sábado, 15 de dezembro de 2012

As crianças, as armas e Deus


Aos 11 anitos dei entrada nos Pupilos do Exército. Aí durante sete anos foram-me incutidas as bases que me permitiram ser o que fui e sou. Logo de início as armas foram-me mostradas, ensinadas e por mim usadas. Tínhamos instrução militar com armas, instrução teórica sobre armamento e prática de tiro com as tão apreciadas deslocações à Serra da Carregueira. Claro que me lembro de em criança já brincar aos “cóbois” com os tão apetecíveis revólveres de barro adquiridos nas feiras da Agualva ou Mercês, depois de muito azucrinar a cabeça ao meu Pai.
Lembro-me dos muitos Pum! Pum! E Pá! Pá! com que brindávamos os nossos “inimigos” quase sempre os que faziam o papel de índios e de bandidos. Eram esses os “maus” que os “western” nos mostravam como não fazendo mal abater. Os “bons” e o “rapaz” nunca morriam.
Nos Pupilos aprendi que as armas, que nos mostravam e ensinavam, serviam apenas para a guerra. Da guerra começámos a ter aquela visão romântica dos “bons” que lutavam contra os “maus” para salvarmos a humanidade de “terríveis” ditadores que se queriam assenhorear do mundo. O inimigo também não fazia mal matar. Esquecíamos que os inimigos também eram homens que também acreditaram nos seus líderes e nos combatiam por motivos idênticos aos nossos. Esquecíamos que o soldado que se abatia com toda a frieza, também tinha Mãe, Pai, mulher ou filhos e que todos os familiares choram os seus mortos.
Por gostar de coisas mecânicas também gostei e gosto de armas e possuo algumas que fui adquirindo ao longo da vida. Fui um bom aluno a armamento e alguns dos meus amigos podem confirmar isso. A maioria estava-se nas tintas para aquilo e nada sabiam, pois não contava para nota. Pratiquei tiro desportivo à bala e a chumbo e ainda hoje caço. Nunca ensinei o meu filho a mexer numa arma, teria tempo para isso se fosse essa a sua vocação. Não só não mexia como sabia que mais ninguém podia mexer e durante anos as armas estiveram expostas em minha casa sem que ele ou algum amigo lhes tivesse tocado. Hoje não só não lhes liga, como abomina qualquer violência, o que me deixa o problema de não saber a quem deixar o arsenal.
Vem todo este arrazoado a propósito do que se passou ontem numa terreola do estado do “Connecticut” nos USA. Porque acontecem coisas destas? O que levará um jovem de 20 anos a massacrar daquele modo Mãe, professores e crianças?
Agora chora-se e todos pensam resolver a situação modificando a lei das armas nos “States”. É certo que há armas a mais e que a sua proximidade e profusão poderá facilitar estes acontecimentos, mas qualquer alteração ou proibição não resolverá nada. O que seria preciso era mudar as mentalidades.
Os USA foram criados à lei da bala. Muitos outros países também, mas não esqueçamos que nos fins do século XIX e princípios do XX, nos USA, ainda se resolviam diferendos e se defendiam honras a tiro, principalmente nas terras do Oeste. O uso da arma sempre foi, para os americanos, a prova de que “tenho uma arma tenho a razão”. Só que os marginais e os doidos também pensam assim. Podem retirar e legislar montes de arrazoados sobre armas mas estas situações irão continuar. Veja-se o que acontece cá com a nova lei das armas, os “bons” não as conseguem mas os “maus” compram-nas por todo o lado. Para o exercício da caça qualquer um consegue uma arma, depois de pagar montes de licenças e exames ao estado. Esquecem-se que as caçadeiras também matam pessoas.
A humanidade é má. Está nos nossos genes. Criámos deuses protectores da nossa vida e também que nos aconcheguem para além da morte, mas esses deuses são só nossos. Para os outros, eles que tratem de lhes pedir protecção e se não a conseguirem que se lixem. Esquecemo-nos de criar deuses que, não só nos protejam, mas que façam com que os mortais sejam bons e não se matem uns aos outros. Para o “índio”, para o “bandido” para o “inimigo” não haverá deuses que os salvem, mas poderíamos ter ”criado” um deus que nos fizesse ter amor e carinho pelos que consideramos diferentes.
Com esta mentalidade continuarão os massacres de inocentes, e mais nos USA do que noutros países onde também os há mas em menor escala.
Mais uma vez “Deus” não esteve lá. E não me venham com a cantilena de que se assim aconteceu foi porque ele quis. Poderia ter encontrado outra forma, menos violenta e traumatizante, para os “chamar” à sua presença.
Os massacres de inocentes continuarão, por mais lágrimas que o Obama verta.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Deprimido/Depressivo


Hoje estou deprimido. Deprimido mas não depressivo. Depressão é doença. Deprimido é estado de espírito. Aliás, estado de espírito é lugar-comum. Não há estados de espírito. Não pode haver estados daquilo que não existe. Espírito e alma é linguagem poética ou religiosa. Há formas de como o nosso cérebro reage a factos externos ou internos. Fica-se deprimido quando nos morre alguém de quem gostamos, quando alguém nos magoa ou outros factos da vida nos agridem. O cérebro reage e altera-nos os sentimentos. As situações deprimentes passam com o tempo, com alteração da situação que lhe deu origem, com um pedido de desculpas. As situações de depressão têm de ser tratadas com medicamentos.
Claro que com um espírito forte (vontade) consegue-se sair duma situação de depressão sem medicamentos, mas normalmente necessita-se de ajuda. Para isso existem os psicólogos e psiquiatras. Os primeiros tratam sem medicação, pela palavra, pela ajuda psíquica. Os segundos usam os chamados coletes químicos que substituíram os antigos coletes-de-forças, ambos manietam os pacientes, os químicos menos violentamente.
Não preciso de coletes. O meu estado de deprimido vai passar. Passará com o tempo, com a força de vontade. Mas os estados deprimentes deixam marcas. Tornamo-nos mais duros, mais renitentes, mais calejados.
É no estado de deprimido que tenho mais vontade de deixar no papel as minhas ideias, isto é, “o meu estado de alma” leva-me a isso. O meu cérebro congemina formas de passar ao papel não só o que me atormenta, como contar histórias ou descrever situações vividas e marcantes. Outras vezes acontece-me não contar ou descrever nada mas pura e simplesmente escrever sobre o estado em que me encontro. As situações que vivemos no dia-a-dia muitas vezes agridem-nos de tal modo que nos torna deprimidos. Continuo a referir deprimidos e não depressivos. Muito haveria a dizer sobre isto mas infelizmente não sou um Saramago.
Poderá muitas vezes confundir-se a reacção a certos factos que deprimem, com as idiossincrasias de cada um, mas não é a mesma coisa. As idiossincrasias de um indivíduo ou de um colectivo (povo, estado, nação) são formas de reacção a factos exteriores. As idiossincrasias são normalmente constantes e permanentes ou pouco mudam e quando mudam levam tempo chegando a levar gerações. Os estados deprimentes podem mudar com facilidade. A nossa reacção a um facto, pode ter hoje uma forma, amanhã outra. A propósito, gosto da palavra idiossincrasia. Faz-me recordar um livro de que gostei sobremaneira. “O Que Diz Molero” do Diniz Machado. A personagem principal, “o rapaz”, como Diniz Machado lhe chamou, tinha especial atracção por essa palavra. Eu também. Acho-a excelente. A sua sonoridade transmite-me realmente aquilo que exprime.
Vou, portanto, “matar” o que me deprime e deixar que as minhas idiossincrasias voltem a tomar conta da situação.
Obrigado por terem chegado até aqui. Estou um “chato” do caraças…

sábado, 24 de novembro de 2012

Poseidon versus Neptuno

Poseidon estava sentado sobre um casco de navio afundado quando reparou que uma concha puxada por golfinhos se aproximava. Era Neptuno que o vinha visitar. Poseidon preparou-se para o receber. Já sabia que iam discutir. Nunca se entendiam. Cada um reivindicava a supremacia sobre os mares.
-- Olá Poseidon – disse Neptuno. – Sentado num casco de navio? Que fazes aí?
-- Este, onde me sento, foi baptizado pelos homens com o meu nome. Quem os autorizou a isso? Darem o nome do deus dos mares a uma casca de noz. Como se um simples objecto criado pelos mortais merecesse o meu nome. Para provar que sou o mais poderoso, virei-o ao contrário afundando-o. Foi giro ver todos aqueles seres mesquinhos e pequenotes a tentarem salvar a pele. Morreram quase todos e, não foram todos porque alguém tinha que ficar para contar a história. Vens tu agora, usurpador do meu trono, ou por outra, em tentativa de usurpares o meu trono, colocar algo em causa?
-- Estais enganado, o rei dos mares sou eu, assim determinaram os senhores do mundo, que me criaram. Os Romanos assim o quiseram e assim será.
-- Rapazola de um raio, quando apareceste já eu reinava há muito sobre os mares. Os meus criadores, os Gregos, eram os detentores das ciências, das filosofias e das artes. Os teus senhores, esses miseráveis Romanos, vieram muito depois usurpar tudo o que de bom os gregos deixaram. Criaram então deuses para substituírem todos aqueles que já por cá andavam, mas as bases são gregas e os principais deuses também. O reino dos mares é meu quer tu queiras ou não.
-- Isso veremos. Fui eu que deixei ou permiti que muitos povos percorressem os mares. Fui eu o cantado por Camões e, até Fernando Pessoa, o ilustre poeta português, me colocou em terra personificado no “mostrengo”, aquele que defendia dos mortais o cabo tormentoso, só se tornando de “Boa Esperança” depois de eu deixar passar aquele povo heroico que descobriu mais de meio mundo. Eu permiti a passagem aos homens, tu mataste-los por ignomínia. Tu que foste engolido pelo teu pai à nascença. Tu que só por bondade de Zeus foste regurgitado por Cronos. Não tens direito a reinar aqui.
-- Ah! Ah! Ah! Pobre réplica de mim. A história está cheia de réplicas de deuses como tu. Foi a nossa história, que os teus pais romanos estudaram. Foi essa que copiaram para fazerem seus os nossos deuses. Fizeram-te filho de Saturno e irmão de Júpiter e Plutão. Chamaram-te deus das fontes das águas e também dos terremotos. Que tinha a terra a ver com o mar. Esses romanos eram loucos. Tenho a impressão que houve já alguém a dizer isto… Parece-me que foi o Asterix…
-- