segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A Troca



(problemas da idade avançada)

Sou um tipo que gosta de comunicar. Comunicar falando, comunicar escrevendo. Mas, o certo é que só comecei a ser um falador após deixar de fumar, o que aconteceu pelos meus 38 anos. Passei a comer que nem um lobo, quando era um pisco, e para compensar a falta do tabaco falava. E hoje sou aquilo a que se pode chamar uma língua de prata. Por um lado, é bom; comunico com os amigos, conto umas anedotas, tento ensinar o pouco que sei e também aprendo com eles, mas acabo entretendo a malta. Na piscina, os meus amigos até já sentem a minha falta quando, por algum afazer extra, eu não apareço. Enquanto nos despimos, nos lavamos e nos vestimos, vamos conversando e dizendo umas graças. Só que a idade não perdoa e com o “paleio” vamos esquecendo umas coisas e, normalmente, lá temos de voltar atrás à procura das chaves, telemóvel, frascos do gel de banho, champô, etc. Mas aconteceu pior. Eu conto: Um destes dias, enquanto me limpava, sentado no banco corrido do balneário, conversava animadamente com o meu amigo José Valente. Entretanto, deito a mão às calças penduradas no cabide atrás de mim e começo placidamente a vesti-las. O meu amigo, sentado de frente vê um companheiro ali às voltas como quem procura algo e pergunta-lhe: “Perdeu alguma coisa?”, ao que ele responde: “Roubaram-me as calças!”
Nesse momento dá-se-me um clarão cerebral e exclamo: “Não me diga que estou a vestir as suas?”
E estava. O meu amigo Valente costuma rir com gosto das minhas anedotas, mas já há muito que não o via com um ataque de riso como aquele. O pobre quase morria de tanto rir e eu contagiado, também ri com gosto do meu despistanço. E continuei a rir pelo caminho a pensar o que seria eu a chegar a casa e a minha mulher descobrir que levava calças trocadas. Havia de ser bonito.
O certo é que o episódio tem sido contado a toda a gente e já começa a ser a piada do mês. O que faz a idade e a distracção.

sábado, 15 de setembro de 2018

Mulher Que Segue à Frente



Mais uma noite de cinema. Comecei por procurar o filme a ver. Não me apareceu nada que me despertasse muito interesse. Apenas um me alertou um pouco por se tratar de uma história baseada num caso verídico.
Muitos filmes que retratam a vida e a forma de pensar de minorias étnicas, não são normalmente vistos do interior dessas minorias para fora, mas sim através de elementos da comunidade da ocupação e opressão que, entrando junto dessas minorias, acabam percebendo-os e condoendo-se da forma de vida a que os ocupantes os obrigam. Temos exemplo do filme “Dança com Lobos” de e com Kevin Costner e outros anteriores como “Cochise” (A Flecha Quebrada) de Delmer Davies com James Stuart e Jeff Chandler no papel do chefe índio.
No caso em apreço, Susanna White realiza um filme sobre Catherine Weldon (Jessica Chastain), uma mulher, viúva, ainda jovem que, sendo pintora e influenciada por vários quadros que viu sobre o Oeste selvagem, resolve viajar para conhecer e pintar o célebre chefe índio da tribo Sioux, Sitting Bull. Estava-se em 1890 e uma mulher sozinha para aquela região da América era um procedimento impensável e até muito mal visto pela comunidade incrivelmente pudica e religiosa, além de que Touro Sentado era considerado o responsável pelo facto inédito de ter conseguido a união de várias tribos que infligiram aos americanos uma das maiores derrotas da sua história na célebre batalha de Litle Big Horn em que o 7ª de Cavalaria, comandado pelo Coronel Custer é completamente dizimado até ao último homem. Por outro lado, Sitting Bull estava a ser tomado como responsável, pelo movimento que se estava a verificar na comunidade índia a que chamavam A Dança dos Fantasmas.
Catherine passa tormentos, mas consegue chegar junto de Touro sentado, apesar da oposição do Coronel responsável pela tentativa “democrática” de implementar o tratado de loteamento de terras em que o governo reduzia a metade o território índio, prometendo, em compensação, a atribuição de terras a famílias que as quisessem cultivar (uma forma de dividir para reinar). A própria população branca da cidade é ostensivamente hostil a Catherine chegando inclusivamente à agressão física. Resistindo a tudo isto a nossa heroína consegue não só o célebre retrato, mas também acabar por se envolver no processo político levando Sitting Bull a não aceitar o tratado trazendo atrás de si toda a população índia. Ora isto é precisamente o que General, encarregado do processo do Tratado, quer para ter o pé de atacar a comunidade índia que é perseguida e massacrada em Wounded Knee, um dos capítulos mais vergonhosos da história americana.
Entretanto, Sitting Bull, sabendo que iria ser preso, tenta afastar Catherine que, por sua vez é atacada pelos militares da escolta, ficando inerte na neve sem sentidos.
Mas, o sobrinho do chefe índio, com uma carabina de longo alcance, fere de morte o seu tio livrando-o da ignomínia do cativeiro.
Claro que, à boa maneira americana, o filme não segue exactamente os factos históricos, não se coibindo até de mostrar, de forma algo velada, o interesse sentimental entre os dois protagonistas, ou não fosse a realização de uma mulher.
Catherine regressa a New York tornando-se uma defensora das minorias. Um dos quatro quadros de Sitting Bull pintados por Catherine Weldon encontra-se exposto na Sociedade Histórica do Dakota do Norte.
De qualquer modo, uma boa película que se vê com interesse e em que as paisagens, as gentes e as formas, nos são mostradas como autênticas pinturas, mas, infelizmente, com uma péssima banda sonora.
Numa das deambulações do Chefe índio e da pintora pelas sua terras, o índio faz-lhe notar que ela não deve ir à sua frente por uma mulher não se poder adiantar a um Chefe; ela pergunta-lhe: “Tenho de ir atrás?” ao que o índio responde: “Não, basta ir a meu lado. Atrás pareceria minha prisioneira”. Mais tarde chama-lhe “ Mulher que segue à frente”.
Não sendo uma obra prima, compensou o tempo de espectáculo.

sábado, 8 de setembro de 2018

O Infiltrado (BlacKKKlansman)


(Ontem fui ao cinema)

Spike Lee, realizador e produtor norte-americano, é um negro nascido em Atlanta, licenciado e mestre, que é conhecido pela defesa da integração total dos negros numa América, que foi e volta a ser, um dos bastiões da segregação racial.
Baseado na história de Ron Stallworth, um policial negro na cidade de Colorado Spring´s, que ajudado por um seu colega branco, se conseguem infiltrar na famigerada seita KuKluxKlan.
Não sendo nenhuma obra prima, o filme é apresentado de forma correcta, com algum humor, característica de Spyke, que o torna interessante de seguir sempre com interesse no final, mas com nuances humorísticas não exageradas que o amenizam.
O interessante é que Spike começa por nos apresentar algumas sequências de filmes antigos ( E tudo o Vento Levou) na célebre cena em que Scarlett O´Hara procura o médico, na estação de caminho ferro pejada de feridos e, O Nascimento de uma nação, de D. W. Griffith, mostrando-nos no final os acontecimentos em Charlottesville, Virginia, em 2017 e parte do discurso de Trump em que profere a célebre frase “ América first”, característica dos membros do Klan, numa alusão à relação da América de 1970 e a de hoje.
Filme interessante de seguir, em que mais uma vez, Spike sem medos, nos mostra um retrato preocupante da América, mas em que, ao mesmo tempo, saímos com um leve sorriso nos lábios por vermos que ainda há quem fale verdade.
Valeu a pena.