sábado, 30 de setembro de 2017

Razões do meu ateísmo

Realizei na sede da Associação dos Pupilos do Exército uma apresentação sobre as razões do meu ateísmo. Falar sobre e defender o ateísmo junto de pessoas normalmente educadas numa cultura judaico-cristã, não é fácil. Os ateus falam e ouvem falar sobre todas as religiões sem qualquer problema e aceitam sem dificuldade o convívio de pessoas de vários credos. Já os crentes, normalmente não se sentem bem quando ouvem falar um ateu ou qualquer outro indivíduo que professe uma religião diferente da sua. Isso acontece precisamente por considerarem que a sua crença é a única verdadeira. Quando se defende a não existência de qualquer divindade isso vai contra ao que cada um tem inculcado desde a infância e considera de tal modo sagrado que o simples facto de alguém o negar, ofende os seus princípios. Por tudo isto tive de me encher de coragem e tentei dar, à minha apresentação, um aspecto de tertúlia, de modo a que todos pudessem interferir. O certo é que parece que a coisa não correu mal de todo. Não mudei a cabeça a ninguém e alguns puderam expressar-se a favor ou contra as minhas convicções. Claro que é impossível discutir-se a fé, pois isso é tentar entrar no foro intimo de cada um. Se por acaso alguém se sentiu ofendido com o que disse, peço desculpa pois não foi essa a intenção. Mas a pergunta óbvia que eu já esperava era se eu tinha forma de provar a não existência. E sobre existência ou não, teremos de falar apenas em Deus e não em Jesus, pois esse teria sido um humano que se dizia filho de Deus. A acreditar nisso, também teremos de acreditar em outros semi-deuses de outras mitologias. Hércules, por exemplo, foi um semi-deus e, penso, ninguém actualmente acredita em Hércules como um Deus “verdadeiro”.
A minha resposta talvez não prove a não existência da divindade normalmente “adorada” pela nossa sociedade ocidental, mas posso deixar muitas dúvidas nas mentes.
Já ninguém acredita na criação do Mundo em 6 dias. A ciência já demonstrou e provou as idades do Universo, Galáxias, Sistema solar, Terra, evolução de espécies, etc.
Já ninguém duvida da existência e desaparecimento dos Dinossauros, do aparecimento dos primatas e dentro destes das espécies humanóides até o aparecimento do homem erecto. Tudo isso, até ao aparecimento dos hominídeos, durou milhares de anos. Terá sido aqui, que devido a esta espécie possuir um cérebro bastante desenvolvido, um código fonético bastante rico capaz de poder transmitir conhecimentos e a possibilidade que as suas mãos têm, pela oponência do polegar a todos os outros dedos, de construir e usar objectos, que as inteligências se foram desenvolvendo a ponto de o homem começar a ter medo da morte e a tentar compreender o que para ele era inexplicável. Terá sido por essa altura que o cérebro humano começou a atribuir os cataclismos tais como, terramotos, chuva, vento, raios, vulcões, etc. a entidades invisíveis que lhes seriam superiores. Daí aos deuses e demónios foi o que se viu.
Agora pergunto:
            1º         Os animais não racionais pensam em Deus?
            2º         O que fez Deus durante esses muitos milhares de anos até ao aparecimento do homem?
            3º         Se o homem não tivesse pensamento Deus existia?
4º        Não será o medo da morte e, portanto, a ideia da continuação para além dela que terá levado o homem a pensar que teria de haver algo superior que tomasse conta dele depois de morrer?
O Deus é sempre tomado, pelos seus seguidores, como um ser bom, misericordioso, indulgente, etc.
1º          O Homem merece um Deus assim?
2º      Por que Deus permite o mal? Não teria sido melhor ter construído algo perfeito?
3º         Por que Deus (Jeová) só falava a judeus? Por que só considerou esse povo como o seu eleito?
4º         Por que Deus actualmente não fala com profetas?
5º      Se Deus é assim tão universal, por que Chineses, Japoneses, Indianos, e muitos outros povos, não têm Jeová como Deus?
6º         Se a Península Ibérica não tivesse sido ocupada pelos Romanos os nossos deuses seriam Jeová e Jesus?
E a minha última pergunta:
Por não acreditar em Deus eu sou um homem mau e pecador?
Agora apresentem-me provas da existência.

Aqui fica o link do vídeo da minha apresentação:

(cliquem no início da linha do tempo)

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Internet



Parece impossível, mas ao estar desde ontem sem internet a partir das nove da manhã é que , realmente, dei pela falta que esta "potreia" faz. Dei por mim, completamente possesso a telefonar para todo o lado, reclamando por não haver Net em toda a Messe Militar de Lagos. Por estranho que pareça ninguém foi capaz de resolver o problema. Que a Net vinha da Cafetaria através de repetidores, para o parque e depois até aos edifícios de S. Gonçalo onde fica o apartamento onde estou. Falei com o Srg. Ajudante, adjunto, que me informou ser tudo muito difícil, que a Messe depende da Logística do Exército em, Lisboa, etc. etc. Ao perguntar qual era o operador, ninguém me soube dizer, mas que lhes "parecia" ser MEO. Ligando ao MEO foi-me referido que sem saber qual o nº telefónico ao qual o serviço estaria adstrito, era-lhes impossível actuar. Acabei por mandar tudo às couves com vontade de mandar tudo para outra parte qualquer menos ecológica e fui-me governando com o telemóvel em todos os hotspots por onde passei. Só que à noite no apartamento, quis fazer umas pesquisa e fiquei no "pau da roupa". Conclusão, limitei-me a uns joguinhos de "Freecell" e outros de "Sudoku" até me dar o sono. Hoje de manhã tudo na mesma. Desisti e fui para a praia. Agora ao voltar está tudo OK. Que se passou? Perguntarão Vocês. "Não sei" respondo eu e já nem vou perguntar mais nada a ninguém.
Mas que esta "gaita" nos faz muita falta isso é bem verdade. Sem Net sinto-me nu e fora de casa nem posso recorrer à enciclopédia. Façamos votos para que venham tempos em a Net será livre em qualquer local. Provavelmente não será no meu tempo, mas julgo que esses tempos não virão longe. Aguardemos.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

O Fantasma



Vou tentar contar uma história, que já não é inédita, mas tentarei dizê-la por palavras minhas. Ineditismos não são fáceis de criar, mas adaptações não ficam mal a ninguém:
Mudei de casa, para outra já antiga que tinha um imenso corredor, ao fundo do qual era escuro como breu. Lá em casa, todos tinham medo de andar naquele corredor às escuras menos eu. Um dia aparece por ali um tipo que me diz: “Mudaste para esta casa? Olha que está assombrada, dizem que ao fundo do teu corredor anda por lá um fantasma”. Claro que desatei a rir, mas, pelo sim pelo não, fui pé ante pé, às escuras, até ao fundo do corredor, acendi a luz de repente e, népia! Fantasma nem vê-lo. Passados uns tempos, aparecem lá pela frente da casa uns tipos vestidos de branco dizendo-se os sacerdotes do fantasma, trazendo com eles uma série de escritos, dizendo que eram as ordens do fantasma, que eu tinha de fazer isto e aquilo, porque era ele quem mandava. Perguntei quem tinha escrito aquilo e foi-me respondido que tinham sido palavras do fantasma ditas a um deles, sacerdote eleito do mesmo e, se eu não cumprisse o fantasma zangava-se e faria os possíveis por me castigar. Pensei: estes gajos querem impor restrições e obrigações à minha vida. Claro que corri com eles.

Fui até casa, peguei num cacete e, com as luzes apagadas, ao fundo do corredor, desatei à cacetada para todos os lados. Acendi a luz de repente e, uma jarra partida, várias mossas na parede, uma mesa com perna quebrada, mas fantasma nada. Agora estou com um dilema: não consigo provar que o fantasma não está lá, mas não acredito que esteja pois o dito não se manifesta. Que acham que faça? Mando tudo às couves e deixo de pensar nisso ou construo um altar e passo a rezar ao fantasma?

sábado, 8 de julho de 2017

O Material de Guerra, as arrecadações e os quarteleiros


Lembro que, nos quartéis era dada muita atenção às arrecadações do material de guerra. Era aos quarteleiros que cabia a primeira responsabilidade do material que tinham à sua guarda. Uma arrecadação de material de guerra não se conferia todos os meses, nem todas as semanas, e muito menos todos os dias. Quando um quarteleiro era substituído a conferência era obrigatória e minuciosa e ai do entregador que alguma coisa faltasse. Um simples protector de boca de uma espingarda, em falta, dava origem a um auto de extravio e, se não houvesse justificação, o “desgraçado”, além de o pagar, levava uma porrada.
Tudo isso era no tempo do Serviço militar obrigatório (SMO). Nesse tempo, nós militares, apanhávamos os recrutas “tenrinhos” acabados de chegar das aldeias, completamente toscos, e moldávamo-los de tal modo, que quando saiam pareciam outros completamente diferentes. Salvo raras excepções esses rapazes eram dóceis e obedientes, respeitando os seus superiores.
Hoje nada se passa assim. Os militares agora são “mercenários” que vão para a tropa para colmatarem a falta de emprego que por aí grassa. São normalmente tipos já bem vividos principalmente oriundos de cidades. O seu grau de escolaridade é hoje mais elevado e o de malandrice também. O relacionamento com os superiores já é mais difícil e o tratamento destes para com eles tem de ser mais cuidadoso. Antigamente nada saía de uma arrecadação sem a presença do quarteleiro e tudo isso era registado e assinado. Normalmente o quarteleiro até dormia na arrecadação e, se por acaso saía, a porta era fechada a sete chaves. Hoje distribui-se a segurança de paióis a 5 unidades. Como pode? Quem é o responsável? Cinco unidades, pressupõe cinco quarteleiros por depósito ou paiol. Como é? Sempre que mudam conferem a carga? Já pensaram o que é contar o material de um paiol? Mesmo que se contem as caixas contar-se-á o que está lá dentro? E qual o comandante responsável? A tropa funciona em pirâmide. Tem de haver um vértice único. Lembro que em Nambuangongo havia uns bicharocos a que chamavam “verrumas”, que faziam uns buraquinhos no fundo dos barris e muitas vezes os ditos estavam a meio. Como estavam em cima uns dos outros só se contavam, mas o líquido no interior já tinha “voado”. Claro que muito voou por conta das “verrumas” humanas.
O material em falta nos paióis de Tancos não foi roubado por nenhum “gang” exterior. Cabe na cabeça de alguém duas ou três viaturas junto de uma rede esburacada e uma bicha de “pirilau” com 10 ou doze homens a transportarem cunhetes de munições e bazucas, por uma distância de 500 metros, passar tudo pelo buraquinho, e carregar as viaturas? Só acreditaria nisso se tivesse havido uma conferência na véspera e outro no dia seguinte de manhã, coisa impossível.

