domingo, 22 de dezembro de 2013

Reflexões


Percorro as ruas do meu bairro, mãos nos bolsos, pensamento na porcaria da vida, tentando encontrar uma razão para a existência, não a vejo, não a sinto, realizações já passaram, ficaram apenas algumas situações de utilidade, de ajuda à família, aos amigos, vontade de fazer algo, transmitir algo e não encontro o quê. As folhas mortas nos passeios levam-me a pensar em pássaros depenados. Olho as árvores e vejo-as nuas, semi-despidas, sem graça.  É o inverno, é isso, hoje é o dia 21 de Dezembro. Lembro que a partir daqui o sol vai ganhar à noite e começar a crescer em relação à escuridão. Os antigos festejavam este dia como o dia da deusa da fertilidade. Era o solstício, mais tarde substituído pelo Natal para mudar um costume pagão para outro cristão. Fertilidade… sinónimo de crescimento, progresso, renovação, aquilo que não vejo para o meu país, para  a minha vida, para a do meu filho. Pergunto-me o que terá este povo, que sendo, estoico, trabalhador e aventureiro, nunca foi governado pelos seus iguais, mas sempre por aqueles que se orientaram e se governaram a si próprios não garantindo aos seus pares aquilo que obtiveram para si. Pergunto-me o porquê dos seres humanos desejarem tanto a obtenção de bens materiais em excesso, quando era tão fácil viver com pouco, bastando alimentação, saúde, habitação e educação. Com isso poderíamos trabalhar e obter recursos para distribuir por todos. Claro que isto é utópico pois quem recebe sem trabalhar depressa se habitua e nada fará para contribuir para os outros. Mas os chineses dizem: “ se um homem tiver fome, não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar”. Podíamos pois dedicar os nossos esforços a ensinar os outros a “pescar”. Quem não quisesse aprender teria de se sujeitar às profissões mais difíceis e menos remuneradas. Construímos uma sociedade de consumo, conseguimos bens que não nos faziam falta nenhuma, deitámos fora objectos necessários e úteis, só para os trocarmos por outros mais modernos, mais bonitos, com melhor “design”. Pois, mas duram menos do que os outros, já foram concebidos com um prazo de duração mínimo para que se deitem fora e se comprem novos,. porque o capitalismo criou o consumismo e assim é que tem de ser para que as pessoas enriqueçam e possam depois comprar mais coisas de que não necessitam, mas é bom viver bem, mostrar aos amigos a piscina, o “jacuzzi” o BMW o Mercedes e desses bens falar nas festas e reuniões com aqueles que são apenas aproveitadores daquilo que os outros têm e se encostam, fazendo-se passar por aquilo que nunca conseguiram ser mas gostariam. Vão-se esgotando os recursos do planeta, vão se criando pobres e miseráveis vivendo em regiões inóspitas que os matam de fome, sede e doenças e nada fazemos para lhes mudar a vida, antes pelo contrário, sugamos-lhe os recursos que eles não conseguem explorar, não lhes pagando o suficiente para lhes mudar as vidas.
Páro, aproveitando para afagar um cachorro que pacientemente espera o dono(a) à porta do supermercado e penso que bom seria sermos como os outros animais, que não precisam de explorar os seus iguais, limitando-se a seguir os ditames da natureza que sabe muito bem controlar o meio ambiente.
Vou para casa, o natal aproxima-se, temos de jantar com a família e distribuir prendas aos putos que não lhes vão ligar, por calças e camisolas não substituírem as consolas e “Ipod´s” que gostariam de ter para também mostrarem na escola que são ricos, modernos e estúpidos.

Será que me vou aguentar? Vou tentar…

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A Nudez


Os homens, mesmo sem o admitirem, quando se cruzam nus ou até nas casas de banho públicas, têm sempre tendência em dar uma mirada para as áreas que normalmente não andam à mostra. Deve vir talvez da antiguidade esta tendência de olhar o armamento do outro, pois poderia tornar-se um contendor e poderem vir a terçar armas. Estas miradas são normalmente rápidas e disfarçadas não vá o outro, ou os outros, tomarem isso como qualquer forma de apreciação menos máscula. O certo é que, mesmo que o neguem, a maioria o faz.
Eu, talvez por educação familiar e também por ter estudado num internato, os Pupilos do Exército, sempre lidei muito bem com a nudez. Em minha casa a nudez não era problema. Não eramos praticantes de nudismo nem nos passeávamos nus pela casa fora, mas se por acaso acontecia cruzarmo-nos em pelo, não tínhamos qualquer problema com isso. No Pilão, claro está, salvo raras excepções, eu não conheci nenhuma, também ninguém era pudico a ponto de não se despir perante os outros. Na piscina, onde nado quase todos os dias, aparece de tudo. Desde aqueles que já vêm de casa com o fato de banho vestido e que tomam duche com ele, até aos que quase se escondem para trocar a cueca pelo calção de banho e também os completamente despudorados que se passeiam mostrando e alardeando todos os atributos. O certo é que quase todos dão as tais miradas talvez para fazerem comparações de “armamento”. Umas vezes ficarão basto satisfeitos outras tristes. Comparações para quê? Sempre se disse que os homens não se medem aos palmos e muito menos a centímetros. Aliás os centímetros não têm qualquer influência, pois o que é preciso é que os ditos centímetros, sejam alegres, brincalhões, eficazes e muito cumpridores como dizia o espanhol. A propósito, lembro sempre aquela anedota do tipo que vai “às sortes” e na Inspecção não se quer despir porque tem vergonha. O médico presidente da junta, chama o alferes médico dizendo-lhe:
“ Você, que é quase da idade daquela mancebo, vá lá falar com ele e diga-lhe que tem de se despir, pois se não o fizer é dado como refratário e vai ter problemas” O jovem médico vai lá e pergunta-lhe:
“Então pá despe-te lá, não tenhas vergonha, somos todos homens, não há razão para tal.”
O rapaz lá acaba convencido e despe-se. O médico olha para ele e diz:
“Coitado. tens razão. Não tens “pilinha”. Responde o moço:
Não, não Senhor Dr. Está enganado. Eu não tenho é a perna esquerda”.

Ora aqui está um, que bem gostaria de trocar aquele “mastro” do tamanho de uma perna, por uma perna verdadeira e um artefacto mais maneiroso mesmo de poucos centímetros.
Acho pois que a nudez não deve ser problema. Não me lembro de ter nascido vestido e hão-de me despir para me lavarem quando for para a cremação. Aliás o Adão e a Eva andavam nus e não se importavam nada com isso até darem a dentada no tal fruto proibido, não sei porquê, a maçã até é um bom fruto e faz muito bem, e só depois tiveram vergonha, também não sei de quê, porque se andavam antes porque não depois.

A educação judaico-cristã foi a culpada da associação da nudez ao sexo, considerando este pecado, também não sei porquê quando o sexo é uma coisa tão boa, tão salutar e natural. E assim nascem os costumes bem estúpidos, como por exemplo em certas comunidades dos Estados Unidos, onde a maioria dos pais, a partir de certa idade, já não beijam nem abraçam os filhos, por os contactos poderem vir a ser tomados como possíveis atitudes de cariz sexual. Nada mais ridículo que ver um pai a apertar a mão a um filho. Não há pachorra para tanta estupidez. Eu até curto muito a nudez, principalmente a feminina quando os corpos são esculturais. Devia era ter ido para escultor. Não há mesmo pachorra…

