domingo, 19 de abril de 2020

A Ilha do Dia Antes.




Umberto Eco era doutorado em filosofia e história, mas também um semiólogo. Logo aí nos começamos a interrogar, semiólogo? O que é isso? Estudioso e interprete dos sinais já é uma baralhação para o nosso cérebro, mas nada disso interessa. Eco foi um escritor fora de série. O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault e Baudolino foram livros que marcaram bem as minhas leituras. E por isso recebi com agrado o empréstimo do meu filho do seu livro A Ilha do Dia Antes.
Neste livro Umberto Eco diverte-se. E diverte-se colocando o leitor no papel do pobre ignorante que continua a ler mesmo não percebendo os pensamentos filosóficos, os silogismos, as expressões latinas, as narrações históricas, os pensamentos dos personagens, etc. Eco era um erudito e coloca neste livro todo o seu enciclopédico saber. As primeiras páginas desencorajam qualquer um, mas ao mesmo tempo vão prendendo o leitor no interesse de: “Deixa cá ver onde isto me leva”.
Um fidalgo piemontês, envolvido na guerra dos trinta anos, acaba movimentando-se na corte de Luís XIII e entre dois cardeais, Richelieu e Manzini. Entre lutas e discussões filosóficas, acaba por ser mandado embarcar, pelo cardeal Richelieu desconfiado que Roberto de La Grive, este era o nome do nosso herói, estaria a passar informações aos seus inimigos, num navio que demandaria os antípodas, numa época em que ainda se discutia o heliocentrismo e não havia a certeza por onde passava o meridiano zero. Já se calculava a latitude, mas a longitude era um problema por não haver relógio capaz de trabalhar certo a bordo. No entanto o globo já era dividido em fusos de 15 graus cada, mas nos antípodas ainda se pensava que os homens andariam de cabeça para baixo. Roberto parte, mas deixa o coração preso a uma donzela que idolatra e venera. Roberto naufraga, mas amarrado a uma porta, acaba por ir embater a uma nau naufragada e encalhada junto da ilha onde o dia é o antes daquele que se vive naquela nau. Roberto gostaria de aportar a tal ilha, mas não consegue colocar a nau a navegar nem tem qualquer embarcação utilizável e para cúmulo nem sabe nadar.
Dentro da nau, Roberto sente que existe um intruso, pois várias transformações internas acontecem de dia para dia e realmente, Roberto, acaba por encontrar um frade filósofo que se escondia por medo. As discussões entre os dois são o máximo de erudição e o narrador, o nosso Eco, acrescenta ainda mais. Roberto morre de amores e saudade da sua amada e sofre por Ferrante, um seu irmão gémeo que se aproveita da sua grande semelhança, ter ficado junto dela. E se Roberto é um ser amável, respeitador e probo, Ferrante é absolutamente o contrário, cínico, desleal, corrupto e tudo aquilo que queiramos imaginar de mau. Na continuação da narrativa os dois homens confundem-se na mente de Roberto pelo que acabamos por ficar convencidos que são uma mesma pessoa. Sendo que Ferrante acaba por fazer tudo aquilo que Roberto gostaria de ter feito, mas que o seu íntimo repudia.
No meio de tudo isto, Umberto Eco brinca com o seu saber, filosofando e falando em factos e acontecimentos que nós, pobres leitores, nem com três enciclopédias seríamos capazes de compreender. Refiro que a propósito de uma pomba o autor escreve 10 páginas e até dedica um capítulo a Exercícios Paradoxais Sobre Como Pensam as Pedras. Calculem pois. O livro termina tal como começou, isto é, sem sabermos muito bem como. Imaginem como eu fiquei…