Este roubo vem sendo executado há muito tempo, talvez anos, e a quadrilha está ou esteve lá dentro. O material saía em carros particulares placidamente pela porta de armas. O “negócio” era feito cá dentro do país e aos poucos. Agora só procurando na feira da ladra, ou então alguém que “cante”. 

segunda-feira, 15 de maio de 2017

“The singer not the song” (A Esperança Nunca Morre)



Em 1961 foi realizado um filme pelo britânico Roy Ward Baker, filmado em Espanha. As cenas são passadas numa pequena cidade "mexicana", dominada por um bandido, Anacleto Komachi (Dirk Bogarde). Um padre recém-chegado, Michael Keogh (Jonh Mills), é o enviado por Roma numa tentativa de, através da fé religiosa, acabar com os roubos e as mortes. Pela sua maneira de lidar com as pessoas, pela sua fé, pelas prédicas e pelas conversas que mantém com o bandido, acaba por ser admirado por este, mas não modifica o seu ateísmo. O bandido no fim é baleado e, na hora da morte, o padre apressa-se a dar-lhe a extrema-unção ao mesmo tempo que lhe pede que se arrependa de todo o mal que infligiu aos habitantes daquela terra. O bandido acaba por se afirmar arrependido. Quando o padre se afasta, o bandido às portas da morte, sorri e profere a seguinte frase: “The singer not the song”.
Recordei este filme a propósito do nosso Papa, Francisco I. Por aquilo que diz, pelo que vai desmistificando, pela sua maneira de falar e tratar as pessoas leva-me a gostar bastante deste homem. Ao aconselhar o clero a não ostracizar as mães solteiras, os homossexuais, as não baptizadas, as não casadas perante Deus, etc. verifica-se que é sua pretensão que essas minorias não se afastem da igreja e não sejam marginalizadas. Ao contrário da grande maioria dos padres, que ameaçam os crentes com um inferno totalmente dantesco, com chamas e trevas, Francisco diz que não há chamas no inferno e qualquer dia acaba com ele tal como alguns anteriores já acabaram com o Limbo e o Purgatório. Penso que a ideia deste Papa é expulsar os receios dos crentes sobre o inferno e a pouco e pouco levá-los a entender que se deve ser bom e solidário com os mais necessitados e praticar o bem, não para receber benesses divinas, mas apenas porque a nossa consciência o deve ditar. É muito fácil praticar montes de malvadezes, ir a um padre mostrar arrependimento, receber uma penitencia e ficar limpo e em paz para logo a seguir continuar no mesmo caminho por que outra confissão limpará tudo de novo. O bem deve estar dentro de todos nós por ser esse o caminho certo quer para crentes quer para ateus.

Este Papa, não me fará crente, mas dele direi “The singer not the song”

sábado, 15 de abril de 2017

O bichinho da informática


Quando era capitão, pouco antes da minha primeira mobilização para Angola, um amigo que tinha sido admitido na IBM, trouxe-me uma série de testes que tinha feito para a sua admissão. Esses testes eram uma espécie de problemas antigos da 4ª classe e tinham de resolver-se 60 numa hora, o que dava mais ou menos um minuto para cada um. Não era fácil. Esses testes incluíam também uma série de problemas de lógica com séries de figuras para escolhermos qual a que estaria logicamente na posição seguinte. Resolvi aquilo mesmo ali ao pé dele e tive um valor próximo dos 85%. Para entrar era necessário um mínimo de 60%. O meu amigo ficou entusiasmado e começou a catequizar-me para fazer um curso, daqueles para clientes, lá na IBM. A coisa agradou-me e, através da firma onde o meu Pai era contabilista, inscrevi-me e lá fui fazer o curso. Felizmente estava colocado numa situação que me permitia um horário livre. Fiz então um curso chamado de Desenho e Análise, que se destinava a dar a clientes muitas noções de introdução aos computadores, noções base de várias programações, Cobol, Fortran, RPG e o famigerado Assembler. Fazíamos depois os terríveis organogramas e a organização de ficheiros. Temos de lembrar-nos que ainda estávamos nos sistemas 3600 a trabalhar com cartões perfurados. Como gostava da coisa fiquei em 2º lugar num curso de 40 e fui sondado para ficar na IBM. Dado ser militar de carreira obviamente recusei e pouco depois fui para Angola. Muito mais tarde, já Major e prestes a ser Tenente Coronel, fui para a Guarda Fiscal onde se estava a pensar dar os primeiros passos para a informatização. Aí, já na situação de Chefe do Serviço de Finanças, foi nomeado um Major do corpo da Guarda para chefe do Núcleo de Informática, que foi fazer vários cursos e se revelou um elemento excepcional. Foram feitos vários programas para a actividade operacional, até que o Major me veio falar para a possível informatização de toda a situação administrativa. Vieram ao de cima os conhecimentos adquiridos na IBM e, em conjunto com o núcleo de informática, desenhei e elaborei toda a análise para contabilidade, orçamentação, cativação de verbas, conta de gerência, etc. Após isso visitei todas as unidades e dei instrução para a utilização dos terminais.
Ao fim de um ano tudo era feito por computador totalmente “on line” e em rede para toda a GF. Começaram a aparecer os primeiros PC’s e o sistema MS Dos e, rapidamente me meti neles. Ao sair da GF pedi para passar à reserva e empreguei-me numa firma de transportes e, num computador com uma capacidade que estava à distância do meu actual telemóvel como da Terra à Lua, apenas 40 megabytes, montei e executei toda a contabilidade e a gestão de frotas. Uns dois anos depois fui contratado pela Fábrica de Chocolates Regina, para Director Administrativo. Aí, o computador geral já era o 360 e havia por lá dois rapazes bons programadores em Cobol.   A contabilidade foi programada por uma firma exterior e já continha contabilidade analítica, mas não fazia ainda a gestão de custos dos produtos. Estava em voga uma espécie do actual Excel, o QuatroPró, e com ele informatizei toda a formatação de custos de produtos ligando-os à contabilidade analítica. Apareceu então o Windows com associação aos; Excel, Word, Powerpoint e Access. Em conversa com o Major da GF, ficáramos amigos, o bichinho do Access foi entrando e, mais ou menos como autodidacta e umas ajudas, lá fui aprendendo a construir e programar bases de dados. Na altura já era sócio do Clube Português de Tiro a Chumbo em Monsanto e, quando fui convidado para Director Tesoureiro, elaborei Bases de Dados para gestão de sócios com cobrança de quotas e também para gestão da venda de senhas de tiro para as várias modalidades bem como para a gestão de contas bancárias, registo de correspondência, gestão do armeiro, armazéns de pratos, etc.
A actual Base de Dados da Associação dos Pupilos do Exército foi elaborada (a custo zero) à semelhança da gestão de sócios do Clube de Tiro e funciona desde 2009 tendo sido apoiada e alterada sempre que necessário. Muito trabalhinho me tem dado.

Está agora na altura de colocar esta ou outra base de dados a trabalhar na Net, com todas as funcionalidades que isso permite, até por que os meus 80 anos não me vão dar muito tempo para continuar a gerir aquela BD de forma útil. Estamos a pensar nisso e a ponderar formas e custos. Como sempre estarei aqui para ajudar e apoiar. Veremos o que daqui sairá.

sábado, 8 de abril de 2017

A Última Fronteira



Fui ver o filme do Sean Penn “The Last  Face”  que aqui foi traduzido como A Última Fronteira. Sean Penn, além de um excelente actor, entrou bem no mundo da realização. Conhecido pelas suas lutas pelos direitos humanos, este actor/realizador, mostra-nos um filme de amor num cenário de guerras desumanas em África, de rebeldes contra governos, numa ânsia de derrube dos mesmos, não para governarem pelos povos, mas antes pela obtenção de poder que lhes permitirão todos os desmandos para alcançarem riqueza e poder pessoal. Um médico cirurgião, espanhol, de uma ONG “Médicos do Mundo” Dr. Miguel Leon (Javier Bardem) atravessa constantemente fronteiras percorrendo campos de refugiados tentando tratar toda a espécie de doenças e feridos vítimas de rebeldes e governos, onde tudo falta, desde comida, água e medicamentos. Os ambientes são dantescos, em cenários de destruição e sangue. Conhece uma médica americana, Wren Petersen (Charlize Theron) que há muito não exerce, apenas dedicada a angariar fundos, para essas ONG, em festas e reuniões onde todos aplaudem, contribuem de lágrima no olho, mas no dia seguinte seguem as suas vidas de luxo, esquecendo rapidamente o que se passa fora das suas fronteiras e não os afecta. Ambos se apaixonam, mas o amor é quase impossível naquele ambiente que ele não larga e ela não aguenta. O filme é entrecortado com vários “flash back”, onde se mostra o seu encontro em várias situações anteriores e até posteriores, situação que na primeira parte do filme se torna um pouco desconexa, mas que, no decorrer se torna compreensível. O filme é um libelo acusatório às nações que, pelo petróleo e outras matérias primas, e também pela venda de armas, promovem as guerras armando grupos contra governos que depois nunca mais controlam. Um pequeno papel, também de um médico francês, foi dado ao conceituado actor “Jean Reno”. Os nossos protagonistas acabam por separar-se, voltando ele para a sua luta de tentativa de salvador de vidas e ela para os discursos de atenção à causa dos conflitos, não conseguindo ambos os seus objectivos por a luta ser inglória. Mais tarde, após um empolgante discurso e, já no seu camarim Wren recebe a notícia da morte de Miguel, num avião abatido algures na pobre África ao abandono devido às más colonizações que só a exploraram e não a formaram para poder ser governada pelos seus. As cenas de guerra e de encontros armados, não são muito exageradas, mas suficientes para ambientar o espectador. Não sendo nenhuma obra-prima, é um bom filme que se vê muito bem e nos deixa amargos constrangimentos.

