domingo, 11 de março de 2018

Num quarto de hospital


O Homem estava em fase terminal. Os médicos já não acreditavam na sua recuperação. Estava para ali já colocado num quarto, ao lado de outro que, com o mesmo, só esperava o fim. Revia toda a sua vida e pensava que tudo tinha sido estranho. Passara o tempo a pensar na mulher e nos filhos. De casa para o trabalho, do trabalho para casa, sem tempo para a diversão, e mesmo que o tivesse tido, os proventos não lhe dariam azo a isso. Tanto que almejara, tanto que queria ter feito e dado aos outros e nada tinha conseguido. E agora aquela maldita doença que o apanhara. O cancro é muitas vezes curável, mas outras não. O dele tinha sido galopante e não lhe dera tempo para nada. Hospitais, consultas e tratamentos, tinham-no feito andar numa fona e afinal para quê. Também, afinal, para quê mesmo? A família ficaria bem melhor sem ele. Neste momento já era um encargo e bem pesado. Poderia ser até que a mulher ainda conseguisse encontrar alguém. E que esse alguém lhe pudesse dar a vida que merecera e bem melhor mereceria agora. Tanto pediram a Deus, nas suas orações e durante as missas dominicais, para terem saúde, algum conforto, harmonia e saúde e afinal… Mas Deus continuava no seu pensamento. Fechava os olhos e via Deus. Não era bem uma pessoa, talvez uma forma em nuvem esbatida e esfumada, que de vez enquanto se transformava na figura de Jesus Cristo, seu Filho. Eram os dois Deus e a Sua vontade seria sempre única, fosse tomada por um ao outro. Rezava baixo, sempre na esperança de ser atendido. E porque não? Fora bom homem, bom marido, bom pai, bom empregado. Porque não ser atendido por um Deus a quem sempre se dirigira nas horas más e a quem agradecera nas horas boas. O seu companheiro de quarto agonizava. Os ruídos que lhe saíam da garganta já anunciavam a morte. Faleceu dois depois.
O médico vinha vê-lo todas as manhãs. Chegava, cumprimentava-o perguntando: “Como vai isso?” Como se ele não soubesse. Nessa manhã demorou mais um pouco. Chamou a enfermeira e fez-lhe algumas perguntas em voz baixa. Ao sair disse-lhe:
— Senhor António, tenho boas notícias. Surpreendentemente, os últimos tratamentos produziram algum efeito. Há uma esperança. Amanhã vamos continuar. Tenha fé.
Sorriu-lhe. Fé tinha ele, mas esperança muito pouca. Pelo sim pelo não virou os olhos ao céu e agradeceu ao seu Deus. Três semanas depois estava com alta. Regressou a casa e foi recebido com júbilo. Tinha de voltar ao hospital para controlo e exames de confirmação. Num desses dias, passou pela maior enfermaria da ala oncológica. Muitos dos doentes eram praticamente cadáveres vivos. Enquanto esperava para entrar no gabinete médico, junto ao balcão das enfermeiras, ouviu uma a dizer para a outra que; “hoje já foi o segundo. Com dois que foram ontem já foram quatro para a morgue”. O nosso homem começou naquele momento a tomar consciência de uma realidade. Não fora só o seu companheiro de quarto. Todos os dias morriam muitos doentes com a mesma doença. Ele fora um abençoado. Nesse momento perguntou: “Porquê ele? Porque não aqueles todos também? Não teriam Deus? Seriam ateus? Seriam assim tão pecadores? Porque Deus não lhes perdoara? Será que ele era mais merecedor?
Então aí ele viu o porquê. Não era ele o merecedor. Eram os outros. Deus gostava mais deles e por isso levou-os para ao pé de Si. Afinal eles é que estavam destinados à companhia divina. Ele não era merecedor, por isso teria de continuar a mourejar. E aí ficou triste. Podia estar agora junto do seu Deus e ele não o quisera. Porquê se tão bem sempre se tinha portado? Não merecia isto…
À saída foi atropelado por um autocarro.