domingo, 24 de novembro de 2013

O Natal de um ateu


Se tivesse netos contava-lhes a história do Natal. Parece incongruente? Talvez seja. Claro que lhes contava a história, como aquilo que é, apenas mais uma história como a da Branca de Neve ou A Bela Adormecida. Se lhes contamos histórias de fadas e duendes porque não contar aquela também? É uma história bonita para crianças e serve para aceitação da festa tradicional portuguesa da ceia e das prendas. Claro que omitia a divinização da criança bem como as partes sórdidas da matança das criancinhas ordenada pelo Herodes. Episódios desses não se contam a ninguém quanto mais a crianças. Coitado do Herodes que tinha muito mais com que se preocupar do que ficar bravo por lhe irem dizer que tinha nascido o rei dos judeus. As doenças de que sofria já seriam suficientes para o manterem preocupado e um rei nascido no momento só lhe poderia fazer mossa muitos anos depois e já estaria finado. Também ninguém acredita que naquela terreola, à época, houvesse 300 recém-nascidos. Aliás, Herodes nem teria vivido nesse tempo pois o frade Dionysius, o exíguo (parece que era muito pequeno, mas versado em matemática e astronomia), enganou-se em quatro anos ou mais na data do nascimento de Jesus. Como sabem, só em 1582 (15 de Outubro), penso eu, o papa Gregório 13º adoptou este calendário, em substituição do calendário de César (chamado calendário Juliano). Aquele senhor frade calculou, e parece que mal, a data do nascimento de Cristo (527). Se recuarmos no tempo, o ano um do nascimento iria dar a um ano do calendário juliano em que Herodes já tinha morrido há 4 anos. Reparem que falo no ano um e não no ano zero. Nada começa por zero e as décadas começam em 1 e acabam ao fim de dez, os séculos ao fim de cem e os milénios ao fim de mil. Por isso é que só mudámos de milénio em um de Janeiro de 2001 e não em 2000.
Bem, acabei por me afastar daquilo que pretendia dizer. Apesar de o meu Pai ter sido um agnóstico, nunca se opôs a que me educassem na religião católica. A mim impingiram a divinização de Jesus e que todos os 25 Dezembro o menino descia as nossas chaminés e deixava as nossas prendas. Com a verdade apanhei um dos primeiros desgostos da vida. Não faria isso aos meus netos. Mas, o Natal é uma festa bonita e familiar, antigamente mais santificada, hoje mais comercializada e menos tradicional. Até substituímos o menino Jesus por aquele velho ridículo das barbas brancas, tradição dos países nórdicos adoptada pelos protestantes, luteranos e quejandos que nada têm a ver connosco. Apenas uma pequena percentagem da nossa população, principalmente a não urbana, assiste à missa do Galo após a ceia. Os restantes limitam-se a reunirem-se à mesa, comendo e bebendo após que, nem aguardam pela meia-noite, abrem as prendas, que já há muito esperam junto da árvore de Natal, outra tradição não nossa, e que entretanto já despertaram a curiosidade das criancinhas que só não as abriram antes com receio da reacção paterna. Mas continuo a dizer que a história do presépio é bonita e serve para justificar a festa. É uma mentira que vale a pena… Como não tenho netos, normalmente passo o tradicional jantar de 24 à noite, em casa de uma familiar da minha mulher onde há montes de criancinhas e é uma alegria vê-los a abrir e distribuir prendas uns pelos outros. Eu, aproveito para beber uns copos e exagerar nos doces, já que nos outros dias a minha mulher me “xinga” sempre que tento dar uma dentadinha no “pecado” adocicado, não vá a glicemia aumentar.
Venha pois mais um Natal para gáudio de criancinhas, acreditadores e gulosos.


domingo, 27 de outubro de 2013

O Sexo


Estive a ouvir, na rádio, Júlio Machado Vaz a falar sobre sexo na rubrica “O Amor É…” Antigamente falar de sexo era pecado. Fazer sexo também era, a não ser que fosse entre um casal heterossexual e tinham de estar unidos por matrimónio católico e, mesmo assim, só podia ser com intuitos procriativos. O prazer estava negado aos humanos, ou seja, à mulher, porque os homens podiam tê-lo à vontade. Falar de sexo era tabu e quando o faziam era como se falassem com o demo. Sexo oral (que raio de nome) era pecado mortal (ainda o é nos USA) e quem o praticasse tinha aberto o caminho das profundas dos infernos. Tudo isto conduziu a um obscurantismo total do sexo. A maioria das mulheres partiam para o casamento sem saber o que isso era. Até as mães tinham vergonha de falar disso com as filhas. A maioria dos homens chegava ao casamento e tinha obrigação de fazer sexo com a mulher, quisesse ela ou não. E ai de quem se recusasse. Daí partiram montes de casamentos desgraçados com mulheres sem chegarem a saber o que era um orgasmo. Para a maioria, sexo era obrigação devida ao marido. Eles, por sua vez, procuravam fora, normalmente recorrendo à prostituição, aquilo que não encontravam, nem podiam encontrar, no casamento. E ai da mulher que na cama com o marido se mostrasse demasiado ousada, ia parar de novo a casa da mãe conotada como leviana ou ninfomaníaca. Perder a virgindade antes do casamento era ficar com a marca de prostituta. Pobre daquela que fosse na conversa do namorado e acabasse por não casar. Nunca mais casaria. Mulher usada já não servia para casamento.
Tudo isto devido à educação judaico-cristã, ou melhor, mais à cristã, porque os judeus seguiam a bíblia, e essa nunca mandou casar ninguém, antes pelo contrário, até aconselhava a bigamia e o adultério. “Se a tua mulher não te der filhos deita-te com a tua serva”. Está lá escrito, mas escrito só para os homens. Mulheres continuavam a ser escravas do lar em todos os sentidos e parideiras.
Felizmente hoje, na grande maioria dos casos, tudo mudou. Fala-se de sexo em todo o lado e abertamente. Fala-se na TV, os pais falam com os filhos, os filmes  para maiores de doze anos mostram sexo quase explícito e o sexo pratica-se em liberdade total. Há médicos psiquiatras e psicólogos especialistas em sexologia. Há conselheiros sexólogos para casais com problemas e os queiram resolver. Os costumes mudaram e ainda bem.
As raparigas mandaram a virgindade às couves e agora, aos 16 anos, ou até antes, todas experimentam para saberem com o que contam aquando do casamento ou vivência em comum. Os homens já se estão nas tintas para isso. Se antes se casava com viúvas e divorciadas, porque não agora casarem-se com as não virgens? Valha-nos a liberdade.
Hoje o sexo é livre. Sexo oral todos praticam. Os casais, entre quatro paredes, não têm tabus, e fora delas, às vezes, também. As mães industriam as filhas sobre sexo mas não as coíbem. Basta ensinar-lhes que devem praticá-lo apenas quando gostarem realmente de alguém e que o façam seguramente. É preciso cuidado com as doenças sexualmente transmissíveis. Os crentes chamam-lhes castigos de deus. Eu chamo-lhes apenas erros de deus. Antigamente homossexualidade era perversão, doença, malignidade. Hoje é liberdade. Cada um ama quem quer. As famílias já não consideram proscritos os seus membros homossexuais. Os pais não deixam de amar um filho pelas suas escolhas. Poderá  haver desgosto, mas não há abandono nem proscrição. Quais os melhores tempos? Os de agora ou os de antigamente?
Ninguém tem que ter na testa a marca das suas preferências, nem tem que falar delas ou mostrá-las. Mas se as coisas vierem a lume não têm que o esconder ou envergonhar-se. Sejam normais e vivam a vida como gostam. Já o grande poeta Ary dos Santos dizia: “Os homossexuais são homens e portam-se como tal. As “bichas” é que não. Mas essas não são homens”.

Se querem ser infelizes sigam a bíblia. Se querem ser felizes façam sexo. Muito. Sem tabus. Da forma que gostarem mais. Com quem quiserem. O sexo é o repouso do guerreiro. O Dr. Júlio Machado Vaz sabe do que fala.

domingo, 20 de outubro de 2013

“Vai Falar com o Camões”

Ultimamente ando tão descorçoado com toda a situação do meu País, que me estou a tornar um chato difícil de tragar. Todas as minhas conversas tendem a descambar para o que o governo nos anda a fazer, sonegando-nos grande parte dos nossos já parcos proventos. Dizem alguns: “ Olha que há quem esteja muito pior do que tu, pois ganhando menos também lhes tiram e não é pouco”. Pois. Sei disso e tenho pena de todos, mas costuma-se dizer; “quanto maior é a barca maior é a tormenta”. E é bem verdade. Quem ganha mais, quando lhe tiram algo, tem os mesmos problemas dos que ganham pouco. Andar de cavalo para burro custa muito. Num destes dias, a discussão era tanta que o meu interlocutor me gritou: “É pá, vai falar com o Camões!”. Claro que não lhe levei a mal, o tipo também tinha problemas e em duplicado, pois a mulher também era reformada do estado. Fiquei a matutar naquilo. Falar com o Camões pareceu-me boa ideia. A época dele foi muito má, além das dificuldades de sobrevivência, a saúde não era boa e a independência nacional estava em perigo. Como gosto de andar pela cidade, desloquei-me até à baixa e dei comigo a caminhar até ao largo com o nome do nosso grande poeta e chegado lá encostei-me ali ao gradeamento a olhar para o grande épico criador daquela obra imortal que ainda hoje é um dos meus livros de culto e que, em destaque na estante lá de casa, consulto amiúde, lendo e relendo imensas estrofes.
Estive ali imenso tempo observando os passantes, quase todos cultivadores da noite, muitos de passagem para o Bairro Alto. Toda aquela malta me parecia de uma futilidade imensa, armados em finos mas com uma linguagem de fazer inveja a um carroceiro do antigamente. E isto, tanto eles como elas, com a agravante de as raparigas, além de futilidade e incultura total, trajarem como algumas prostitutas não gostariam de trajar e portavam-se como se quisessem levar para a cama todos aqueles com quem se cruzavam e trocavam algumas estúpidas frases.
Quando três desses, do tipo degenerescente masculino, passaram por mim com atitudes parvas e imbecis, olhei para o poeta e disse para mim próprio como se com ele falasse: “Triste sorte a tua teres sido colocado num local que se tornou ponto de encontro e passagem de tais aberrantes personagens”. Disse isto com um sorriso meio irónico nos lábios, mas fiquei sério de repente pois até me pareceu que o vate, além de sorrir também, deu uma piscadela de olho, perdão de pala, pois foi no olho direito que me pareceu algum movimento. Dei comigo a dizer-lhe: “Concordas? Então diz de tua justiça. Que achas destes tipos? Desta geração perdida?
Não sei bem o que se passou. Foi como se o tempo parasse e as pessoas desaparecessem. Do cimo da estátua, uma voz serena e límpida exclamou:

“Os parvalhões imbecis embasbacados
Que muito vazia têm a tramontana
Cujos neurónios, há muito ultrapassados
Nem conseguem furar a vã membrana
cerebral, e em gestos e dizeres disparatados
Mostram toda a torpeza humana
Entre gente decente só mostraram
A  trampa em que este País tornaram. “

Boa! Além de comunicar comigo, falava em estrofes de oitavas como se estivesse a recordar o seu primeiro canto dos Lusíadas. Tentei entrar em diálogo perguntando-lhe: “ Amigo Luís Vaz, e o que me dizes das mulheres, estas parvas que por aqui andam, devem ser muito diferentes das mulheres que conheceste, não?”
E a voz, lá do alto, falou:

“E também com vestes vaporosas
Aquelas que por aqui vão passando,
Mostram quão elas  são viciosas
Por homens e sexo procurando.
E aquelas que em curvas sinuosas
Se vão de bolsa alheia aproveitando.
Agora estátua, não espalharei a arte
E a poesia terei de pôr de parte.”

Coitado do poeta. Desiludido e transformado em rígido pedregulho, até nem quer continuar a sua arte. Já agora, que Camões se decidiu a falar comigo, vamos a ver o que ele pensa da situação que me traz preocupado, o País e este estado de coisas. Nem precisei de formular a pergunta, como se me tivesse ouvido, disse:

“Cessem, grandes nabos  do Troikano
As estragações enormes que fizeram;
Cale-se o Passos e mais o Plano
Dos orçamentos torpes que pariram;
Que eu canto o peido triste Lusitano,
Que estão dando os que obedeceram.
Cesse tudo, porque a merda é tanta
Que já nem o pau se lhes alevanta.”

Dei comigo a rir que nem um perdido. Afinal o grande poeta tinha um imenso sentido de humor e estava a par da situação política do País. Também ele via a inépcia dos dirigentes que democraticamente tomaram conta do poder para se governarem a si e aos seus apaniguados e não governarem os que, trabalhando, conseguem o pão que eles comem. E o resultado da sua falta de visão, em todas as áreas, foi a manutenção de um povo deseducado, amorfo, a roçar a imbecilidade. As mulheres de hoje, falando das jovens, cultivam-se com novelas e revistas de fofocas, copiando as artistas que vêem, convencidas que a mostrar e dar o corpo é que conseguem ser alguém na vida. Tanto oferecem que vão tirando a vontade aos destinatários da oferta. Foi então que Camões continuou:

E vós, mulheres minhas, pois cuidado
Não tragam em vós desejo ardente,
De sexo sem amor não desejado.
Ficará em vós lembrança tristemente,
Do que ser podia e foi estragado.
Tragam sim amor na vossa mente,
Que se consuma em chama perene
Vos encha o coração e a mente ordene.

“Tens razão meu infeliz cantador da raça Lusa. O povo que cantaste já perdeu a gana da conquista e da vitória”.
 Arranjaram-nos uma forma de nos espartilhar. A democracia deveria servir para podermos alterar a forma de sermos governados, mas afinal é apenas uma forma da continuidade. A partidocracia tomou conta disto e arranjou maneiras legais de se perpetuar no poder. Partidos que se digladiam agora, fazem amanhã o que o antecedente fez, dando o dito por não dito com desfaçatez inaudita. Pudesse eu voltar atrás, no tempo em que a tropa era povo, ainda me metia noutra revolução. Mas o poder já não seria entregue a estes energúmenos. Só seria entregue quando a democracia fosse mesmo arma do povo e este pudesse eleger mas também demitir. Partidos no governo nunca mais. Teríamos de eleger um representante responsável perante o povo, que formasse governo tecnocrático, isento e não corrupto. Deixaríamos a AR para os partidos poderem votar leis, que só seriam aprovadas depois de passarem por todos os crivos que o povo exigisse colocando numa nova constituição os mecanismos necessários. Tivesse eu forças…
Preparava-me para deixar o recinto, quando…

Se uma fúria grande e poderosa
Me vem à mente, eu peço ajuda
Salto do pedestal  com gana belicosa,
Ou vai ou racha q’ isto não é  barbuda;
Troco por G3 a pena e a rosa
Imploro a Marte que me dê ajuda;
Parto esta merda de verso a reverso,
Nem que tenha de acabar o Universo.


Afinal parece que arranjei um companheiro. Pena estar morto.

sábado, 14 de setembro de 2013

As Pedras da Minha Rua

A morte do companheiro Langão trouxe-me tristeza, a tristeza trouxe-me saudade, a saudade trouxe-me isto:

As pedras da minha rua esfolavam-me os joelhos. De tanto por lá cair e roçar a pele, aquilo já era uma postela completa. A desinfecção era a língua do meu cão: “Anda cá Black, lambe aí”; e lambia, lambia até ficar tudo limpinho e desinfectado. Mas as pedras também serviam para serem atiradas pelas fisgas e fundas. Lembro-me de uma funda que fabriquei com base num desenho tirado da Bíblia das Escolas. Já naquele tempo me interessava pela história dos povos e pelas religiões. Aquela bíblia, obrigatória nas aulas de religião e moral, era para mim melhor do que uma história em quadrinhos. Sanção, David e Golias eram as minhas preferidas. Nesta última tinha um pretenso desenho da funda com que David matou Golias. Coitado do bom gigante que mais não fez, como bom soldado, que obedecer a ordens superiores e ir lutar contra um espirra-canivetes da tribo vizinha. O certo é que essa funda era especial e admirável. Até ali, as nossas fundas limitavam-se a duas cordas de juta atadas a um quadrado de cabedal, normalmente de uma lingueta de um dos nossos sapatos. Resolvi que a minha havia de ser especial. Já não me lembro onde encontrei a tira de cabedal que lhe deu origem. Cortei-a com um canivete afiado, deixando no meio um rectângulo suficiente para comportar as pedras e, com três tiras para cada lado, impecavelmente entrançadas, foram feitos os tirantes que terminavam num olhal num dos lados, para enfiar o dedo médio e, do outro o terminal para segurar enquanto se volteava por cima da cabeça ou ao lado do corpo. Após as voltas consideradas necessárias e em consonância com a velocidade pretendida para o arremesso, o terminal era largado, desferido o “tiro” ficando a funda agarrada à mão pela argola enfiada no dedo. Depois de vários treinos, a rapaziada ganhava uma pontaria de mestre e conseguíamos acertar num pau-de-fio, a cinquenta, sessenta metros de nós. Era obra, e muita cabeça foi partida. Ainda hoje não posso cortar demasiado o cabelo para não deixar à mostra as marcas dessas “brincadeiras”. Belos tempos esses em que os papás se limitavam a curar-nos as feridas sem importunarem os papás dos outros pelas culpas no cartório. Nós também tínhamos as nossas.
Atirámos demasiadas pedras e nunca conseguimos “limpar” a rua, pois elas pareciam nascer-nos debaixo dos pés. Já naquele tempo a minha rua era a mais atrasada do Cacém. Chamava-se Ribeiro de Carvalho, meu padrinho de registo, ateu, republicano anti-fascista e director do Jornal República. Passou toda uma vida a fugir à famigerada PIDE que nunca o conseguiu engaiolar. Tinha excelentes pontos de fuga e umas cavernas lá na quinta, que mais tarde vim a conhecer. Outros amigos, como Araújo e Sá, meu vizinho e Ramon de La Féria, médico, passaram alguns anos a ver o sol aos quadradinhos. Dizia-se que a rua não era arranjada devido ao nome que tinha. Depois de um triste acidente, Ribeiro de Carvalho sofreu um traumatismo craniano e morreu uns meses depois de ter sido operado. Lembro-me de Araújo e Sá, pai de quatro meus amigos de infância, dois rapazes e duas raparigas, dizer que o tinham assassinado. Não acredito muito, mas…
Naquelas pedras, brinquei, corri, caí, saltei ao eixo, às fogueiras dos santos populares e namorei. Lembro os fins-de-semana, quando vinha do “Pilão”, Instituto dos Pupilos do Exército, onde estudei, reunir-me com os amigos, rapazes e raparigas, encostados ao muro de minha casa, conversar, namorar e fumar uns cigarritos sempre de costas para a janela para o meu Pai não ver ou fingir que não via. As vidraças dos vizinhos, os beirais dos telhados, os pardais e as cabeças dos companheiros, foram os alvos daquelas pedras. Já contei demasiadas vezes o que aquela rua era para mim. Hoje já lá não tenho ninguém, mas a casa ainda lá está. A rua já não tem pedras e continua com o mesmo nome, felizmente, agora mais respeitado. O asfalto, os muros arranjados e pintados deram-lhe um cunho diferente que já não me diz muito. As recordações foram-se com as pedras. A fisga ainda existe, mas a funda, aquela bonita funda que era o meu orgulho e a inveja de muitos, já não. O entrançado veio a servir de trela dos cães e acabou como tudo, com o tempo. Os amigos do Cacém ainda estão no meu pensamento, mas afastados pelas circunstâncias da vida. Continuam meus amigos e se precisarem de mim estou cá. As pedras estarão hoje enterradas sob o asfalto. Talvez ainda tenham vestígios do meu ADN. Quem sabe…

    



                         

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O Langão (III)




O meu amigo Langão não vai mais conquistar as cadelitas aqui da aldeia. Um terrível vírus (seria?) paralisou-o quase totalmente. A médica veterinária, depois de vários exames, não lhe encontrou salvação. Durante dois dias, o vizinho que cuidava dele, a mulher e a filha, tudo tentaram. Foi impossível. Não havia salvação e foi abatido. Custou muito. Todos sofreram. Felizmente, quando morreu, já eu estava em Lisboa, mas o desgosto apanhou-me lá. Agora, já por aqui, olho para o recinto onde os seus companheiros por cá andam e parece-me que ainda o vejo sempre brincalhão e prazenteiro, desengonçado na sua magreza, mas alegre e satisfeito por ter encontrado tantos amigos que lhe proporcionaram estabilidade e modo de sobrevivência, sem ter que assaltar capoeiras para matar a fome. Mas o Langão já cá não está. Amanhã já não estará ao meu portão, como sempre fazia, latindo de satisfação quando saía de casa para o nosso passeio matinal. Vou sentir-lhe a falta. Irei com a Nina, a cadelinha sua companheira de “quarto” e, juntos, lembraremos o nosso Langão que tanta companhia nos fez. Era só um animal, mas deu-me a sua amizade sem nada pedir em troca, apenas querendo festas e passeatas. Durante uns tempos, os meus passeios vão ser mais tristes mas terei a Nina como companheira. Parece-me que também ela está triste. A saudade também será canina. É em alturas, como esta, que relembro o meu Setter Irlandês que me morreu nos braços, levado por uma terrível cirrose. Na época, não tive a coragem para o mandar abater, sempre convencido que seria capaz de o recuperar. Não fui e o meu amigo morreu com demasiado sofrimento. Tantos anos passados e ainda o recordo. Muitos anos passarão e o Langão continuará ser recordado. Adeus Langão, o teu céu será o meu pensamento.

domingo, 9 de junho de 2013

O Espaço-Tempo


Após ter escrito no meu anterior “post” que o tempo não tinha espaço, fiquei matutando no assunto pois recordei ter lido num livro, que o meu filho me ofereceu, escrito pelo cientista tetraplégico Stephen Hawking “ O Universo Numa Casca De Noz”, a noção de Espaço-Tempo. Disse logo para mim próprio que tinha metido água e, que alguns dos meus amigos mais atentos poderiam vir a dar-me na cabeça por aquela afirmação feita de ânimo leve. Fui logo buscar o livro, que tenho sempre à mão para consulta, não é coisa para ler de seguida, e abri-o no capítulo 2 “ A forma do tempo”
Segundo a relatividade generalizada de Einstein. O tempo tem forma. Ora logo aqui se compreende se há uma forma tem de haver espaço. No início de capítulo S. Hawking escreve:
“O que é o tempo? Será um ribeiro eterno que leva todos os nossos sonhos, como diz um hino antigo? Ou será antes uma linha de caminho-de-ferro com circuitos fechados e ramais, na qual é possível regressar a uma estação por onde já passámos sem inverter o sentido da marcha?”
Só aqui, meus caros amigos, já dá para ficar baralhado. Antes o tempo era distinto do espaço e visto como se fosse uma única linha de caminho-de-ferro infinita em ambos os sentidos. O tempo era considerado eterno. Einstein veio mudar tudo isto quando disse:
“ O espaço e o tempo estão inextricavelmente ligados. Não é possível curvar o espaço sem alterar também o tempo. Logo o tempo tem uma forma”
Isto baralha qualquer um. Pelo menos aqueles que como eu são leigos na matéria, mas dá para compreender se pensarmos um pouco. Fui depois à net procurar algo sobre o espaço tempo, e encontrei um site http://www.valdiraguilera.net/conceitos-fisica-moderna-4.html bastante interessante.
Ali li o seguinte:
A Física moderna, inaugurada com os trabalhos geniais de Einstein, veio mostrar-nos que nossos conceitos clássicos de espaço e tempo estavam equivocados. Da mesma forma que as três dimensões do espaço (largura, profundidade e altura) são convenções puramente subjetivas – não podemos separá-las, estão interligadas –, também não podemos separar o espaço do tempo. Espaço e tempo estão interligados. Não existe nada no espaço que também não tenha existência no tempo; e nada pode ter ocorrido no tempo que não tenha sido em algum lugar no espaço.
E mais:
Considere a seguinte situação: alguém pára seu carro num posto de gasolina na estrada e pergunta ao frentista (deve ser o empregado que está na frente): "A que distância está tal lugar?" Pode receber a seguinte resposta: "Está a cinco minutos daqui". O frentista (empregado) quantificou uma distância em termos de tempo!
Já deu para ver como eu estava enganado? Pois! Quem manda meter-me em caminhos ínvios?

Agora, meus caros, toca a ler sobre o assunto e queimar alguns neurónios. Não tenham medo que eles renovam-se pelo exercício mental.

sábado, 8 de junho de 2013

Conflito de gerações, medo ou irreverência?


Todos os dias, estando em Lisboa, vou nadar à piscina da Junta de Freguesia de Benfica. Vou a pé, de saco às costas, faço exercício físico e volto a casa mais bem-disposto. Ando nisto vai para três anos. Neste espaço de tempo e, acabei de escrever uma calinada porque tempo não tem espaço, direi antes, por todo este tempo, já fiz conhecimento com muitos dos companheiros que, como eu, gostam também de fazer o seu exercício físico. Eu sou dos mais velhos, mas aparecem lá de todas as idades. Todos nos cumprimentamos mesmo que sejamos desconhecidos. O “Bom dia” á chegada e o “Até à próxima” à saída, não custa nada a dizer e fica bem a todos. Enquanto nos despimos ou vestimos e até enquanto tomamos banho de chuveiro, vamos dizendo as nossas piadas e contando umas anedotas e, muitas vezes as conversas ficam bastante interessantes pelos temas versados.
Vem tudo isto para contar o seguinte episódio: Um destes dias, ao entrar, disse bom dia a três jovens, talvez na casa dos 16 aos 18, que já se encontravam equipados para irem nadar. Apenas um me respondeu e muito sumidamente, como se dizer-me bom dia lhe metesse medo ou se lhe caíssem os parentes na lama por cumprimentar um desconhecido. Regressámos findos os três quartos de hora de exercício e os rapazotes continuaram conversando entre eles animadamente. Após o banho e vestirem-se, saíram sem dizer água-vai. Ainda gritei bem alto “ Bom dia”, mas qual-quê, nem um foi capaz de me responder.
Uma das coisas que os meus pais me ensinaram, e depois todos os meus mestres, professores e militares dos Pupilos do Exército, onde estudei, foi que devíamos ser afáveis e educados para toda a gente, cumprimentando, agradecendo e pedindo as coisas por favor. Mais tarde tive oportunidade de leccionar, quer no Colégio Militar quer em instituições militares por onde passei e, aos meus alunos transmiti sempre que a educação cívica não fica mal a ninguém ao contrário da má educação que só afasta as pessoas e classifica muito mal quem a pratica.
O que será que leva a juventude a proceder assim? Não sou psicólogo nem sociólogo para os poder classificar, mas dá-me a sensação que agem assim por medo. E este medo é o da aproximação. Talvez não se queiram aproximar por depois não serem capazes de estabelecer ligações com pessoas estranhas ao seu meio e com conhecimentos e gostos diferentes. Será? Mas também poderá ser por irreverência. Os mais velhos estão fora do seu mundo e eles não querem que se metam nele… será?
Outra coisa que reparei foi que os rapazes não se despiram ao pé de nós. Ali todo o mundo anda nu à frente uns dos outros e ninguém tem vergonha de mostrar as “desgraças”. Para mim o nu nunca me fez confusão, nascemos nus, andamos nus em pequenos e só nos tapamos quando tomamos consciência do sexo. A educação judaico-cristã tornou o sexo impuro e, a partir daí escondemos os órgãos sexuais sendo considerado pecado mostrá-los despudoradamente. Talvez a educação num colégio interno me tenha varrido essa ideia da cabeça. Mas, os homens juntos não têm pudor e as mulheres também não (às vezes). Estes rapazes tomaram duche e ensaboaram-se de fato de banho vestido e despiram-no de toalha enrolada à cintura fazendo uma autêntica dança do ventre para conseguirem retirar o fato. Tornou-se caricato. Fiquei a matutar naquilo. Porquê? Medo das comparações? Educação  demasiado clássica? Se foi por isso não se compreende o não “Bom dia” a ninguém. Olha! Estou-me nas tintas. A má educação só fica mal a quem a pratica.

Pelo menos o episódio já teve o mérito de me ter feito encontrar assunto para escrever no “blog”, coisa que não fazia já há uns tempos.

sábado, 4 de maio de 2013

Manhã de sábado


Hoje a hora da piscina é tardia e não dá nenhum jeito. Substituo as mais de 30  piscinas, que normalmente faço, por um passeio a pé aproveitando um salto à “Evian” para tomar café. O rapaz atrás do balcão não precisa que lhe diga nada e tira a “bica” escaldada como a aprecio. Os rostos nas mesas são os mesmos do costume, penso para comigo como é que no meio da crise as pessoas ainda tomam pequenos-almoços na pastelaria. Deixo rapidamente o balcão e continuo o passeio. Passo pelo busto do fundador do Uruguay, José Artigas, e pergunto-me o que tenho a ver com aquele “gajo”, penso melhor e até tenho, foi um lutador determinado por uma causa e é um ser humano, só por isso já o merecemos ali, na avenida com o nome do seu País, é também um homem que ficou na história e, portanto, o conhecê-lo uma forma de cultura. Muito aprenderíamos se olhássemos a estatuária da cidade com olhos de ver, só que passamos por elas e não ligamos demasiado ocupados com a vida quando na nossa cidade e, só notamos os pontos de interesse quando nos deslocamos a outras terras. Passo na banca do alfarrabista e dou uma vista de olhos aos livros velhos vendidos a um euro não descobrindo nada de interesse, também para que quero mais livros se ando a ler dois em simultâneo e já não tenho móveis nem espaço para meter mais. Sigo até ao largo da igreja de Benfica onde ao sábado, há bancas de artesanato e bijutarias. Deixo para trás o velho chafariz, onde os pombos, cabisbaixos, permanecem esperando a comida que dantes lhes caía do céu qual maná no deserto, bem podem aguardar, a edilidade cortou-lhes a ração oferecida atirando cá para fora uma postura proibitiva. Neste país tudo se proíbe, esquecendo que “o proibido é o mais apetecido”. Ali, e neste caso, não, a polícia anda por perto e actua, os pobres bicharocos alados é que não esquecem que ali é que era bom, ficando a aguardar que um transeunte mais afoito lhes deite algo comestível como antigamente. Passo pelo quiosque e paro atrás de uma fila que lê os jornais expostos em duas colunas presos com molas de roupa, “alfinetes, como a minha avó lhes chamava, alfinetes porquê se aquilo nada tem de semelhante coisa? talvez por serem para a roupa, pois nessa é que se espetam alfinetes, coisa de costureira com certeza. À esquerda os jornais com a crise, nas primeiras páginas mais cortes anunciados pelo governo, à direita as “façanhas” do Nosso Benfica abençoado por “Jesus”. Deviam estar ao contrário, o governo à direita e o futebol à esquerda, pois esse é que é do povo, o outro é do capital. Não leio nada de novo que não tenha visto já na TV. Vou um pouco mais longe até ao jardim junto do mercado onde a junta de freguesia promove actividades desportivas e culturais, para lá chegar passei junto ao mercado onde à volta enxames de ciganos e passantes se entrecruzam, uns vendem outros compram ou discutem preços. Raparigas de cor com saias curtas e “collants” justos, deslocam-se meneando as ancas. Mais à frente, debaixo de toldos, montes de bancas dos ciganos vendedores de roupas numa algaraviada de pregões e chamamentos. No jardim, matronas sessentonas com camisolas vermelhas e iguais, distribuídas pela junta, correm atrás de bolas tentando metê-las em exíguas balizas balanceando e sacudindo as carnes já volumosas. Mais à frente ainda, alguns garotos, em cima de um xadrez gigante, movem e brincam com as peças não sabendo o que fazem. Nas mesas de pedra, tabuleiros de xadrez, tristes por abandonados, deviam ter sido substituídos por damas ou gamão, jogos mais ao gosto dos reformados deste país, para jogar xadrez seria preciso outra cultura ou outras gentes, isto aqui não é a Rússia. Deixo o jardim e entro no mercado onde a azáfama é enorme, bancas cheias esperam os clientes que muito passam mas pouco compram, provando que esta crise não é o caminho certo. Olho os carapaus e penso que os estaria assar se estivesse na minha aldeia saloia, Assafora, onde se “assa fora” de casa, será que vem daí o nome?
Já dentro do portão da mata de Benfica sento-me num banco olhando os altos cedros e eucaliptos recordando a infância quando no “Pilão” saltava o muro para ir ali aos ninhos que referenciava memorizando árvores e locais. Num banco ao perto, um casal de namorados, de pernas entrelaçadas, lambuza-se e apalpa-se num jogo desenfreado de desejo incontido, alheios a tudo e a todos e estando-se nas tintas para quem observa. Recordo os meus namoros de juventude quando procurávamos esconderijos para trocar uns beijos e outras pequenas malandrices que agora nos parecem demasiado ingénuas. Penso que os jovens de agora são mais sãos, mostram o que fazem sem medo nem vergonha.
A manhã já vai adiantada e resolvo voltar a casa. Na estrada de Benfica passo por um pedinte, de meia-idade, sentado num pano junto à parede, mostrando um coto de perna que já foi. Uma caixa de cartão contém alguns cêntimos e até uma moeda de euro. Conheço aquele homem há anos e penso que já deve estar rico. Alapardado junto à parede nem se dá ao trabalho de pedir, quem se condoer que poise o óbolo, mais valia que lho metessem sob a língua, para que Caronte lhe transportasse a alma até ao descanso eterno. Entretanto vai-se dedicando a limpar o nariz atirando as excrescências macacoides das fossas nazais, contra a parede com um “plic” de unha bem aplicado. Aquela parede já deve estar bem revestida e muito trabalho dará aos arqueólogos daqui a uns milhares de anos, quando desenterrarem ruínas de Lisboa soterrada por sucessivos terramotos, senão destruída por qualquer conflito atómico, para descobrirem porque numa parede se encontra ADN humano.
Volto para casa mais enriquecido. Ligo a TV, os “passos” do Passos continuam a lixar-nos.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