sábado, 1 de abril de 2017

O Papa Francisco



As Igrejas não são mais do que seitas. Penso que uma seita também não é mais do que um grupo que se vai organizando por agregação de membros catequizados contra algo que consideram mau ou maléfico, tentando através de ordens (catecismos) impor a sua vontade. A Igreja católica constituiu-se na época de Constantino e teve no Concílio de Niceia as suas primeiras linhas estatutárias. Como todas as seitas, ela foi agregando cada vez mais correligionários, umas vezes pela palavra e muitas vezes pela força. Penso que deve ter sido mais ou menos como no tempo do Estado Novo “se queres ser funcionário público tens de ser Legionário”. Pregando uma moral que convinha aos Estados, era também uma forma de levar os povos para o sossego, que pensando na vida para além da morte, deixavam tranquilos os governantes. Como seita criada pelos estados manteve-se sempre ao lado destes, sejam eles ditatoriais ou democráticos, com poucas excepções. Devido a tal, muitas outras seitas apareceram com ideias, às vezes semelhantes, mas combatendo a organização clerical. Temos os exemplos da Maçonaria, Rosa Cruz, etc., e até algumas satânicas.
As seitas, bem organizadas, sempre tiveram chefes. Na   católica temos o Papa, na Maçonaria os grão-mestres, etc… falemos então dos papas. Estes foram quase senhores do Mundo. Na antiguidade o papa, sediado (não gosto da palavra pois cheira-me a feito de seda), direi, pois, implantado praticamente no centro da Europa, punha e dispunha sobre reis e governos, aceitando-os ou destituindo-os. Com o cisma, as reformas, etc., os reis foram-se impondo e libertando-se desse jugo, que era apenas “divino” e não político.
Tivemos papas bons e papas maus. Alguns, demasiados, foram déspotas, corruptos, desbragados, pedófilos, homossexuais, abusando da luxúria. Com a modernidade foram assentando tornando-se mais cautelosos. Houve também os muito crentes e os assim, assim.
Presentemente temos um Papa de quem eu gosto. Parece bom tipo e, apesar de ainda nada ter alterado, tem uma conversa mais aberta sobre certos dogmas difíceis de entrar em cabeças pensantes. Já houve um que acabou com o Limbo, outro que mandou o Purgatório às couves, outro que não gostava de preservativos e este que agora até defende as mulheres deixando o problema do aborto à consciência das mesmas e até já se armou em bombeiro apagando as chamas do inferno.
Agora, este Papa, decepcionou-me. Penso que o nosso Xico 1º não acredita em Fátima, não pode acreditar que uma terrena, a mãe de Jesus, se tenha armado em tordo e, voando por cima das azinheiras, se tenha dado ao trabalho de vir falar de segredos de alta política e estratégia, como a conversão da Rússia, a três crianças quase analfabetas, em que a mais velha era burra que nem um soco, além de mitómana compulsiva. Já em França, apareceu a “Bernardette”, que além de mitómana era atrasa mental. Como costumo dizer, por que é que a dita santa, não apareceu na faculdade de filosofia falando para uma turma do último ano acompanhada pelo catedrático? Pois, mas o certo é que o nosso Xico vem a Fátima quando eu pensava que não viria. Decepciono-me. Mais uma vez o povo vai ser enganado, quando para lá for à procura de milagres que só acontecem aos paraplégicos mentais. Milagre seria ir lá um tipo sem uma perna e voltar com as duas, mas isso…. Pois sim…
Olha, rapaz Xico, espero que tenhas discernimento suficiente para transmitires ao povo ideias políticas de como democraticamente se devem comportar para levar o poder a pugnar pelos seus direitos e deixes de criar nas suas cabeças ideias de entrega a poderes “divinos” que nada resolvem. Se fizeres isso, estás perdoado.


domingo, 26 de março de 2017

O Sr. Elisiário e os meus 80 anos.




Teria para aí uns onze doze anos, andava no Pilão e, aos fins de semana ou em férias, ia à caça com o meu pai armado de varapau, para ir dando umas pancaditas nas moitas, fazendo muitas vezes saltar um coelhito ou outro para o meu pai atirar e, muitas vezes errar. Lembro que caçava com o grupo, o Sr. Elisiário a quem carinhosamente todos tratavam pelo velhote. Os caçadores e eu próprio, pasmávamos como o senhor, já com 79 anos, ainda andava quilómetros a acompanhar-nos o dia inteiro. Sempre com as suas calças de cotim, uma camisa cinzenta de manga comprida e um boné de pala, o velho Elisiário lá estava no meio de nós aquando das caçadas. Com a sua espingarda calibre 12, de cães de orelhas, muito usada, já um pouco curvado, lá ia andando e atirando aos coelhos quando algum lhe passava a jeito. Não era grande atirador. Comprara a espingarda em segunda mão (eu diria terceira ou quarta) há pouco tempo, pois também há pouco largara o pau de caçador batedor. Mas o que mais me admirava era a sua estoicidade e a capacidade de caminhar por montes e vales atrás de nós como se tivesse trinta anos. No dia seguinte “o velhote” lá estava com a mesma fardamenta, equipado com uma enxada de dois bicos, a cavar a horta no quintal e a limpar a meia dúzia de árvores de fruto que possuía. “Bom dia Sr. Elisiário” dizia eu ao passar na estrada junto ao gradeamento. “Bom dia menino” dizia o nosso “velhote” nunca se esquecendo de tirar o boné da cabeça.
Lembro esta figura da minha infância a propósito dos meus 80 anos (completados hoje). Agora compreendo o Sr. Elisiário por eu próprio ainda caçar manhãs inteiras às perdizes e ser capaz de saltar os estuporados aramados sem me deixar ficar para trás da outra “rapaziada”. Se me chamassem velhote, ficaria, não diria melindrado, mas um pouco admirado, até porque muitos dos companheiros andam na casa dos setenta e picos e, quando sozinho, lembro-me do “velhote” Elisiário”.
Quando somos muito novos temos tendência de ver os outros, já adultos, como velhos. À medida que vamos crescendo e envelhecendo, essa tendência vai mudando e nós próprios nos tornamos sempre novos.
Passados alguns anos o Sr. Elisiário deixou de nos acompanhar e, eu ao passar na estrada para a estação de caminho de ferro, olhava para o quintal na esperança de o ver, mas ele já lá não estava. Faleceu pouco tempo antes de eu deixar o Pilão, teria os seus 87 anos.  Caçou, é certo mais moderadamente, quase até ao fim.
Espero ainda caçar por mais alguns anos apesar de agora menos vezes, dado que já não temos a nossa Associativa, mas ainda tenho alguns convites da “rapaziada” amiga. Espero também andar atrás das perdizes recordando o “velhote” Elisiário. Se fosse crente, e acreditasse na vida para além da morte, certamente o “velhote” estaria sentado numa nuvem de espingarda a postos, de tocaia aos coelhos celestes, provavelmente brancos.


domingo, 19 de março de 2017

A Caça


(Parte de um capítulo de O Lagarto)