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A Espingarda



O Amigo Balsa, no seu texto de hoje no Facebook, sobre o seu estado de emergência, fez-me recordar objectos que nos ligaram aos nossos ancestros.
Tinha eu os meus seis anitos e fui com a família jantar a casa de um colega do meu pai, um sujeito bastante mais velho, que se tinha reformado da Junta do Crédito Público onde meu pai e um tio da Catarina, minha mulher, trabalhavam em conjunto. Claro que naquele tempo a Catarina já teria os seus 4 anos, mas só nos viemos a conhecer quando vim de Timor em 1961.
Antes do jantar, demos uma volta pela casa do senhor e, numa das dependências, mostrou-nos uma caçadeira calibre 16, em muito bom estado de conservação. Era uma Baiard Belga de canos laterias e já mocha, isto é, sem cães, o que para a época dela era uma modernice, pois muitas mais modernas ainda funcionavam com os ditos. Aquilo para mim foi um objecto maravilhoso, pois naquela idade já andava de fisga no bolso atrás dos incautos passaritos. Poder vir a ter uma coisa daquelas era um sonho inatingível. Após o jantar, demos uma grande volta a pé. Era Verão e estava um calor de derreter o alcatrão da estrada por onde caminhávamos quase não sendo incomodados pelo pouco trânsito. Numa das conversas o nosso anfitrião foi dizendo, que tinha pena de deixar a caça, mas já não se sentia com vontade de calcorrear montes e vales. Foi então que o meu pai propôs comprar-lhe a espingarda. Estávamos apenas há um ano e picos no Cacém e o meu “velhote”, na altura com 34 anos, falava no café com vários amigos caçadores que contavam imensos episódios de caça. Se melhor o pensaram melhor o fizeram e a transacção fez-se. A Baiard mudou de dono e passou para minha casa onde, sempre desmanchada, ocupava uma das prateleiras do quarto de arrumações. E o funcionário público tornou-se caçador. Nunca foi grande atirador, mas a caça abundava e sempre se penduravam uns coelhos e algumas perdizes. Passei a ser o companheiro e ajudante, de varapau em riste batendo aqui e ali nas moitas fazendo, por vezes saltar alguns coelhitos. Nessa altura podia caçar-se todos os dias, mas o trabalho e a escola só nos deixava livres os fins de semana. Tinha 10 anos quando o meu pai me deixou dar o meu primeiro tiro. Um tordo poisado numa oliveira foi a minha primeira vítima, mas foi como se tivesse conseguido caçar uma ave enorme e terrível. Aquele tordo só foi para o tacho uns três dias depois de, todo ufano, o ter mostrado aos rapazes amigos lá da rua. Pelos meus 13/14 anos ao regressar a casa depois de uma caçada aos pássaros com fisga e ratoeiras, verifiquei que nas serras, já muito perto de casa, andava um enorme bando de perdizes. Não perdi tempo, fui a casa peguei na espingarda e meti 4 cartuchos nos bolsos dos calções e aí vou eu no encalço do bando. E não é que o encontrei… O bando levantou, meti a caçadeira à cara e zás. Uma perdiz caiu. Nem sei como fizera aquilo. O certo é que o meu coração pulsava que nem um cavalo e eu mal podia respirar. Apanhei o bicho e fui para casa. Aí começou o meu dilema, ou contava a minha façanha e apanhava uma coça por ter ido mexer na arma, ou não contava e ficava com aquele engulho de não poder mostrar tamanho feito. Acabei por contar. Vá lá, apanhei um ralhete, mas o “velhote” ficou orgulhoso por o filho ter sido capaz de tal acto venatório.
Aquela espingarda deu-nos muitas alegrias e muitas caminhadas em conjunto. Quando fui para Timor, o meu pai estava com 48 anos e desistiu da caça que ali na terra já rareava. Herdei a arma e levei-a para Timor. Começou a ficar velhinha e cheia de folgas. Entretanto o calibre 12 substituiu aqueles calibres mais antigos e estreitos. Ficou em minha casa colocada num armeiro. Sempre que a olhava lembrava-me do meu progenitor entretanto falecido. Levei-a algumas vezes ao Clube de Monsanto para verificar se “aquilo” ainda partia uns pratos, e partia, só que os dois gatilhos já me faziam confusão e na maioria das vezes ficava agarrado ao primeiro e o segundo tiro não partia. As folgas já eram muitas e deitava fumo por tudo o que era lado. Acabei por a entregar na PSP com muitas outras armas de que me desfiz. Tive algumas armas muito mais modernas e ainda tenho uma automática com que raramente caço. Apenas faço uns tiros aos pratos para não perder a “mão”. Mas aquela espingarda ficou na minha memória sempre como a espingarda do Pai.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Ártemis (Diana)