25 de Abril, que saudade…


Recordo Nampula quando nas nossas reuniões secretas, para nós, porque a PIDE sabia bem delas, o meu amigo Gabriel Teixeira, grande militar, corajoso, de bom-senso e probo, que presidia, dizia: “Será que temos de pintar estes gajos de preto para conseguirmos fazer-lhes frente”. Hoje a frase parece-me estúpida e certamente também acontecerá o mesmo aos outros que por lá militavam. A guerra tinha sido e era feita contra pretos. No início, os acontecimentos, marcaram as pessoas que foram para aquela guerra cheios de razão e dever pátrio. Coitados dos nossos irmãos angolanos de pele escura que tinham muito mais motivações para fazerem aquela guerra do que nós. Pena que tenham começado tão mal e tenham encontrado pela frente, um dirigente português, obtuso e casmurro Hoje, certamente, pensarão que terão de pintar os seus dirigentes de branco para acabarem com eles, pois governam enriquecendo e deixando o povo na miséria. Certamente hoje teríamos dito o mesmo de outra maneira. O 16 de Março deixara-nos tristes e estupefactos e havia em nós o sentimento que era preciso fazer algo. Felizmente não foi necessário porque o 25A chegou. Grande alegria e muita esperança. Esperança nos homens lusos que haveriam de transformar o nosso país em algo bem diferente do que fora até ali.
Infelizmente, a partidarite começou a tomar conta das coisas. Invadiram os centros de poder e dividiram os militares que se deixaram partidarizar. Mais uma vez, os militares de Abril, e desta nem todos, colocaram as coisas no são. Mas por pouco tempo. Os políticos, alguns do 26 de abril, começaram, tal qual saturno, a engolir os filhos fazedores da revolução. Enquanto não correram com os militares dos centros de poder não descansaram, e não só correram com eles, como surdamente começaram uma campanha contra a tropa, que ainda hoje perdura. Mordem a mão que lhes deu a liberdade.
Tenho saudades de homens como Gabriel Teixeira, de quem já falei, Ramalho Eanes, grande e valente militar com também grande senso político, Melo Antunes, infelizmente já desaparecido mas excelente pessoa, bem politizada e mentor do programa do MFA e documento dos 9, Vítor Alves, homem culto e com ideais de justiça e, muitos, muitos outros. Outros ainda andam por cá e com voz, que nunca lhes doa, Vasco Lourenço, Presidente da A25A e grande crítico da actual situação e, até Otelo Saraiva de Carvalho que, infelizmente andou por caminhos um pouco ínvios, mas é também uma voz crítica do sistema.
Poderia falar de muitos mais. Penso não ser necessário. Esta república está a ficar igual à 1ª. Tenho muito receio que seja preciso acabar com ela. Se for, que tenhamos o bom-senso de não descambarmos para a ditadura. Aliás, isso hoje já não é tão possível como naquela época, mas nunca se sabe.
Que apareçam novos políticos de mentes abertas, sem ânsia de poder e dinheiro, que consigam trabalhar em prol da nossa população e comunidades. Que privilegiem a educação e cultura para que as populações se consciencializem do que é melhor para elas, de forma a obterem o que lhes é de direito, sem recurso a estratagemas de obtenção de dinheiro fácil. Um povo culto e educado facilmente transforma uma sociedade. Como estamos não vamos lá. A qualidade do nosso povo é baixa. Basta andar de autocarro para o verificarmos. Mas já há uma boa camada de juventude bem preparada que poderá fazer algo por este país, se não se concentrar só na obtenção do seu próprio bem-estar. Devíamos aproveitar estes para começarmos. Não será no meu tempo, mas gostaria que o meu filho ainda pudesse vir a viver numa sociedade transformada. Para o bem, claro. Viva o 25 de Abril.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

O MELRO

Aqui, nesta aldeia saloia às portas de Lisboa, durmo melhor. O sossego, a menos claridade no quarto, uma cama maior e colchão mais rijo, dão-me melhor descanso. Levanto-me cedo para quem nada tem a fazer. Menos das oito já estou na banheira e pelas nove, de pequeno-almoço tomado, saio para cumprimentar os cães amigos que ansiosamente já me esperam ao portão. Depois dos latidos de satisfação e de muitas festas, atravessamos a estrada, direitos aos campos. Contentes, correm à minha frente, farejando tudo quanto é sítio, como se cães de caça fossem. No campo, vários homens plantam cebolos em regos direitinhos. Uns vão colocando os cebolos, lado a lado e equidistantes, enquanto os outros os seguem cobrindo as raízes com terra. Observo-os durante uns instantes e olho o mar, um pouco longe. Uma mancha de nevoeiro, a algumas milhas da costa vai direita à Ericeira passando por Mafra e segue continuando pelas terras que ladeiam o IC19. O dia aqui está lindo e descansa-me. Como é bom poder usufruir desta paz. Um casal de perdizes corre à minha frente, certamente terão ninho que deve estar perto. Nesta época, normalmente, ainda chocam os ovos, mas têm de comer e abandonam o ninho durante alguns instantes. Raramente levantam voo e correm sempre numa direcção contrária à do ninho. Depois, quando o perigo passa, é que lá se dirigem. Deixo os campos e volto à estrada para ir tomar café. Os meus companheiros caninos esperam-me junto à porta abanando os rabos de contentamento quando volto para junto deles. Ao chegar a casa oiço um esvoaçar numa palmeira que tenho num mini-jardim em frente à casa. Deve haver ninho por aqui. Oiço de novo o esvoaçar e acho estranho. Então o pássaro não foge? Um pipilar não normal aguça-me a curiosidade. Lá está ele. Um melro ainda bebé, que deve ter ensaiado os primeiros voos há bem pouco tempo, está preso com uma asa espetada num espinho da palmeira. Vou buscar um banco e consigo soltar o pobre bicho, não sem me picar bastante. Enquanto isso, os pais esvoaçam e chilreiam por cima de mim. Pouco faltou para me agredirem. Uma das asas está muito maltratada. Fico sem saber o que fazer. Se o deixo no chão os cães apanham-no e era uma vez. Se o escondo demais os pais não o veem e acaba por morrer. A natureza é cruel. O pobre bicho não vai sobreviver. Ainda penso em tentar criá-lo mas é muito difícil. Se fosse um pintassilgo, mas o melro tem uma alimentação muito variada. Temos de apanhar minhocas, formigas, gafanhotos, etc.. Também comem fruta e algumas gramíneas, mas…
Deveria haver um deus dos pássaros que tomasse conta destes abandonados da sorte. Mas deus anda tão ocupado com os deserdados deste país, que infelizmente cada vez são mais, e esquece o resto. Pobre bichano, não se vai safar. Um dia tão bonito como este não deveria ser estragado com esta situação. Estou aqui sentado em casa a escrever isto e o pobre passaroco não me sai da cabeça. Terei de ir buscá-lo ao canteiro onde o deixei e, pelo menos, dar-lhe água. Será o mínimo que poderei fazer por ele. Dei-lhe água directamente da minha boca. De início tentou bicar-me os lábios, depois acabou por beber. Tentei fazer um ninho com um cesto e uns panos. Tratei-lhe a asa com Betadine e coloquei-o lá, mas foge sempre e tenho de apanhá-lo novamente. Entretanto, a cadela, já anda de olho nele e se não tenho cuidado lá se vai o pássaro. Os pais já não andam por aqui. Como não o encontram vão para outras bandas. Acabam por desistir. O que fazer? Parece-me que não tenho outro remédio senão abandoná-lo ao seu destino. Através da janela vejo um dos pais pousado num fio. Olha em volta mas não o vê. Se ao menos o pequenote piasse… mas não, está mudo e quedo. Vai ser mesmo necessário um milagre. Como milagres não existem, temos de deixar a natureza seguir o seu curso. É assim que fazem os naturalistas que estudam a vida animal. Nunca interferem, deixando sempre que tudo aconteça naturalmente limitando-se a criar ou melhorar os ambientes para a sobrevivência das espécies. Terei de fazer o mesmo e esquecer o bicharoco ou então vou ficar muito deprimido. Que diabo, um dia que começou tão bem…
Está a morrer. Dei-lhe mais água. Ainda bebeu mas já não tenta fugir quando o agarro. Coloquei-o no ninho improvisado. Não tenho coragem para lhe acabar com o sofrimento. Vou deixá-lo acabar calmamente.
Morreu. Porque me sinto tão mal? Sou caçador e caço perdizes, pombos, rolas, tordos, etc. Mas ver um melro morrer assim, depois de tanto trabalho que os progenitores tiveram. Fazer um ninho, pôr ovos, chocá-los, alimentar os recém-nascidos, fazê-los sair do ninho ensinando-os a voar, continuar a alimentá-los ensinando-os a procurarem a comida por si próprios. Tanta canseira para um deles acabar espetado numa árvore. Não devia acontecer, mas acontece com todos os animais e até connosco. São as circunstâncias da vida. Nascer e morrer. Uns com um período intermédio mais prolongado outros, mais curto. Este melrinho teve um período curto demais. Tive pena. Amanhã vou com os canitos, tentar encontrar de novo as perdizes…


O Langão II




O Langão regressou de mais uma das suas digressões nocturnas. Veio curvadito, cabeça baixa mas com ar satisfeito abanando o rabo. Uma das cadelas das redondezas deve ter tido uma noite basto erótica. O Langão não deixa os seus créditos por patas alheias. Tem um nariz maravilhoso. Cheira uma namorada disponível a quilómetros de distância. Nem come como deve. Volta à sua zona de vez em quando para meter algo no bucho e lá vai ele de novo. Antes de sair ainda tem tempo para “cumprimentar” os amigos humanos que aqui o receberam como hóspede permanente. Um dos habitantes dá-lhe de comer. Onde comem quatro também comem cinco. Dorme na garagem onde faz companhia a uma cadelita já residente antiga. Brinca com os canitos do seu anfitrião e sai comigo a dar umas passeatas juntamente com a sua companheira de hospedaria. Todas as manhãs vem bater-me ao portão para me chamar. Já há dois dias que não o fazia. Sabendo das suas digressões amorosas não me preocupei muito. O dono adoptivo avisou-me que já não dormia em “casa” há duas noites seguidas. Grande Langão, isso é que se chama um cão das arábias. Já andava mais gordito e direito e agora regressou bastante mais magro e curvilíneo. Grandes noitadas deve ter tido. Aqui pela terra começam a aparecer uns cachorros muito parecidos com ele. As pessoas, donas das bichitas, já dizem: “ Esse “seu” cão cobriu-me a cadela e tenho ali uns filhotes bem parecidos com ele”. Faço-lhes ver que o cão não é meu, que é só um amigo que gosta de mim e me segue para todo o lado, mas qual quê. Anda comigo, tem de ser meu. E lá me vejo qual “pai” acusado de ter um filho abusador das “donzelas” canídeas cá do burgo. Um tipo até queria que eu levasse o filhote comigo. O bicho era giríssimo e tal e qual a “cara” do pai. Tivesse eu local para o ter e até nem me importaria. Andar cá e lá de cachorro atrás e ter de viver com ele num andar em Lisboa, já não é para a minha idade. Assim quase que me vejo a desculpar-me das escapadelas amorosas do Langão, como se tivesse alguma coisa com isso. Passo a vida a “falar” com ele em conversas tipo: “ Grande malandro! Vê lá se começas a refrear esses teus instintos de conquistador, porque eu é que oiço os donos recalcitrantes. Tem mas é juízo pois já não és criança nenhuma e estava na altura de seres mais comedido. Olha que ainda não há viagra para cães e isso qualquer dia acaba-se”.
Pois sim! O amigo Langas, eufemismo que uso como forma carinhosa de o tratar, está-se nas tintas e continua com os seus amorosos devaneios. É um autêntico Casanova canino. Estou convencido que, se vivesse em Veneza, nem os canais seriam entraves às suas divagações. Acabo por ter muito orgulho neste meu amigo.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Concurso Literário Manuel Maria Barbosa du Bocage

Pela primeira vez vou postar aqui, neste meu “blog”, algo que não é de minha autoria. O meu camarada e amigo António José Barradas Barroso, era conhecido nos Pupilos do Exército, onde fomos alunos contemporâneos, pela acunha de “Tiago”. De tal modo este “nome-alcunha” lhe ficou entranhado, que ainda hoje o usa como pseudónimo e até a sua mulher o trata carinhosamente por Tiago.
O meu amigo Tiago é poeta e dos bons. Em Setembro último foi o vencedor do prémio literário internacional Manuel Maria Barbosa do Bocage. A organização deste prémio, editou em livro os trabalhos apresentados pelo meu amigo. Da apreciação deste trabalho pelo júri, aqui transcrevo uma pequena parte e dois dos seus sonetos:
“…
O tema por sua vez é-nos muito querido e é a razão geral deste prémio Bocage, que já vai na sua XIV edição. Aborda-se a obra de Bocage procurando excertos dos seus poemas, retirando do soneto os dois tercetos e destes escolhendo o verso de fecho do último terceto, verso que sabemos de capital importância e que no soneto faz a síntese do mesmo.

O autor pega nesse verso e transpõe-no como motivo iniciando outro soneto da sua autoria. Depois toma as rédeas e cavalga na imaginação, discorre sobre o estado de espírito de Bocage, compondo-o com a habilidade e saber de tudo o que o homem é feito na sua circunstância.
…”

                          (...)
                          Aqui onde o que o peito abrange e sente,
                          Na mais ampla expressão acha tristeza,
                          Negra ideia do abismo assombra a mente.

                          Difere acaso de infernal tristeza
                          Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
                          Ser vivo, e não gozar da natureza?
                                                                                 Bocage

                          Ser vivo e não gozar da natureza?
                          Pois, na prisão, o poeta se lamenta
                          Daquela solidão que o atormenta,
                          Daquele afastamento, e da tristeza.

                          Sentir, no peito, a perda da beleza
                          Na lúgubre prisão que o apoquenta,
                          Sem poder ver o céu que, a alma, sustenta,
                          Ou esse mar que brama com rudeza.

                          É perda atroz que nem sequer a gente
                          Que passa, que se toca e que se sente,
                          Se tem, para esquecer a solidão.