– "Ó rapaz, se um dia, por qualquer motivo deixas de caçar, vais ser um infeliz."
A mulher não gostava nada dessa sua actividade. Qualquer ocupação que o marido tivesse em que ela não participasse, não era lá muito apreciada. Era uma questão de possessivismo. O marido era dela e para ela. A caça era para ele e outras companhias de que ela não fazia parte. Isso incomodava-a, mas ajudava-o preparando o petisco para o almoço que no dia seguinte ele comeria juntamente com o grupo dos outros caçadores seus companheiros de jornada. Ele bem sabia que, no fundo, aquela sua actividade, não era lá muito bem-querida pela sua mulher. Por norma ficava só quase todos os domingos durante a época cinegética e tudo que a afastasse dele entristecia-a. Por outro lado, também sabia, que tudo aquilo que lhe dava prazer, era por ela tolerado e apoiado. Trabalhava uma semana inteira numa profissão de desgaste intenso e aquela actividade ao ar livre era uma panaceia que lhe devolvia a força para enfrentar a realidade da semana seguinte. Nada lhe dava mais prazer do que aquela simbiose com a natureza, aquele descanso de alma que se sente no campo, a caminhada, o convívio com os companheiros, a companhia do seu parceiro fiel, da conversa que com ele ia mantendo durante a procura, esquecendo-se ou nem sequer tendo noção de que o bicho não responderia por palavras mas que os sinais que lhe devolvia se transformavam nas ditas que naturalmente não poderia pronunciar. A prática do tiro era outra actividade que também o preenchia apesar do pouco tempo de que dispunha para o praticar no clube, onde era sócio. O tiro na caça era uma satisfação. A arma levada ao ombro num movimento coordenado, rápido mas suave, a cara sobreposta sobre a coronha, o cano no seguimento da linha dos olhos, o seguir da peça, o passar por ela, o disparar sem parar o movimento e aquela sensação da peça abatida mesmo antes de ser atingida era um prazer quase orgástico. Mesmo quando as coisas não corriam bem e errava o tiro, não sentia frustração e logo partia para outra ainda com mais vontade na procura. Achava muito engraçada a atitude do seu cão, quando após dois ou três tiros e a peça não caía, o bichano o olhava com alguma interrogação como que perguntando: como aconteceu isto? Então o bicho foi-se? Mas logo abanava a cauda como quem lhe perdoava o erro e o incentivava a prosseguir sem esmorecimento.
Às vezes, no convívio com casais amigos, era confrontado com opiniões contra a caça numa defesa exagerada dos direitos dos animais, na defesa dos bichos selvagens e da preservação das espécies. Defesa normalmente efectuada por fundamentalistas urbanos sem terem qualquer conhecimento da natureza, do interior do país, dos usos e costumes das populações. Pessoas que cresceram arrastando rabos obesos sobre cadeiras de cafés e discotecas, que nunca viram um bicho nascer ou morrer, que se esquecem de que os bifes que deglutem sofregamente são provenientes de um animal que sofreu com o abate, que não diferenciam um coelho duma lebre, que nunca viram uma vaca sem ser em imagem ou no prato transformada em tornedó. Estes indivíduos vêm o caçador apenas como mais um predador, esquecem-se que um caçador que se preze é um amante da natureza, protege e faz renovação de espécies, faz planos de abate de forma a não causticar espécies e permitir que o desenvolvimento da próxima época seja maior que o da anterior. Esquecem que após a liberalização que se seguiu à revolução de Abril, a abertura desordenada de direito à caça, ia acabando com as espécies e que agora, com a ordenação do território cinegético, as associações de caçadores voltaram a por em ordem a actividade, estando à vista os resultados na criação e desenvolvimento da caça que tanto prazer dá a milhares de pessoas além do interesse económico que tem para o país.
Naquele dia começaram muito cedo. À chegada, após os cumprimentos, ditos e graçolas lançados aos companheiros que não via desde a semana anterior, organizaram portas e linhas, dispuseram os lugares, chamaram os cães e empreenderam a marcha. Chapéu na cabeça, aba ligeiramente flectida sobre o olho direito, para tapar do sol ainda não nascido, mas a mostrar já a sua claridade, arma cruzada à frente do peito, cartuchos inseridos, último sinal ao cachorro para moderar o andamento, iniciaram a marcha.
Poucos metros andados, a atitude do seu companheiro canino deu sinal de caça próxima. A excitação começou a apoderar-se de todo o seu corpo. Os dedos seguraram a arma que foi pondo a jeito. Os sinais eram cada vez mais de caça próxima. À paragem do cão, aproximou-se com cuidado tentando adivinhar para que lado a perdiz iria saltar. Esperou um pouco e deu voz ao cão: – Anda com ela!
O tiro atingiu a perdiz em cheio que morreu instantaneamente. Quando o seu companheiro lha deixou na mão o ciclo completou-se. Perdiz, cão e Homem tinham-se encontrado.
Ao almoço, a descrição da caça àquela perdiz, era feita com gestos e sons algo exagerados pela loquacidade um pouco provocada pela ingestão das iguarias, sempre tão saborosas quando comidas ali no monte e também por alguns vapores do bom vinho indispensável nestes almoços.
Ali, os homens provavam e demonstravam não serem matadores de bichos, mas apenas caçadores.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Primeiros tempos em Timor


Capítulo de "O Lagarto". Mais um episódio passado em Timor, já lá vão uns anos bons...


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O Alferes na moto com a caçadeira a tiracolo, arrancou direito à ribeira de Lautem. Ali, as rolas e codornizes eram muitas e podia, com poucos tiros, apanhar bastantes. De miúdo sempre lhe ficara esta mania da caça. Desde lagartixas a todos os bichos, logo que podia, lá se dedicava a apanhá-los com aquele vício terrível de predador sem necessidade. Naquela terra sentia-se em casa, bicharada não faltava. Horas depois com uma cinturada de rolas lá voltava para Dili. Em casa do seu amigo Pilão, bastante mais velho, que conhecera na viagem, deixava a caça, que depois de bem cozinhada pela sua mulher, servia de pretexto ao almoço em conjunto. As relações conseguidas eram absolutamente necessárias ao equilíbrio emocional de um jovem que deixara a casa paterna, namorada e amigos para servir militarmente no Ultramar. Naquela altura e tempo, jovem e ingénuo que era, não se dava conta de como as pessoas, na sua complexidade, de mentalidades tacanhas a viver em terras distantes e climas inóspitos, pensavam. Um dia, o seu amigo pediu-lhe que não fosse tão assíduo na sua casa. Quando percebeu o porquê, ficou completamente arrasado. Mas acabou por compreender. A mulher do seu amigo era uma mulata linda, terna e filha daquela terra quente. Muito mais nova do que ele, era alvo fácil das conversas maledicentes das gentes que, na maioria, incultas e desocupadas, nada mais tinham dentro das mentes que pensamentos arrasadores das virtudes de quaisquer mulheres que mais assiduamente mantinham contactos com os militares oriundos do continente, prestando serviço naquelas paragens. Mais tarde veio a perceber que muitas vezes havia razão para tal.
Em Timor, terra de muita miscigenação, proliferavam filhos, na sua maioria, de antigos deportados que Salazar para lá enviara. Estes, lá longe, deixariam de pensar em “aventuradas” políticas que poderiam pôr em causa a sua liderança num País que o ditador queria calmo, pobre, quieto e não muito evoluído, para assim não se oporem à sua liderança de homem “sóbrio, sapiente, determinado, crente, e patriota”. O “seu” Portugal, enquanto ele pudesse, “não seria palco daquelas malucadas vividas nos Países, ditos democráticos, em que os Governos eram permanentemente alvo de contestação”. Estes deportados, ao fim de alguns anos, por força da sobrevivência, tornavam-se cultivadores do belo café de Timor e, então já abastados, acabavam em membros do Conselho do Governo, apoiando o Governador salazarista, lá colocado. Os seus filhos rapazes, normalmente puxavam mais para a sua terra e suas gentes, acabando por casar com outras mulatas ou até a amancebarem-se com mulheres naturais. Pelo contrário as raparigas tinham voos mais altos, quase todas sonhando com o casamento com um branco que as levasse dali até ao sonho metropolitano, que não conheciam, mas, do que ouviam, julgavam ser o eldorado. Claro que, os militares, único alvo possível, quase sempre se aproveitavam, mas poucos se deixavam prender. As moças, coitadas, acabavam por casar com os seus iguais, muitas vezes levadas pelo romantismo e sonho. Já que não tinham conseguido o objectivo total, deixavam-se enredar em relações extraconjugais com os “amigos” que assim conseguiam fugir a uma estadia que, sem aconchego, namoro e sexo, seria forçosamente um degredo.
Quando compreendeu a situação deixou de usufruir da companhia do seu amigo em sua casa. Limitou-se a encontrá-los no clube ou noutros locais, mas fugia ao convívio mais permanente. Não soube se a mulher dele, moça encantadora e fidelíssima, percebeu a mensagem. Se sim, nunca o deu a entender.
O seu tempo passou a ser mais ocupado com a caça aos veados, a caça submarina e o convívio com os seus camaradas. Aquela terra era um Paraíso. Sossego, bicharada, paisagens de sonho, praias maravilhosas, calor... Pois... o calor... O calor é afrodisíaco, mesmo que se não queira a testosterona não deixa um homem em paz e, as raparigas começam a ser obsessão, mesmo contra tudo e todos, mesmo contra as convicções, acabando-se envolvido em casos amorosos complicados. Com ele assim aconteceu.
Parece impossível, mas aquela terra, que o Salazar se esforçava para mostrar como portuguesíssima, com um Povo Patriota e orgulhoso de ser Português, foi dos territórios do Império, o mais difícil de pacificar. Ainda no século XX, no tempo do Governador Celestino da Silva, houve campanhas militares de pacificação, com surtos ao interior, e muitas mortes entre a população dissidente.
Estava-se em 1959. Uma tentativa de sublevação fora descoberta, tendo originado, na sua repressão, dezenas de mortes, prisões e deportações. Muitos desses dissidentes, deportados para outras “províncias ultramarinas”, só puderam regressar à sua Terra após 25 de Abril. 
Mal chegado, teve de patrulhar a cidade, de noite, armado até aos dentes, prevenindo qualquer atitude mais temerária de possíveis seguidores dos então detidos. Foi nessa altura que, da Índia, chegou a primeira Companhia de soldados brancos continentais. Até aí toda a tropa era indígena sendo metropolitanos apenas os quadros. Parece impossível, mas, com a chegada desses homens, duplicou a população branca de Dili. Veja-se o que era aquela Terra!...
Felizmente, nós, com a nossa maneira simples, sortuda e desenrascada de fazer as coisas, conseguimos dar a volta à situação acabando com as veleidades dos golpistas e Timor voltou a ser o Paraíso na Terra. Ainda bem para o rapaz, que conseguiu tirar da sua estadia o melhor partido, tendo vivido boas e maravilhosas aventuras sempre bem acompanhado e acarinhado. Conseguiu partir uma perna, ter problemas com a cura durante muitos meses e, quase não deu por isso. Quando se é jovem, cheio de vida e sonhos, as contrariedades passam sem darmos por elas.

sábado, 4 de março de 2017

A partida à Mãe

Continuando a respigar alguns textos tirados de outros escritos meus, aqui fica um que faz parte do meu "best seller" (eh...he...eh...) autobiográfico "O Lagarto". Perdoem-me algum vernáculo, mas descrever brincadeiras de putos sem uns palavrõesitos, até ficava mal.
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O puto chegou ao quintal, cagou as mãos de lama tendo antes metido o lagarto no bolso das calças com a cabeça para dentro. – Oh mãe tira-me aqui o lenço do bolso que tenho as mãos sujas...
Pobre senhora. O susto que levou deixou-a sem fala. Nem os gritos saíam da garganta. Até o puto que ria que nem um possesso, ficara depois arrependido da brincadeira não fosse dar algum trangolomango à pobre Mãe que no fundo tão carinhosa era e tão bem o tratava. Depois, pedia desculpa choroso prometendo não voltar a fazê-lo e, também com algum medo que ela fosse contar ao Pai que não era para brincadeiras.
O Pai era companheiro, tinha feito sacrifícios para que o filho estudasse num bom colégio, mas confiava nas capacidades do puto, não chateava com aquelas merdas do vai estudar olha que se não estudares não sais, não senhor lá nisso era bestial o puto lá sabia que aquilo era para seu bem e, portanto, tinha obrigação mas, se as polantices fossem grandes e passassem das marcas... mais valia fugir pois as galhetas eram fortes e bem aplicadas, no entanto lá companheiro era, iam os dois à caça e uma vez por outra até o deixava dar um tirito com a caçadeira, normalmente aos tordos poisados nas oliveiras. Recordava as paródias nas adegas dos amigos quase sempre nas provas da água-pé ficando as caçadas muitas vezes por ali por, às pernas, pesadas demais, a caminhada já não apetecer. Também lembrava as ajudas que deixava dar nas reparações caseiras e na feitura das capoeiras dos coelhos e galinhas de que tanto gostava. Não eram campesinos, antes pelo contrário, de uma família médio-burguesa lisboeta, um Avô paterno que com um curso de Farmácia se estabeleceu em Angola por onde fez andar a família cá e lá e por lá morreu, mas o Pai sempre teve a ideia de viver no campo e assim o fez. Por um lado ainda bem, pois ver passar a juventude metido num andar ou a roçar o cu pelos cafés seria o fim. Assim, apesar de próximo de Lisboa, viver no campo era uma maravilha e, por lá aprender a vida com pastores de cabras e putos de pé descalço, coisa que queria imitar mas nunca foi capaz, sempre teve uns pés de prima-dona, qualquer pedrinha lhe dava cabo da pele e lá tinha de calçar as sandálias. Maricas... maricas... gritavam eles vendo que mal conseguia correr com as sandálias ao pescoço parecia um pardalito saltitando para evitar as pedras pontiagudas que teimavam em foder-lhe os pés. - Vão para a puta que os pariu, vou, mas é calçar-me e deixar as pedras para as cabras e para vocês, cabrões. Estes epítetos eram costumeiros e não ofendiam, a linguagem era livre entre a rapaziada que não via nas palavras significados pejorativos. Aliás toda a gente sabe que as palavras à força de repetição perdem o significado. Se não acreditam experimentem. 
O que se “rénava”, as caçadas aos grilos, as passarinhadas conseguidas com ratoeiras (costelas) e fisgas. A fisga... Ainda hoje existe… era o símbolo da força, a arma de então. Normalmente feita com uma vara bifurcada de oliveira ou acácia e elásticos de câmara-de-ar que se comprava no Pai do Joca, ferro-velho abastado, mas que nunca deu nada a ninguém, e lá iam os dez tostões que a Mãe desencantava depois de muito instada. Eram uns autênticos malabaristas conseguiam acertar numa caixa de fósforos das pequenas a 20 metros de distância. As desgraçadas das lagartixas também serviam de alvo, pobres bichos. Já namorar e andar de fisga no bolso muitas vezes largando a miúda no meio duma grande beijação para tentar lixar um ou outro melro, que incauto poisava perto, era costumeiro. Muitas vezes saía-se pelas 7 da manhã e lá se ia para o campo colocar as ratoeiras. Armados de frigideira, um bocado de banha de porco, um pouco de sal e a fritada era feita mesmo ali depois da passarada depenada e arranjada com o canivete que se guardava numa cova das serras não fossem os Pais dar com ele e era o cabo dos trabalhos, armas brancas consideradas perigosas para eles ou os outros não eram permitidas. Incongruências de adultos que depois os mandavam à erva para os coelhos armados de foices afiadas ou de enxadas de bicos para tratarem do quintal. Como se o canivete fosse arma perigosa e as ditas alfaias apenas servissem para o fim em vista. Outras vezes com uma enfiada de minhocas e uma cana-da-índia, armados de chapéus-de-chuva velhos lá iam em dias de enxurrada quando a água estava bem barrenta, fazer grandes pescarias de enguias que naquele tempo proliferavam numa ribeira onde hoje só corre merda. O canivete servia para os golpes certeiros na nuca das bichas causando-lhes morte imediata impedindo assim a fuga das alcofas de palha, as mochilas daquele tempo. Desde aí o peixe de água doce, sempre lhe soube a minhocas, pelo menos ao cheiro que ficava nos dedos depois da faina.

quinta-feira, 2 de março de 2017

CAÇADAS

Em 1993, o nosso Boletim (Associação dos Pupilos do Exército) fez 50 anos. No trimestre de Out/Dez, o boletim nº 149 foi comemorativo da efeméride. O título desse boletim foi: “Os Pilões de Sempre”. Para esse boletim, muitos ex-alunos contribuíram com os seus escritos. Eu também fui convidado para o fazer e foi a primeira vez que contribuí com algo para a nossa publicação. Resolvi então escrever sobre “Caçadas”. Troquei de computador e passei os conteúdos para a nova máquina. Como foi a primeira vez que passei dados de um computador para outro, meti água e aqueles escritos foram-se. Encontrei agora um exemplar desse boletim e aproveitei para recuperar esse meu artigo. Aqui fica, no meu blog, para a posteridade.

1 – Lembranças do velho Pilão

Ainda hoje quando vejo uma lagartixa tenho a tentação de agarrar uma palha de aveia brava, elaborar um impecável laço na ponta, e dar-lhe caça imediata como fazia há quarenta e tal anos atrás no célebre muro da ribeira na 1.ª Secção.
Era um muro que exercia atracções várias. Desde a caça às ratas, em que o velho e saudoso Bily, cão fogoso e destemido que agarrava tudo o que fosse bicho, nos ajudava, passando pela serventia que tinha para o “salto”, até à caça das lagartixas, para tudo servia.
Sempre que havia oportunidade, normalmente acompanhado pelo Isca (19480251), pelo Calhau (19480247) e alguns outros que certamente o recordarão ao lerem esta lembrança, lá estava eu de palha em punho espreitando as pobres bichanas que ao sol, incautas e preguiçosas, esperavam pacientemente que as moscas se colocassem a distância necessária para que com um salto repentino lhes servissem de almoço.
Depois de várias peripécias e já com algumas lagartixas penduradas, o Isca, o mais irrequieto de todos nós, inventava um divertimento que consistia em fomentar lutas titânicas entre os pobres repteis que, enfurecidos pelo cativeiro, se tornavam ferozes crocodilos mordendo-se mutuamente. Depois, soltos e colocados novamente no muro, os bichos serviam de alvo às certeiras pedradas lançadas pelas fisgas que sempre nos acompanhavam. Os pobres animais raramente escapavam à brincadeira da rapaziada que agia sem maldade mas apenas por gaiatice.
Hoje o muro da ribeira não existe. Os imperativos da urbanização não se compadecem com velhas recordações. É sempre com saudade que passo pela 1.ª Secção e me revejo junto do muro, com os velhos companheiros à caça das lagartixas, como se os quarenta anos passados não tivessem existido.

2 – Lembranças de África

No planalto imenso a quietude era apenas perturbada pela ondulação da folhagem e pelo gritar das aves.
Semi-deitado no banco do jeep deleitava-me com a paz circundante enquanto saboreava a merenda acompanhada de cerveja enlatada já meia mole.
A hora era de paragem. O crepúsculo não permitia a visão, mas era cedo para ligar o farolim. Os homens, deitados sobre o capim, sussurravam talvez relembrando anteriores caçadas.
A escuridão caiu sobre nós. Peguei na velha 375 e fiz sinal. A paz da savana foi que quebrada pelo falatório e movimentação dos homens preparando o material. Os motores roncaram, acenderam-se as luzes, e a caçada começou.
De 375 nos joelhos, saltando a cada solavanco, ia dizendo graçolas ao Lino que, com o farolim varria todo o mato à nossa volta.
Dava gosto observar como aquele homem farolinava. Ele não via, lia no terreno e na vegetação. Com uma única passagem observava o rasto dos animais, os seus excrementos, a direcção por eles tomada e pelas ramagens sabia se os elefantes por ali tinham anbdado. A sensação de caça próxima excitava-me, o meu condutor, homem que conduzia com um olho no bicho outro na picada, disse-me: “Quando as encontrarmos já sabe, apenas um tiro e mortal como de costume. “OK” respondi “já sabes que comigo eles não sofrem.
Mal acabara de falar quando um sinal do Lino me levou a seguir o foco do farolim mostrando-me ao fundo uns olhos bem luminosos. Muito silenciosamente aproximámo-nos das pacaças já alerta pelo ruído e pela luz. Levantavam e baixavam as cabeças denotando inquietação e curiosidade. Quando persentiram o perigo arrancaram. Como que impelido por uma mola o jeep deu um salto e a perseguição começou.
De cotovelos fincados do pára-brisas, baixado sobre o “capot”, e fazendo esforços para me aguentar, apontei ao maior macho que galopava 30 metros à nossa frente. O tiro partiu. O animal atingido desmoronou-se sob um manto de poeira, enquanto os restantes se dispersavam sumindo-se na escuridão. Parámos no momento em que o pacação se levantou. Ficámos frente a frente durante alguns segundos. No silêncio que se seguiu admirei o belo animal que, com chispas no olhar enfrentava os seus inimigos. No instante em que investiu o tiro atingiu-o no coração. Aproximámo-nos. A excitação foi-se esbatendo lentamente enquanto descia do “jeep”. Olhei mais uma vez o corpulento animal abatido.
“Carreguem-no” disse para os homens que, entretanto, se tinham juntado a nós. “Dois tiros? Está a perder qualidades” disse-me o condutor com ar gozão.
Sorri-lhe e dirigi-me ao “jeep” pensando que nem um devia ter dado, mas a febre da caça tomou-me de novo e preparei-me para seguir o rasto da manada que não devia estar longe.

3 – Caçada aos facocheros

O carro ziguezagueava por entre troncos, pedras e buracos. Em cima os caçadores procuravam não acabar no chão ou com a cabeça esmagada contra alguma ramagem. Os tiros, forçosamente mal apontados, iam partindo e deixando no chão rasgos junto dos bichos. A excitação era grande. A poeira secava e entupia as gargantas. O condutor fazia prodígios para se manter na rota dos animais, que serpenteavam escolhendo os piores caminhos. De solavanco em solavanco, tio a tiro, empolgados pela correria, lá iam seguindo os porcos. Um dos animais caiu varado. O carro parou. Alguns tiros para os que fugiam, perderam-se no mato. Tremendo de emoção e excitação, os caçadores sentaram-se junto do facochero abatido. Acenderam-se cigarros. Um dos companheiros falou: “Um dia destes ainda partimos a cabeça”. Todos sorriram. Carregaram o animal, subiram para o carro e continuaram a caçada.