O raio da lebre levou dois tiros, enrolou-se toda e quando lhe ia a deitar a mão fugiu que parecia um raio. Que saudades tive do meu Black. Nestas circunstâncias teria corrido como um possesso e acabaria por encontrá-la escondida atrás de um pequeno arbusto. As lebres feridas correm bastante, mas uma ou duas centenas de metros após escondem-se e chegam a deixar passar por elas o seu algoz. Bem, pensei; tenho de ir eu à procura, aqui é que ela não fica. Acabei por encontrá-la uma centena e meia de metros depois. Fui batendo com as botas junto das pequenas moitas e ela lá saltou. Deixei-a correr um bom bocado e prostrei-a com um tiro calmo e calculado. Estava a metê-la num plástico e a colocá-la no bolso transversal do colete quando vi um pequeno veado. Achei estranho. Ali não era costume eles aparecerem. O bicho tinha o focinho ligeiramente levantado. Achei algo de estranho nos seus chifres. Fui-me aproximando devagar, para não assustar o bicho, e foi então que vi uma mão que os segurava. Esquisito, alguém segurava o bicho pelos cornos. Dei mais uns passos e foi então que vislumbrei um vulto atrás do chaparro. Era uma mulher, mas uma bela mulher e estranhamente vinha vestida com uma túnica e de sandálias. Aproximei-me e interpelei-a:
— Diga-me, que faz assim vestida num sítio destes e com um veado preso pelos cornos?
Com uma voz celestial, que me deixou meio tonto, a bela personagem respondeu:
— Isto não é um veado. É um caçador como tu que cometeu o sacrilégio de me espreitar quando tomava banho na ribeira. Não gosto que me vejam nua.
— Sacrilégio? Eu também espreitaria. Não é todos os dias que se vê uma beldade como a senhora, aqui nestas remotas paragens alentejanas. E já agora porque não se vestiu? Porquê de ficar com esse robe transparente tão provocador?
— Estas são as minhas vestes. Eu sou a deusa Ártemis ou Diana se te der mais jeito. Os romanos sempre tiveram a mania de copiarem os Gregos só mudando os nomes.
Fiquei quase sem fala. Pensei, esta tipa está a gozar comigo, mas assim vestida e a segurar veados pelos cornos? Devia ser mesmo sobrenatural. Perguntei:
Uma deusa? Aqui atrás de um chaparro? Não é costume, no nosso país, quando aparecem é mais por cima da rama. E afinal quem era esse desgraçado que seguras pelos cornos?
— Chama-se Acteão e foi vítima de uma das minhas flechas mágicas. Castiguei-o. Não gosto que me espiem e muito menos nua.
— E agora? Que vais fazer com ele?
— Fica assim uns anos e vai viver ao pé de mim até que lhe retire o feitiço. Como um cervo já pode ver-me nua à vontade.
— Olhe Diana ou Ártemis. Não sobra aí uma flecha? Já agora gostava de fazer companhia a esse sortudo veado.
— Não brinques comigo que podes sair-te mal. Sou virgem e prometi a meu pai, Zeus ou Júpiter como queiras, que nunca me casaria e só ajudaria os humanos na caça e na agricultura. Tomo também conta das florestas. Os meus seguidores também me tratam por Artemísia ou Selene.
Fiquei completamente siderado. Devia ser o único mortal a ver uma deusa em carne e osso assim em terrenos alentejanos. Bem, único talvez não seja. Há aquela história inverosímil de uma que andou por cima das azinheiras a falar com criancinhas analfabetas, mas que empinaram grandes segredos tais como a conversão da Rússia, como se elas soubessem que a Rússia não ficava ali para os lados   da aldeia deles, mas nunca tinham ouvido falar. Também nunca saíram dali. Ainda bem que vim à caça. Costumo vir com amigos. Assim só, ninguém vai acreditar. A deusa era de uma beleza estonteante e eu quis prolongar aquele momento.
— Ártemis, sei um pouco da tua história, quer a grega quer a romana, sei que és irmã gémea de Apolo, ele também bem bonito. Sei que és filha de Leto (Grécia) ou Latona (Roma). Parece que era uma grande defensora das crianças. Houve um tipo chamado Homero que te descreveu como senhora das terras selvagens defensora de todos os animais. Pergunto-te, se os defendes porque os caças?
— E tu? Também os caças. Não gostas deles?
— Tens razão. Adoro bichos, mas na caça mato-os. Não os deixo sofrer e persigo sempre peças feridas.
— Comigo passa-se o mesmo. Caço-os, mas também os protejo, assim como também protejo as raparigas virgens.
 — Olha Diana, aqui pela terra não te safavas pois, para encontrares virgens tens de ir aos infantários e pré-primários, que elas agora mal largam os soquetes começam logo a pensar nos jogos de sexo. Também essa de prometeres ficar virgem para todo o sempre foi uma má ideia. Uma deusa linda como tu deve ter montes de pretendentes lá no Olimpo.
— Aos três anos, ao colo de meu pai, pedi-lhe seis desejos: manter-me sempre virgem, ter vários nomes para me diferenciar do meu irmão gémeo, ser portadora de luz, ter um arco e flechas, poder usar uma túnica à altura do joelho para poder correr na caça e ter sessenta filhas todas virgens como eu. Tive tudo isso incluindo sessenta ninfas virgens que sempre me acompanham quando delas preciso para me ajudarem na caça e no apoio a crianças.
— Já li em qualquer lado que tudo isso foi cantado por um poeta chamado Calímaco. Pena eu não ter talento para poder cantar a tua beleza. Obrigado Diana por te teres aproximado de mim.
Acordei encostado à sombra de um chaparro. Ártemis já lá não estava. Um pequeno veado ruminava à minha frente não tirando os olhos de mim. Disse-lhe:
— Acteão, és um sortudo.
O bicho deu dois pinotes e fugiu a correr pela vegetação.