                          Depois, há uma quebra de amizade,
                          A mágoa por se não ter liberdade,
                          Amarrado à clausura da prisão.
                                                                              Tiago

[ ...... ]

                                 Devoto incensador de mil deidades
                                 (Digo, de moças mil) num só momento,
                                 E somente no altar amando os frades,

                                 Eis Bocage, em quem luz algum talento,
                                 Saíram dele mesmo estas verdades,
                                 Num dia em que se achou mais pachorrento.
                                                                               Bocage

                                 Num dia em que se achou mais pachorrento,
                                 Bocage, em verso, fez o auto retrato
                                 Sem nada pôr, de si, a bom recato,
                                 Apenas com verdade e sentimento.

                                 E a descrição, guardada pelo vento,
                                 Nos versos que editou, com fino trato,
                                 Se o descrevem fiel ao celibato,
                                 Tem deidades, porém no pensamento.

                                 Confessa ele, de início, que é meão,
                                 Que segue mais a fúria que a razão,
                                 Que só perante as moças se enternece.

                                 Se, na biografia que ele traça,
                                 Existe algum humor e certa graça,
                                 Também algum talento reconhece.
                                                                               Tiago

Estes sonetos ficam aqui ao dispor dos meus amigos e também dos componentes da “Tertúlia Poética Ao Encontro de Bocage” que, o meu amigo Francisco de Assis Machado “Frassino” fará o favor de divulgar. Vou tentar colocar um “link” desta página no “Facebook”.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O (des)acordo, o “Word” e o corrector.

Estou zangado com o meu computador. Quem lhe mandou deixar actualizar o “word” para o (des)acordo ortográfico? Numa altura que até o Brasil já o suspendeu, Angola e Moçambique nunca o adoptaram e nós, teimosamente, continuamos com ele?
Bah! Estou danado. O corrector ortográfico dá um jeitão. A língua portuguesa é difícil e propensa a que se cometam muitos erros na escrita. Trocar alguns gês por jotas, dois esses por cês, o r antes ou depois do e, etc., é muito comum. Claro que há erros de palmatória que procuro não cometer, tais como escrever e dizer póssamos e fáçamos em vez de possamos e façamos, escrever com hífen as segundas pessoas do singular dos pretérito perfeito (ex: deixas-te em vez de deixaste), etc. Este último erro até é muito aborrecido porque o corrector não dá com ele, ambas as palavras existem, só que em tempos diferentes. Eu posso dizer “fazes favor deixas-te disso” ou “ tu deixaste de fazer isso”. O te depois do tracinho é um pronome pessoal/obliquo/ átono, como agora a gramática ensina. No tempo verbal deixaste, o pronome pessoal pode estar antes ou depois, é tu e pode estar subentendido (ex: “tu deixaste a torneira aberta” ou “ deixaste tu, a torneira aberta?” ou simplesmente “deixaste a torneira aberta”.
Muito bem, são erros que o corrector não detecta e passam muitas vezes, ficando o escrevinhador um pouco mal visto, mas agora, o pior, são os avisos do corrector para as palavras escritas da forma anterior ao (des)acordo. Podemos tomar como exemplo as que escrevi anteriormente, corrector e detecta, lá vem o sublinhado a confundir o pobre do escrevente. Mas eu vingo-me! Clico no acrescentar ao dicionário e pronto, lá enganei o “Word”. Para a próxima já não me chateia.
O Vasco de Graça Moura, no CCB, parece que mandou repor o “Word” anterior, com o dicionário na versão antes do (des)acordo. Eu também podia fazê-lo, mas dá muito mais gozo emendar o corrector.
Muitos dos meus amigos também não vão nesse aborto de mau acordo. Já basta os tipos que trabalham no estado e os pobres dos professores. Alguma vez o Reino Unido fez um acordo ortográfico? E os espanhóis? Os americanos que escrevam o inglês como quiserem e os sul-americanos que tratem a língua e ortografia espanhola como lhes apeteça. Os países de onde a língua é originária estão-se nas tintas. Nós, continuamos pobremente, a sujeitarmo-nos às maiorias. Ainda um dia destes verei portugueses a dizerem para a mulher “Senhora, dispa-se que eu quero lhe usar”. Frase muito ouvida na última versão da telenovela Gabriela. Brrrrr!
Entretanto continuo a borrifar-me para o (des)acordo.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sobre o que escrever?


Já há muito que nada escrevia para publicar neste "blog". O estado de espírito não tem sido o melhor e a inspiração não aparece. Mas, gosto de escrever e sinto essa necessidade. Penso que escrever é uma forma de comunicação e eu sinto-me um comunicador, mesmo que aquilo que comunique não seja nada de transcendente ou aproveitável. Sou o que se poderá chamar de um conversador, mesmo que sem interlocutor. É isso, gosto de conversar seja naquilo que for. Não é obrigatório conversar sobre temas difíceis ou demasiado intelectualizados. O que importa mesmo é passar momentos óptimos interagindo com os outros. Claro que temos sempre tendência em arrastar as nossas conversas para os temas que mais nos empolgam. É um defeito, mas quem os não tem? O meu então é perigosíssimo, porque adoro uma boa discussão sobre religiões. Sempre me interessei sobremaneira pelo tema. O que levará os homens a necessitarem de uma religião para conseguirem viver consigo próprios? O porquê da necessidade de deuses para complementarem a nossa vida, é para mim um mistério. Vivi até aos dezasseis anos completamente agarrado à religião católica. Sou baptizado, comungado, crismado e casado por essa igreja. Claro que no casamento já me tinha desligado dela, mas a mulher e a família viam nisso uma necessidade e que diferença me fazia a mim? Poderia ter casado por qualquer das igrejas existentes desde que isso fosse da vontade da minha futura mulher. O facto de me ter tornado ateu não criou em mim qualquer animosidade pelos crentes embora não os compreenda. Aliás, não os compreender não é bem. Compreendo que isso os complemente ou que lhes dê alento para conseguirem viver com mais ânimo. Só que não vejo essa necessidade. A vontade própria não chegará? Acreditar em deuses protectores ou redentores é muito difícil para a minha mentalidade. Preciso disso?
Dizem os crentes que deus os ajuda a decidir e traçar rumos para vida que lhes falta viver. Não sinto isso. Com deuses ou sem eles, os factos acontecem e nem sempre nos são favoráveis. Será que, quando o são, foi um deus que os trouxe ao nosso encontro? E quando não são? Foi algum deus que se zangou por não termos vivido segundo os seus preceitos? Mas esses preceitos, os dos deuses, foram estipulados por homens. Será que esses foram iluminados divinamente? Ou souberam aproveitar muito bem os medos humanos e obrigar os homens a seguirem preceitos que lhes serviram para os dominar? É um tema difícil e perigoso. Principalmente perigoso por muitos dos crentes não terem capacidade para aceitarem os que não o são. Muitas vezes um ateu é visto como um anticristo e conotado com o demónio.
Um ateu é aquele, que contrariamente aos crentes, aceita todas as religiões por não acreditar em nenhuma. Todos os outros só aceitam a sua como verdadeira rejeitando todas as outras como não válidas. Se todos pensam assim, logo nenhuma é válida. Tenho montes de amigos crentes e até sei que isso os ajuda a viver. Ainda bem. Sentem-se protegidos. Só que; nos terramotos as igrejas desmoronam-se sobre os crentes e enviam-nos para junto do deus deles, os doidos maléficos desatam aos tiros e enviam também as criancinhas para junto do “criador” e os políticos fazem as guerras e enviam os diversos sacerdotes para os campos de batalha para consolarem os seus apaniguados e ajudá-los a subir para junto dos “divinos chefes” e incutirem aos que não morrem, que a guerra deles é a correcta e, como tal, aceite por deus.
Sempre me interessei por religiões e gosto do tema levando-me a ler muita coisa sobre isso. Acabo por saber mais de algumas religiões do que os próprios seguidores. Mas é um tema polémico e vamos ficar por aqui. Mesmo assim muitos dirão: “Lá está o chato a bater na mesma tecla”. Um amigo até queria que eu desse um curso sobre religiões. Eu? Nem me meto nisso!
Afinal, consegui escrever algo. Ainda bem!