4 – Homens e Bichos

Homem e bicho olharam-se. Nenhum alterou a sua imobilidade. Ambos conheciam o seu valor. Homem que não foge, quando se encontram, é homem habituado à caça e não tem medo. Aquele então, olhava a direito e de forma fixa. Não era um olhar de ódio, mas de admiração e desafio. O primeiro a movimentar-se foi o bicho levantando-se pachorrentamente. Bocejou e voltou costas. O homem levantou a arma e apontou. O bicho, após alguns passos, voltou-se e fixou o adversário. Os olhares cruzaram-se. Ambos sabiam que um movimento mais agressivo podia ser a morte. Após alguns segundos, o bicho seguiu o seu caminho e a arma quedou-se emudecida.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

POSEIDON E NEPTUNO

Escrevi este texto já lá vão 4 anos. Penso até que já postei, parte dele, aqui. Está na altura de o recordar em honra dos amigos que nadam comigo na piscina.

Mergulhei. A coluna precisa de exercício. Aquelas picadas de Angola e Moçambique deram-lhe muito trabalho. "Precisa de músculos." Disse-me o clínico. "Para aguentar os machucamentos que isso foi tendo. As almofadas também já estão gastas. A idade não ajuda. Olhe que nadar fazia-lhe bem."
Fiz-lhe a vontade. Lá ir todos os dias ao hospital para a fisioterapia é que não vou. Antes lumbágico.
Agora, ali mergulhado, olhava, através dos óculos protectores do cloro, os ladrilhos do fundo da piscina. Os reflexos dourados provocados pela luz solar penetrada através das vidraças da grande janela e movimentando-se na água límpida, pareciam-me fulgores cintilantes desprendendo-se do nada e vindo até mim como mensagens telepáticas, mas visíveis, de um qualquer “Poseidon” de água doce. Fossem ou não missivas de um ser do Olimpo das profundezas, o certo é que me traziam uma enorme sensação de bem-estar, relaxamento e faziam-me esquecer a porcaria em que o meu País se tornara (isto em 2012). O meu pensamento, normalmente inquieto, entrava em letargia.
E pensei; “Lá está a natureza mítica do homem a criar deuses para sossego do seu cérebro irrequieto e temeroso.”
Nadei, mergulhei, procurei e nada encontrei. O deus enviador de luz calmante, não estava lá.

Ao sair da água voltei à realidade. Mas eles estavam lá.

Poseidon versus Neptuno

Poseidon estava sentado sobre um casco de navio afundado quando reparou que uma concha puxada por golfinhos se aproximava. Era Neptuno que o vinha visitar. Poseidon preparou-se para o receber. Já sabia que iam discutir. Nunca se entendiam. Cada um reivindicava a supremacia sobre os oceanos.
 Olá Poseidon – disse Neptuno. – Sentado num casco de navio? Que fazes aí?
 Este, onde me sento, foi baptizado pelos homens com o meu nome. Quem os autorizou a isso? Darem o nome do deus dos mares a uma casca de noz. Como se um simples objecto criado pelos mortais merecesse o meu nome. Para provar que sou o mais poderoso, virei-o ao contrário afundando-o. Foi giro ver todos aqueles seres mesquinhos e pequenotes a tentarem salvar a pele. Morreram quase todos e, não foram todos porque alguém tinha que ficar para contar a história. Vens tu agora, usurpador do meu trono, ou por outra, em tentativa de usurpares o meu trono, colocar algo em causa?
 Estais enganado, o rei dos mares sou eu, assim determinaram os senhores do mundo, que me criaram. Os Romanos assim o quiseram e assim será.
 Rapazola de um raio, quando apareceste já eu reinava há muito sobre os mares. Os meus criadores, os Gregos, eram os detentores das ciências, das filosofias e das artes. Os teus senhores, esses miseráveis Romanos, vieram muito depois usurpar tudo o que de bom os gregos deixaram. Criaram então deuses para substituírem todos aqueles que já por cá andavam, mas as bases são gregas e os principais deuses também. O reino dos mares é meu quer tu queiras ou não.
 Isso veremos. Fui eu que deixei ou permiti que muitos povos percorressem os mares. Fui eu o cantado por Camões e, até Fernando Pessoa, o ilustre poeta português, que me colocou em terra personificado no “mostrengo”, aquele que defendia dos mortais o cabo tormentoso, só se tornando de “Boa Esperança” depois de eu deixar passar aquele povo heróico que descobriu mais de meio mundo. Eu permiti a passagem aos homens, tu mataste-los por ignomínia. Tu que foste engolido pelo teu pai à nascença. Tu que só por bondade de Zeus foste regurgitado por Cronos. Não tens direito a reinar aqui.
 Ah! Ah! Ah! Pobre réplica de mim. A história está cheia de réplicas de deuses como tu. Foi a nossa história, que os teus pais romanos estudaram. Foi essa que copiaram para fazerem seus os nossos deuses. Fizeram-te filho de Saturno e irmão de Júpiter e Plutão. Chamaram-te deus das fontes das águas e também dos terremotos. Que tinha a terra a ver com o mar? Esses romanos eram loucos. Tenho a impressão que houve já alguém a dizer isto… Parece-me que foi o Asterix…
 Asterix? Não conheço.
 Claro! És um ignaro e uma fraude. Asterix foi um que nunca se subjugou aos teus patrões e sempre os combateu nunca lhes permitindo ocupar a sua aldeia na Gália, a Armórica. Foram homens como ele e os seus pares, os percursores da vossa queda. O pior é que outros vieram e outros deuses também criaram, tornando a nossa história em mitologia. Um dia os deuses deles também virarão mitologia e outros deuses aparecerão. Parece que a humanidade, esses pobres seres, não sabem viver sem deuses.
 Caro Poseidon, antes que os nossos tridentes se cruzem, vou dar uma volta por aí. Vai mas é para Copenhague e deixa-te lá ficar sobre um pedestal, eu volto para Florença. Fico numa das fontes que criei.
O fundo da piscina reflectia raios dourados como hexágonos que ora se alongavam ora se contraíam como raios eléctricos, chamando-me à realidade. Perdi de vista os deuses que me ocuparam a mente durante segundos e saí para o balneário. Já debaixo do chuveiro constatei que o Asterix também não tinha toda a razão. Não só os Romanos eram loucos, toda a humanidade também…


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Concerto para violino e orquestra de Tchaikovsky


(Publicado no Boletim da APE nº 223/11)

Esta é uma das mais sublimes melodias saídas do cérebro de um génio. Pyotr Ilyich Tchaikovsky

Piotr Ilich Tchaikovsky nasceu em Maio de 1840, na cidade de Kamsko-Votkinsk, na Rússia, filho de um ucraniano e de uma russa de ascendência francesa. Desde cedo começou a interessar-se pela música e aos cinco anos já aprendia algumas árias com sua mãe, num velho órgão mecânico da sua casa. Foi em São Petersburgo que o compositor teve as primeiras aulas musicais com diversos professores particulares. A família queria que fosse advogado. Cursou Direito, tendo sido um estudante aplicado e, tendo, ao mesmo tempo, sido empregado no Ministério da Justiça. Em 1863 decide dedicar-se inteiramente à música abdicando da carreira jurídica e matricula-se, por três anos, no Conservatório de São Petersburgo. Mais tarde deu aulas de Teoria Musical e Composição. Foi professor até 1878. Viaja depois pela Europa onde trava conhecimento com grandes mestres e compositores.
O Concerto para violino e orquestra foi composto em 1878 com o intuito de ser pela primeira vez tocado por Leopold Auer, um virtuoso professor de violino da época, mas, por estranho que pareça, este recusou-se a interpretar a peça por achar que a mesma era impraticável, o que deixou o compositor deveras abalado. Mas, em Dezembro de 1881, o seu concerto estreou em Viena interpretado por Adolf Brodsky que se atreveu a executá-la. Auer, muito mais tarde, viria a rever a sua posição e acabou por interpretar a peça que anteriormente rejeitara.
Tchaikovsky não teve uma vida feliz. Problemas com as suas tendências homossexuais, leva-o a escrever ao seu irmão que, para acabar com os rumores e maledicências e, também para tentar livrar-se da sua obsessão sexual, vai casar-se. Casa-se então com uma aluna do Conservatório de Moscovo, Antonina Miliukova. Esse matrimónio obviamente que não resultou, inicialmente porque a sua esposa não se interessava pelas suas composições e projectos mas também porque o compositor não conseguia livrar-se das suas tendências. Foi apresentado, por Rubinstein à baronesa Nadyezhda von Meck, que atraída pela obra de Tchaikovsky o incumbe de algumas transcrições para violino e piano mas, mais tarde, torna-se no seu mecenas, sob a única condição de comunicarem somente por carta. Essa correspondência durou catorze anos, sem nunca se terem visto. O mecenato livrou Tchaikovsky das suas dificuldades financeiras.
Tchaicovsky compôs todo o género de música e toda ela sublime. São conhecidíssimas as suas obras para “Ballet” tais como:
 Lago dos Cisnes, O Quebra Nozes, A Bela Adormecida, entre outros. Nas aberturas, a sua “Abertura 1812” dedicada à vitória russa sobre Napoleão é uma portentosa e empolgante peça musical. E nas óperas, a também célebre, “Eugene Onegin” além de várias sinfonias e concertos.
Lembro-me de, em S. Salvador do Congo, acordar muitas manhãs, ao som maravilhoso do concerto para violino, de três andamentos, interpretado por um genial violinista, de seu nome David Oistrakh, para mim o melhor executante de muitos que já ouvi interpretar este famoso concerto. Mais tarde, o seu filho, com o mesmo nome, foi também um excelente violinista, mas sem chegar ao virtuosismo do pai. Era um disco pertencente a um dos meus furriéis, apaixonado por música clássica e cantor no coro do nosso Teatro de São Carlos. Nunca me cansei de escutar esta obra sublime e ainda hoje o faço principalmente em momentos mais negativos. Recolho-me na minha sala, de porta fechada, e deixo-me envolver. Remédio santo!
Neste concerto, a primazia é dada ao solista, mas a orquestra está lá e, nos momentos certos, irrompe com uma sonoridade impressionante sobre o tema que o solista nos oferece.
Hoje na internet está lá tudo. Podem ver e ouvir grande parte do 1º andamento deste concerto pelo grande David Oistrakh, é só seguirem o “link”.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Árias, aberturas, adágios e quejandos.

Gosto de livros e gosto de música e muita coisa sobre isso já coloquei aqui no blog, o que escrevi abaixo foi publicado no Boletim da Associação dos Pupilos do Exército e, portanto, muitos já conhecem. Se sim passem ao lado. Para quem não conhece é uma sugestão para que oiçam boa música


Hoje vamos falar simplesmente de música. A música, a chamada “boa” música, é como o cinema. Assinalo a palavra boa porque boa é toda aquela de que nós gostamos, seja ela clássica, moderna, rock ou pimba. E digo que é como o cinema, porque ver um filme no sossego e ambiente de uma sala própria, não é a mesma coisa de o ver em casa na TV. Na nossa sala, jantamos, a mulher fala, o cão ladra, a porta toca, os putos berram e nós acabamos por ver o filme atravessado, perdendo normalmente pormenores de muito interesse. Com a música é a mesma coisa. Esta deve ouvir-se ou em salas de concerto ou na nossa sala sozinhos, colocando o CD no aparelho e deixar a quadrifonia espalhar o som de forma, a que o mesmo entre pela nossa cabeça. Sentados na cadeira da sala de concertos ou no sofá da sala, de olhos fechados e ouvido aberto, até podemos “ver” as notas a serem colocadas na pauta pelo compositor, identificar os naipes instrumentais, e imaginar o maestro à frente de uma grande orquestra.
É assim que gosto de ouvir a minha música, ou melhor, gostava, porque, entretanto, o laser do aparelho pifou e ainda não comprei outro. Limito-me agora a colocar o CD no computador e ligar este ao amplificador. Também resulta.
Depois deste intróito vamos então dissertar um pouco sobre árias, aberturas, adágios e quejandos, que valem a pena ouvir, daquele tipo de música de que mais gosto, que é como já é sabido, a dita clássica.
Coloquem o CD no local próprio e rodem o adágio da Thais, de Massenet e deixem-se envolver por essa linda e romântica melodia que nos deixa arrepiados pelo som sublime. Podem depois passar para uma bonita ária, como por exemplo Ó Meu Banbino Caro da ópera Gianni Schicchi, de Puccini. Desta ária existe uma muito boa interpretação de Maria Calas, mas também muitas outras de grandes sopranos. Oiçam a seguir a Serenata de Toselli, o Adágio de Albinoni, o Intermezzo da Cavalleria Rusticana de Mascagni ou o Adagietto da sinfonia nº 5 de Mahler.
Poderão também optar por obras como: As quatro Estações, de Vivaldi, a Abertura 1812, de Tchaikovsky ou a Abertura de O Morcego, de Strauss.
Todas estas músicas que aqui refiro, são excelentes exemplos que desmistificam a música clássica, mostrando quão simples, romântica e melodiosa ela pode ser como qualquer canção dita ligeira. Depois destas audições, estou certo que os meus caros amigos, que não as conheciam, ficarão adeptos e aqueles que já conhecem e apreciam, vão já para o vosso salão mais amplo, colocar o CD na aparelhagem e recordar alguma ou todas estas excelentes obras. Não ponham o som demasiado alto, não só para não darem cabo dos ouvidos, como também para que os vizinhos, menos apreciadores, não comecem a bater nas paredes. Deixem a música penetrar nas vossas consciências e vão ver como depois, estarão mais despertos, sensíveis e conscientes do que vos rodeia e abertos para compreenderem os vossos semelhantes. Se tiverem netos, poderá ser uma boa forma de iniciação à apreciação da bela música, aproveitando também para falarem um pouco sobre a vida e obra dos autores. Serão, de certeza, os ouvintes do futuro. A boa música merece ser ouvida e divulgada.
Para lhes dar um cheirinho aqui fica o link da "Meditação" da Thais numa interpretação da orquestra de câmara da nossa GNR:

http://www.youtube.com/watch?v=M6eRCT_hr1E


E o Adágio de Albinoni com lindas paisagens:

http://www.youtube.com/watch?v=XMbvcp480Y4


E ainda o belíssimo adagietto da sinfonia nº 5 de Mahler dirigido por Bernstein:

http://www.youtube.com/watch?v=bFXBR5Cd0ao

E por agora chega. Se estiverem interessados procurem os outros temas no Google.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

A Obra de Deus



Deus estava deveras aborrecido. Dera um piparote num berlinde que por ali andava e provocou uma enorme explosão de bolas, umas grandes, outras pequenas, umas quentes e luminosas, outras mais frias e sem luz, tudo aquilo se expandia e não parava, mas tudo acabava por ser entediante. Ele era o verbo, mas falar para quê e para quem? Levou, pelo menos, uns 9,5 mil milhões de anos a pensar no assunto, até que resolveu pegar numa daquelas bolas, por acaso uma das mais pequenas, e fazer dela uma obra de arte. E tanto se entreteve que nem deu pelo tempo passar. Continuava sem ter ninguém com quem falar, apesar de ser O Verbo. Ao fim, para aí, de uns 4,3 mil milhões de anitos, já farto de peixes, lagartos, ursos, macacos, etc., resolveu criar um macacóide que conseguisse falar, para que a sua mensagem fosse conhecida. Primeiro acabou com umas bichezas a que chamara dinossauros, uma vez que a sua dimensão não seria compatível com o animal que queria criar. Pegou numa imagem do tal macacóide e fez uma a que chamou homem, bastante parecido com os seus congéneres, mas o raio do bicho saiu feio e estúpido. Levou mais uns anitos e ao fim de mais uns 4,296 mil milhões lá conseguiu criar um tipo, mais bem apessoado, que já falava razoavelmente, pensava e construía umas coisitas. Para que não ficasse sozinho, fê-lo acompanhar por uma sua congénere para que se ligassem e tivessem descendência. A partir daí, o tédio de Deus foi desaparecendo. Por essa altura, já teria passado algum tempo e dos 4,296 mil milhões de anos, só faltavam uns duzentos mil anos para a época deste pobre escrito.
A este último espécime, deu o nome pomposo de homo sapiens. Este tipo foi aprendendo umas coisas boas e também outras muito más. Não lhe ligava nenhuma, matavam-se uns aos outros, roubavam-se entre si, raptavam as mulheres uns dos outros, enfim, montes de malvadezes. E aí Deus chateou-se. Escolheu um que era bonzinho e disse-lhe que fizesse uma arca (tipo barco), metesse lá um casal de cada bicheza da terra (grande bote) e que embarcasse junto com a família porque ele ia mandar chuva. E mandou tanta que cobriu o ponto mais alto da terra e lá foi tudo para o bé-lé-léu. Ao fim de 40 dias e 40 noites, o tal embarcadiço mandou uma pomba e ela voltou com um ramo de oliveira no bico (grande esperança). Devem ter-se servido da madeira da arca para fazerem casas porque nunca mais ninguém encontrou sequer vestígios do bote. O certo é que se multiplicaram, e dentro de mais uns anitos lá repovoaram a terra de novo. Mas mesmo assim Deus não conseguiu que se tornassem bons. Continuavam a fazer maldades e até houve duas cidades onde se entretiveram a copular uns com os outros, mesmo os de sexos iguais. Crime de lesa pátria, se fosse hoje, Deus ficaria muito mais lixado ainda, mas naquele tempo não havia Assembleias Legislativas para legalizarem essas más coisas, o facto era crime de lesa majestade. Vai daí Deus resolveu acabar com essas duas cidades e desta vez foi pelo fogo. Mas salvou uma família, pai, mãe e duas filhas e disse que fugissem para a montanha sem olhar para trás ou eram severamente castigados. Dizer isso a um homem, ou até a crianças obedientes ainda vá, mas dizê-lo a uma mulher feita, é coisa que não se faz. Mulher não consegue passar e não dar uma espreitadela. Foi o que ela fez e ficou transformada em estátua de sal. Sal? Porquê? De pedra ainda vá, mas de sal? No meio da montanha? E o pior é que lá ficou o pai, só com as meninas dentro de uma caverna. Ao fim de uns anos, as coitadas não tinham descendência e resolveram embebedar o pai e com ele terem relações para engravidarem. Se assim o pensaram melhor o fizeram e lá se consumou o incesto. Não percebo essa. Então Deus destrói duas cidades por pederastia e lesbianismo e depois aceita o incesto? Mau! Que raio de critério. Mas Deus queria era voltar a criar comunidades a partir de seres bons e cumpridores. Parece que nunca conseguiu. Omnipotente? Onde? Os tais homosapiens, agora já todos só chamados homens, continuaram a portarem-se mal e a não temerem a Deus. Com medo de serem novamente afogados por ouro dilúvio, que nunca mais chegou, resolveram construir uma torre tão alta que nenhum dilúvio a cobrisse. Deus zangou-se novamente e resolveu confundir-lhes as línguas, o que foi uma grande gaita. Dos resquícios dessa torre, devem ter feito muitos tijolos, pois todo o mundo continua à procura e ninguém lhe encontra uma pedrinha sequer. A partir daí foi a confusão total até aparecerem os ingleses que, como nunca conseguiram aprender qualquer outra língua transformaram a deles em língua universal. Ainda houve uns artistas que tentaram e conseguiram construir uma língua universal, o esperanto, mas os ingleses nem essa aprenderam e boicotaram tudo de novo sem apelo nem agravo. A partir daí Deus deve ter mandado tudo às couves pois nunca mais castigou a humanidade. Mas a dita humanidade, quase toda, continua agarrada a Deus e não só ao ser de quem falámos, arranjaram outros e estabeleceram-lhes diversos cultos. Se tivessem ficado por aí, vá que não vá, mas o pior é que cada culto só admitia o seu como verdadeiro e guerreava os outros. Conclusão, guerras não faltaram e nenhum dos deuses lhes valeu. Parece pois que os seres divinos se zangaram de todo com os homens e voltaram para o “dolce fare niente”. Até que apareceu um tipo chamado Abraão que nasceu em Ur cidade suméria num território, hoje chamado Iraque. Esse rapaz teve dois filhos, um de sua escrava, a quem deu o nome de Ismael e outro Isac.
O Ismael fundou a religião ismaelita ou islamita e o Isac a religião judaica. Mais tarde da Judaica nasce a Cristã e das duas nasce o mundo muçulmano através do profeta Maomé. Mais valia que estivessem quietos. A partir daí foi o granel total e Deus entrou em greve.


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O Piolho



(Capítulo publicado no Boletim da APE nº 207/07, de um "livro" autobiográfico O Lagarto)

O bicho subia pelo cabelo com alguma dificuldade. A subida era difícil por escorregadia. O excesso de brilhantina não ajudava. Após muito esforço chegou ao cimo e tentou passar para outro cabelo. A distância era grande. O redemoinho no alto da cabeça afastava os cabelos qual rodopiar de carrossel. Como não conseguiu passar resolveu descer de novo. O rapaz não tirava os olhos do puto que, genuflectido à sua frente, era portador daquela bicheza. A mãe já lhe havia dito que nas escolas se apanhavam bichos daqueles, que era uma porcaria, que só os ciganos e os que não tomam banho é que têm. Como pode? Tão bem vestidinho que o puto estava, fato e gravata, fatinho azul-escuro. Normalmente, nas terras pequenas, as mães faziam gosto que os seus filhos fossem à missa com o fatinho de “ver-a-deus”, mas esqueciam-se de lhes dar banho ou o orçamento caseiro não lhes dava para tal e mais vale uma alma lavada do que o corpo, esse não vai para o céu. O piolho, parece que era este o nome do bicho, tentou subir outra vez e caiu desamparado. O rapaz tocou suavemente o cotovelo da rapariga a seu lado. A moça olhou para onde o dedo do rapaz apontava. Ao ver os esforços do pobre piolho, tentou parar o riso com a mão na boca e este saiu-lhe pelo nariz e com bastante ruído. O rapaz não se conteve e o riso estoirou ruidosamente apesar dos esforços titânicos para o conter. O riso é assim, quanto mais se contem mais ele teima em prolongar-se. E quando as pessoas olham umas para as outras, como cúmplices, ainda é pior. Os crentes, despertados das suas preces, já olhavam com olhos furibundos pelo sacrilégio. Uma igreja não é local para aqueles despautérios, estes miúdos não respeitam nada nem ninguém, nem tomam atenção à missa, como se alguém tomasse, era dita em latim, e dessa língua só os padres percebiam. O padre, do cimo do altar, fuzilou-os com o olhar e ordenou que saíssem da sua igreja. E agora? Era domingo de Páscoa! A Dª Eduarda, sua professora e catequista, tinha andado a prepará-lo para a comunhão solene, queria que ele brilhasse, queria-o na missa todos os domingos e ele que gostava tanto dela não a contrariava.
A professora era pequenina, não muito bonita, mas jeitosa. O marido era um também pequenino, mas com cara de macaco. O rapaz andava completamente apanhado pela atenção que a Dª Eduarda lhe dava. Ela tinha no rapaz grande esperança. Queria que ele fosse o melhor. Andava a prepará-lo para três exames ao mesmo tempo, 3.ª, 4.ª classes e admissão aos liceus, prova considerada muito difícil e que exigia muito do rapaz. Depois de todos saírem ele ficava mais duas horas. Era dessas horas que mais gostava, tinha a professora só para ele. Ela sentava-se na carteira a seu lado, a sua proximidade dava-lhe sensações de arrepio deliciosas. O moço esforçava-se por apreender tudo o que ela lhe ensinava. Poderia ser que assim ainda gostasse mais dele.
Agora, enquanto percorria rapidamente a nave central da velha igreja em direcção à porta, não fosse o padre irar-se e dar-lhe com o hissope na cabeça ou com o turíbulo nas canelas, perguntava-se como iria comer as amêndoas que sempre se distribuíam aos domingos de Páscoa. Maldito puto que tinha de levar um piolho para a igreja e postar-se mesmo na sua frente. O que vale é que saiu com a Mariana e ela era bem gira e dava muita bola. Já tinham andado nas dançariquices, lá no clube onde o pai era director. Apesar de ainda muito novos já dançavam muito bem e aproveitavam para se apertarem e roçarem. Assim se iam descobrindo sensualidades e anatomias escondidas.
Logo que saíram a porta, o rapaz levando a rapariga pela mão correu à volta da Igreja encaminhando-a para o átrio da sacristia, lugar resguardado das vistas de quem passava. Encostou-a à parede, junto da porta, pegando-lhe nas mãos com os dedos entrelaçados, e baixando-as de modo a conseguir encostar-se o mais possível. A moça ficou totalmente presa, mas não se mostrou incomodada. O rapaz beijava-a na cara e no pescoço roçando-lhe os lábios com os seus provocando-lhe risinhos nervosos, mas ela ia consentindo naquela volúpia que a percorria com sensações já não completamente estranhas. Com o encosto sentia-lhe o peito bastante desenvolvido para a idade. O rapaz pensava como seria bom fazer aquilo com a Dª Eduarda…Ah! Se pudesse…enquanto pensava na sua professora aproveitava a anatomia da Mariana. Estava ele a meter a mão por trás dela a caminho sabe-se lá onde, quando uma voz os fez saltar…era o safardana do sacristão que tinha aberto a porta da sacristia sem eles darem por isso. Pudera, naquela situação não se vê nada em volta…
– Que é isto? Já daqui para fora seus malandros. Vou fazer queixa ao padre, seus safadinhos. – O sacristão era coxo e tinha os olhos tortos. Metia medo ao susto. Tipo completamente execrável, bufo, misógino e completamente assexuado. Era unha com carne com o padre que dele se servia para estar a par dos mexericos da terra e dos pecadilhos dos paroquianos.
Correram desalmadamente rindo ao mesmo tempo da situação e do susto. O rapaz convenceu a moça a voltarem para a igreja, a missa já devia ter terminado e o padre já nem se lembraria deles nem da risota por causa do piolho. Assim fizeram dirigindo-se à bandeja das amêndoas que uma das velhas beatas de sacristia empunhava ainda cheia apesar das mãos ávidas que a rodeavam. O rapaz tinha a certeza que era aquela bandeja e não a fé que enchia de jovens a igreja nos domingos de Páscoa Os doces, para quem raramente os provava, eram mais atractivos do que as muito chatas e desenxabidas homilias do padre da paróquia.
A moça ainda apresentava na face o rubor das deambulações amorosas. O rapaz já só pensava o que lhe diria a professora, na escola, sobre o que se passara durante a missa. Fazia votos para que o sacristão nada dissesse ao padre pois este certamente iria meter tudo nos ouvidos da Dª Eduarda.
Quando, no primeiro dia de aulas após as curtas férias, chegou à escola, ia receoso. A professora olhou para ele quando a cumprimentou, mas nada disse. O dia passou sem problemas. Quando os outros saíram, a professora já ao lado dele, perguntou-lhe o que fora aquilo durante a missa de Páscoa. O rapaz contou-lhe do piolho e como não tinham conseguido conter o riso. Que o desculpasse, mas nunca tinha visto um piolho a fazer acrobacias como um artista de circo. Acabaram os dois a rir. Felizmente sobre o que se passara na porta da sacristia nada foi referido. O rapaz ficou contente e ao mesmo tempo todo orgulhoso por a sua professora, tão querida, lhe ter perdoado o sacrilégio involuntário.
Tão redondinha que ela era. Tão carinhosa para com ele. Aqueles óculos grossos desfeavam-na um pouco, mas a miopia não perdoava. O Rapaz só não achava muita graça à beatice do seu ídolo. Ela dava demasiada atenção ao padre e passava muito tempo na igreja, aquilo não lhe agradava, mas o marido parecia não se importar, ele também era muito crente, talvez demasiado crente...
Os exames aproximavam-se, o rapaz andava assoberbado e cansado, o esforço era grande e não sobrava tempo para quase nada. A Mariana já não lhe ligava muito, como mais velha estava a crescer muito depressa. O rapaz estava a ser passado para trás, outros, mais velhos, andavam aproveitando.
Os exames chegaram e o rapaz safou-se. Após o exame de admissão sentiu-se um homem. Iria para o liceu e seria tratado por Senhor pelos professores, pelo menos fora isso que o pai lhe dissera.
Durante as férias grandes não viu o seu amor secreto, também não lhe sentiu muito a falta, mas antes das mesmas terminarem, teve o seu primeiro grande desgosto. A sua querida professora, o seu ídolo, o seu amor secreto, tinha mandado a lei de Deus às couves e fugira com o vizinho do lado. A sua fé em Deus e na raça humana começou a fraquejar.

O liceu foi uma má opção. O rapaz não se adaptou e o Pai decidiu que o Instituto dos Pupilos do Exército seria melhor. E foi. Aí os piolhos passaram a “ganaus” e ao aparecerem davam direito à carecada da ordem sabiamente executada pelos Srs. Ferreira e Couto. Pobres bichos que sem redemoinhos para vencerem acabavam extintos não provocando mais risos descontrolados durante as missas. O rapaz, em algumas daquelas a que não conseguiu escapar, sentiu saudades de um “ganausito” fazendo acrobacias para o distrair e, para piorar as coisas, a seu lado já não havia Marianas nem Professoras. Que saudade…