O Colosso de Rodes


Foi contruído por Caré de Lindos (280 AC), um discípulo de Líssipo, em honra do deus Hélio, o Sol. Feita totalmente em bronze teve o fim de comemorar a vitória da cidade contra o macedónio Antígno Monoftalmo. O filho deste, Demétrio I, sitiou a cidade em 305 AC, mas não teve sucesso. O colosso tinha a altura da actual estátua da liberdade (cerca de 33 metros) e era a maior estátua do mundo antigo. Foi destruído por um terramoto em 226 AC e nunca mais foi construído. Ainda hoje não foi determinado o sítio exacto da sua construção, mas houve o anúncio de vários planos sobre a construção de um novo Colosso em 2015. Já agora convém especificar o deus Hélio. Este foi a personificação do sol e era filho dos titãs Hiperião e Téa e era irmão da deusa Éos (o alvorecer) e de Selena (a lua), daí o termo de selenitas para os ”habitantes” deste nosso satélite. Selenita, foi a alcunha dada no nosso Pilão ao preparador de laboratório cujo nome não recordo agora, mas cuja “beleza” seria certamente idêntica àqueles seres. De Hélio derivou o termo de helioatria, a adoração de deuses solares.
Convém referir que Líssipo ou Lísipo foi um dos grandes escultores da época clássica grega, foi o preferido de Alexandre O Grande e manteve uma escola da qual Caré de Lindos foi aluno.

Prometeu (prometheus)




Este deus foi amigo da humanidade dado que foi ele que nos trouxe o fogo. Zeus ficou zangadíssimo pois temia que os homens, senhores do fogo, ficassem demasiado poderosos e por isso castigou-o. Eu conto:
Prometeu foi um neto incestuoso de Urano e Gaia que tiveram um filho, Jápeto de seu nome e pai deste deus, irmão de Atlas. Irreverente desafiador dos poderes superiores este deus era astuto e inteligente. Tendo roubado o fogo a Héstia deu-o aos mortais o que enfureceu  Zeus. Este ordenou a Hefesto que o acorrentasse no cume do monte Cáucaso, onde todos os dias uma águia (ou corvo) dilacerava seu fígado que, todos os dias, se regenerava. Daí ser o fígado o único órgão que se lhe cortarem parte ele se regenera. Esse castigo devia durar 30 000 anos. Quem o safou foi o Hércules que depois de cumprir os seus doze trabalhos resolveu fazer uns biscates e abateu a águia salvando assim o seu congénere.
Segundo Hesíodo (poeta oral grego, da antiguidade) foi dada a Prometeu e a seu irmão Epimeteu a tarefa de criar os homens e todos os animais. Epimeteu encarregou-se da obra e Prometeu encarregou-se de supervisioná-la. Na obra, Epimeteu atribuiu a cada animal os dons variados de coragem, força, rapidez, sagacidade; asas a um, garras outro, uma carapaça protegendo um terceiro, etc. Porém, quando chegou a vez do homem, formou-o do barro (onde é que eu já ouvi isto). Mas como Epimeteu gastou todos os recursos nos outros animais, recorreu a seu irmão Prometeu. Este então roubou o fogo dos deuses e deu-o aos homens. Isto assegurou a superioridade dos homens sobre os outros animais.
Atribui-se a Ésquilo, dramaturgo grego, uma trilogia sobre Prometeu: Prometeu Acorrentado, Prometeu Libertado e Prometeu portador do fogo (entre 452 e 459 AC)