. Apenas o ruído dos crematórios, o fogo e o fumo, eram visíveis, mas isso não parecia incomodar a família feliz onde os filhos brincavam com o cão, tomavam banho na piscina, saiam e iam para a escola, etc. A mulher tratava das flores, convidava amigas, falavam de trivialidades, etc. A única nota de mal-estar é dada pela mãe da esposa do militar e avó das crianças, que tendo lá ido passar uns tempos, acaba por desaparecer deixando apenas um bilhete que a matriarca lê, mas o espectador fica sem saber o conteúdo ficando-se por imaginá-lo. Apenas algumas reuniões do comandante com os seus oficiais nos dão a entender o que se passa do outro lado dos muros. Tudo isto filmado com de maneira simples, sem grandes interpretações e forma totalmente fria. O problema surge quando o comandante recebe ordem de transferência e a mulher não quer sair do seu lar acolhedor tendo sido autorizada a permanecer no local como se tratasse viver num bairro normal. Uns gritos e uns tiros dão-nos a entender o que se passa do outro lado dos muros.

 O filme termina subitamente quando Rudolph Hoss é autorizado a regressar ao campo e ao telefone com a mulher refere “Agora, tenho que começar a pensar como vou gasear tanta gente”.

Confesso que percebi a ideia, mas não gostei. Podia ter sido realizado de modo a prender mais o espectador. Querendo mostrar a forma como o extermínio dos judeus não afectava a classe militar e as suas famílias acaba como uma sucessão de imagens demasiado frias e sem grandes interpretações. Teve o condão de não mostrar qualquer imagem do interior do campo. Valeu o meio bife com molhanga, batata frita, esparregado e ovo a cavalo que fomos comer ao Café de São Bento com o casal de amigos que nos acompanhou.

 

Folhas caídas


Quem gostar de filmes de movimento e acção não vá ver. Aki Kaurismäki mostra-nos uma Finlândia completamente diferente daquilo que temos lido sobre este país. Filmado com uma simplicidade incrível em ambientes de emprego/desemprego, um homem e uma mulher encontram-se e desencontram-se devido a uma série de circunstâncias naturais, e possíveis. Um número de telefone perdido, um atropelamento inopinado e o nosso casal vai-se perdendo no meio de um ambiente triste e sem qualquer conforto. O abuso do álcool por um e o pequeno roubo num supermercado de artigos fora de prazo, cujo lugar é o lixo e não o aproveitamento, causam despedimentos. A única parte lúdica do filme são os encontros num café de Karaoke que ambos frequentam e onde acabam por se conhecer. Olhares e poucas palavras servem para criar alguma empatia, mas depressa separada por acontecimentos furtuitos. Uma filmografia ligeiramente chapliana, em que a câmara raramente se desloca, em ambientes frios e com poucos diálogos, um homem e uma mulher reencontram-se e seguem juntos numa imagem de costas que se vai afastando, ele coxo e de bengala e ela segurando uma cadela a que profeticamente chama “Chaplin”.
A música é uma mistura de canções antigas, música clássica e alguma moderna, que pela sua alternância consegue colocar nos ambientes, um pouco frios, algum calor. Uma nota para as notícias na rádio, quase sempre que a ligam, que fala da guerra na Ucrânia com censura ao Sr. Putin.
 Eu gostei. Estranhamente, uma sala das mais pequenas do Corte Inglés, estava quase cheia.
 

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Assassinos da Lua das Flores

 

Fui ver o filme de Martin Scorsese. Fiquei deveras surpreendido por nunca ter ouvido falar da tribo índia “Osage”. Esta tribo no Oklahoma, quando lhe foi atribuído um território, resolveu enterrar o machado de guerra e da cova realizada nasce petróleo. Rapidamente se torna a tribo índia mais rica da América e o seu nível de vida sobe num ápice atraindo toda a espécie de homens brancos com o intuito de explorarem essa riqueza, inclusive recorrendo impiedosamente ao crime. DiCaprio faz o papel de um sobrinho de um fazendeiro abastado, Roberto DeNiro, homem ambicioso que recorre a vários ardis para conseguir as concessões petrolíferas que as famílias índias registaram. Rapidamente convence esse seu sobrinho, regressado da primeira grande guerra, a casar com uma índia riquíssima, mulher muito bonita, vivendo muito a cima da média das outras famílias. Só que a família da rapariga é grande e para que o rapaz venha a ser o herdeiro vai ser necessário ir eliminando um a um todos os membros desse clã. Inclusive adulterando a insulina que a moça, sendo diabética, necessita para sobreviver. DiCaprio vê-se no dilema de, gostando da sua mulher, não ser capaz de resistir ao poder e ganância do seu tio e vai-lhe obedecendo contratando alguns apaniguados para perpetrar os crimes que vão eliminando os familiares. O interessante deste filme é que o espectador sabe logo desde início quem são os “maus” não sendo necessária qualquer investigação que nos leve à descoberta. Chega-se a 1929 e o recém-formado FBI, liderado por Edgar Hoover, acaba por ter conhecimento dos muitos crimes existentes naquela sociedade e envia uma equipa para os investigar. Quanto a mim uma excelente realização apenas prejudicada com a extensão do filme que, por vezes, o torna demasiado monótono. 3h20 é obra e não há cadeira que não castigue os nossos pobres traseiros. DiCaprio faz um bom papel, mas quanto a mim, ofuscado pela excelência de representação de um DeNiro absolutamente fantástico. DeNiro esconde a sua ganância com dádivas e realizações humanitárias a favor da comunidade que no fim pretende destruir, servindo-se de terceiras pessoas de modo a ser acarinhado por todos e ficar sempre fora de qualquer suspeita. Encham-se de coragem e vão até ao cinema. Vale a pena.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Openheimer

 


Lá arranjei coragem para passar 3 horas e picos numa sala de cinema. O filme é uma boa realização com excelentes interpretações, mas julgava ir ver mais a parte física da construção da bomba, no entanto, a maioria da acção é centrada na parte política. Openheimer é um físico judeu que, no tempo do macarthismo, teve o desplante de casar com uma comunista filiada no partido e para cúmulo enviava dinheiro para os nacionalistas da guerra de Espanha através do partido comunista americano. Não fora ele um físico empenhado no projecto da bomba atómica e o seu destino teria sido outro. Openheimer consegue edificar uma cidade laboratório no meio do deserto, em Los Alamos no Estado do Novo México, e nesse deserto faz a primeira detonação de uma bomba nuclear e, juntamente com os militares, começa a ter a opinião de que essa arma poderá obrigar o japão a render-se poupando assim muitas vidas dos soldados e marinheiros americanos. E assim acontece. Truman dá a ordem e Hiroxima e Nagasaki são praticamente varridas do planeta. Entretanto os soviéticos avançavam também na construção da bomba e o senador Joseph MacArthy, via espiões vermelhos por todo o lado. Openheimer é sujeito à apreciação de várias comissões. Defendido por muitos e acusado por outros vê a sua vida completamente devassada. Divorciado da primeira mulher casa novamente e tem dois filhos. Consegue sair ilibado de tudo aquilo, mas a sua consciência começa a atormenta-lo pelas mortes que causou. O filme vê-se bem, mas poderia ser mais curto. A maioria dos diálogos fala de comissões e organizações com os nomes em siglas causando algumas confusões mentais em quem não está dentro dos pormenores da história americana da época. Vê-se bem com algumas reservas.

 

domingo, 23 de abril de 2023

As Oito Montanhas

 

Farto das xaropadas “made in USA” escolhi ontem um filme italiano que me “cheirou”. E parece que tive faro. Um filme passado nos Dolomites nos Alpes italianos, paisagem agreste, mas impressionante, com mudanças radicais do Verão para o Inverno.

Um filme do casal Belga Felix van Groeningen - Charlotte Vandermeersch que mereceu um prémio do júri do festival de Canes. Este filme relata a amizade vivida por dois rapazes desde os 11 anos até à idade adulta que, mesmo com algumas separações não se perde. Pietro, um citadino de Torino ou Turim, vai passar férias a uma aldeia de montanha onde conhece Bruno um tratador de vacas que a mãe vai mantendo com o fabrico de queijos, pois o pai há muito que os deixou não sabendo por onde anda. O pai de Pietro, um admirador da montanha, leva-o em grandes passeios criando-lhe um amor pela montanha e pelas paisagens agrestes, mas maravilhosas, daquela região. Os dois rapazes percorrem aquelas paragens e só se encontram no Verão. Já adolescentes separam-se e só voltam a encontrar-se em adultos. É então que Pietro, já órfão de pai, convida Bruno para uma tarefa quase ciclópica, construir uma casa na montanha a partir de umas ruínas que o pai lhe deixara. Após a casa construída, Pietro deixa Bruno viver lá e vai conhecer o Nepal dado que o pai lhe deixa um diagrama com oito montanhas e um monte ao meio que quereria atingir. Bruno casa com uma amiga comum e tem uma menina e Pietro conhece no Nepal uma professora por quem se apaixona. Mas Pietro regressa à sua casa onde encontra Bruno já separado, pois a sua mulher não aguentou aquela solidão e a falta de iniciativa do marido para progredir noutra profissão mais estável do que a pobre produção de queijos. Pietro tenta ajudar o amigo que recusa essa ajuda. Mais uma vez se separam. Pietro volta a partir, mas volta sempre…

Agora vão ver o filme que vale a pena. Um hino à amizade verdadeira que mesmo com grandes períodos de separação nunca se perde.

segunda-feira, 27 de março de 2023

O Fazer anos.

 


Fazer anos não é mais do que passar de um ano para o outro. Ontem tinha 86 e hoje já tenho 86 e um dia, mas o certo é que quando me perguntarem a idade vou dizer que tenho 86 até que mais um ano passe. O certo é que tudo é relativo. Ao fim de um mês ter 86 e 1/12 de 87, é o mesmo do que ter menos 11/12 de 87. Confuso? Nada disso. É pura aritmética. O tempo vai passando e o importante é andarmos por cá com gosto e alegria. Mas para isso é necessário saúde ou controle da mesma, o que é o meu caso. Não se pode dizer que tenha saúde, mas pode-se dizer que a vou controlando com perseverança. Faço os possíveis por ter boa disposição, o que é difícil em permanência. Circunstâncias da vida fazem muitas vezes com que a boa disposição se vá. Nessa altura teremos de interiorizar e perguntarmos a nós próprios, perdoem-me a tautologia, se vale a pena deixarmo-nos abater ou deitarmos o mau humor para trás das costas. Normalmente é o que faço e não me arrependo. Lembrei-me agora que a parte de trás das costas é o peito. Fica a má disposição à nossa frente e ainda bem porque assim estamos sempre a pensar como nos livrarmos dela. Portanto, meus amigos, vão caminhando com o mau humor à vossa frente e empurrem-no direitos a um precipício, mas cuidado não dêem um passo a mais, deixem só que a má disposição se precipite e não caiam atrás dela, seria a morte e eu quero ainda fazer muitos avos de vários anos. Bem hajam.

sábado, 25 de março de 2023

A Baleia

 


Ontem 6ª feira fui o cinema ver A Baleia e dei o meu tempo por bem empregado. Uma excelente interpretação num filme que no fim é quase uma peça de teatro. Todo centrado dentro de um apartamento, Brendon Fraser, dirigido por Darren Aronofsky, apresenta-nos um caso de obesidade mórbida causada por traumas da vida.

Um professor de literatura, casado, com uma filha, deixa o lar quando a miúda tem 8 anos por uma paixão louca por um seu aluno. Completamente apaixonado passa a viver essa paixão deixando par trás tudo e todos, só que o rapaz e seu amante morre, dá-se a entender que se suicida, e com o desgosto o nosso protagonista entrega-se à comida e engorda até aos 270 kg que o tornam num ser quase vegetal não conseguindo locomover-se mais do que cama cadeira/cadeira cama. Ajudado por uma enfermeira, curiosamente filha adoptiva dos pais do seu amante falecido, que se nos mostra como a única pessoa que tem por ele uma relação Amor/amizade. Muito arrependido de ter abandonado a filha, pede à ex-mulher que a mesma venha visitá-lo. A rapariga aparece completamente contra o pai, raiando as fronteiras da maldade, que o confronta com o facto de ele ter abandonado a família por o amor de um homem. Temos também um rapaz que bate à porta, daqueles tipo vendedor de Deus que acaba por se confessar já estar fora da sua igreja, mas que continua querer ser salvador de almas conturbadas. Perto do fim, que não vou revelar, aparece também a sua ex-mulher com as suas acusações acusando a filha de muita maldade e acusando a nossa “baleia” de querer ver o lado bom da rapariga.

Estávamos habituados a ver Brendon Fraser em filmes de acção, veja-se a série da “Múmia” e aparece-nos agora como um ser disforme, numa caracterização fenomenal que também merecia um óscar. Filme pesado, de partir um pouco a cabeça, mas que merece ser visto.