domingo, 23 de agosto de 2015

Sheherazade de Nicolaj Rmskij Korsakov


Estou ao computador e a ouvir no canal Mezzo a Sheherazade de Nicolaj Rimskij Korsakov. Este poema sinfónico levou-me a recordar os anos do Pilão e da Escola do Exército em que as minhas saídas, quando não para casa, eram aproveitadas para ir ao cinema. Entrei em 1948 e lembro que nesse ano ou nos dois seguintes estreou o filme “A Canção de Sherazade” com o francês Jean Pierre Aumont a interpretar Rimsky Korsakov e a Yvonne de Carlo no papel de uma espanhola por quem se apaixona. Yvonne de Carlo era então chamada da Estátua de Carne pelo seu físico e beleza. Yvonne era canadense mas radicou-se nos States. Também relembro, e agora confirmei na Net, que Jean Pierre Aumont era casado com outra diva, esta da república Dominicana, de seu nome María África Gracia Vidal de Santos Siles Y Gracia que todos nós conhecemos como Maria Montez, linda e escultural como a Yvonne. Este filme é uma história ficcionada sobre o famoso compositor que também foi oficial da marinha imperial russa. Numa das suas viagens Rimsky passa em Espanha e conhece a mulher dos seus sonhos por quem se apaixona e dedica esta famosa obra Sheherazade. Não sei se a história tem algo de verdade, os americanos eram useiros em desvirtuar as vidas dos famosos desde que isso lhes pudesse trazer lucros nas explorações dos filmes, mas que a história aliada à música nos empolgou na época isso é verdade. O filme já era em Tecnicolor e a beleza da De Carlo fazia o resto. Agora, a ver e ouvir o Mezzo, senti-me transportado aos meus 12/13 anos olhando embasbacado para aquela mulher, mas também emocionado pelas belas melodias de Rimsky Korsakov. Com a idade estou a tornar-me demasiado sentimental e um grande chato. Qualquer facto me transporta ao passado e as coisas boas que recordo empolgam-me e emocionam-me. Deve ser da velhice, mas o gosto pela bela música já por lá andava.
Fiquem bem e obrigado aos que ainda têm a pachorra de ler estas minhas recordações. Se vos apetecer recordar esta bela melodia, aqui fica o link:


sábado, 22 de agosto de 2015

A Morte de Um Herói


(Frank Ronan)

“EIS O VERBO DA MINHA BOCA E O LABOR DOS MEUS OLHOS, conjugados de forma que todos fiquem a saber o que aconteceu. Esta é a história de um homem que conseguiu apaixonar-se. Não se riam. É a história da sua morte, dos que desejariam ter sabido como ocorreu e dos que preferiam que tivesse sido um mistério.”…
“Talvez seja melhor apresentar-me. É um sinal dos tempos que correm que precise de o fazer. A maioria das pessoas conhece-me por Deus e, por agora, essa identificação vai ter de chegar-vos.”…

Parece incrível mas estas palavras são de Deus pois é Deus que vos vai relatar esta história. Quando tirei o livro da estante da casa do meu filho, não fazia qualquer ideia do autor. Frank Ronan nada me dizia. Fui mais atraído pela capa do livro. Um cenário em azul, verde mar e laranja mostrava um carro, um “Lância” descapotável azul, um sprite, precipitando-se de um penhasco com o condutor de camisa vermelha agarrado ao volante. O cenário deu-me a ideia de um policial e como já há muito não lia um, trouxe-o comigo. Esteve muito tempo na minha estante. Li dois ou três antes deste. Após tês grandes autores, Murakami, Umberto Eco e o nosso Mário Cláudio, resolvi pegar neste policial para amenizar. Surpresa das surpresas vou ficando quase sem fala ao embrenhar-me na trama que envolve o tema e vou cada vez ficando mais surpreendido pelos conceitos que o “Narrador” vai revelando.
O tema poderia até ser tomado como vulgar, se não fosse o narrador. Um tipo nascido nos campos da Irlanda e que cresce sem problemas tornando-se um ser óptimo, adorado por todos, sem quaisquer complexos, vencedor nato, um arquitecto de sucesso e um exemplo para todos. Não há quem não o adore e todos se deixam cativar pela sua personalidade. Acaba despenhado, no seu carro e morre curiosamente não da queda mas por afogamento quando a água cobre o carro preso nas rochas. Suicídio? Crime? Só uma pessoa observa tudo e só no fim se sabe quem é. A partir daqui, Deus descreve a vida deste tipo e aí começa o interesse do romance, pois que nos mostra um Deus completamente hedonista, descomplexado e até afastado da sua “criação”, que acha os católicos e judeus uns chatos mas que acaba percebendo que os ateus eram as únicas criaturas com quem valia a pena perder algum tempo. À medida que o romance se vai desenvolvendo vamos aprendendo a conhecer, através do ser divino, um tipo encantador, desprovido de complexos, usando o sexo sem quaisquer problemas com todos os que se rendem ao seu encanto, quer com as mulheres quer com os amigos e que acaba por ter sexo com a própria filha sem recurso à força ou qualquer outra forma de violentação, mas antes pelo contrário de uma forma consentida e apreciada. Com tudo isto Deus contemporiza, um pouco contristado é certo por nada ter com isso pois não interfere com a forma como a sua “criação” se comporta uma vez que apenas os criou e não para os controlar. A filha, talvez arrependida da sua ligação com o pai, acaba mal casada e descontente da vida que levou e decide acabar com ela não o conseguindo, pois alguém se adianta realizando o trabalho por ela.
“O AMOR NÃO DEVIA SER UMA COISA TÃO MÁ COMO É. Para que raio serve, afinal, o amor não passa disto? Fui o primeiro a meter-me nessa coisa do amor, antes dos românticos, antes do “Roman de La Rose” antes da canção de Salomão e da epopeia de Gilamesh. Quando vós começastes a sentir o instinto e uma espécie de fome entre as pernas, já eu era uma vítima calejada, um Epicuro amolecido; o que pretendo dizer é que fui o primeiro a sentir a solidão.
Os cristãos convictos dirão que Deus é amor, como se eu tivesse sido dominado pela doença do amor, como se fosse uma caixinha de chocolates em forma de coração e forrada a cetim, como se fosse possível esquecer que em tempos fui considerado o flagelo das nações, como se a palavra AMOR não estivesse presente em todos os escritos da inquisição como a palavra LIBERDADE nos campos de concentração, como se eu estivesse investido de uma simplicidade que não existe em coisa alguma. O céu tornou-se de tal modo uma figura de celulóide, tão pouco credível, que só me faltou ter um artigo de duas páginas na “Holla”.
No fim, quando tudo se esclarece e após um “flash back”, desculpem-me a analogia, do carro precipitando-se no vazio, Deus diz:

“Perdi-o e não posso trazê-lo de volta. Sou apenas Deus, e não fui eu que fiz as regras.”

Lindo!

Frank Ronan é um irlandês nascido em 1963. Escreveu já inúmeros romances e recebeu bastantes prémios.

No Times Literary Supplement pode ler-se:

Depois da Morte de um Herói ficamos tremendamente impacientes por ver aquilo com que Frank Ronan nos presenteará a seguir.”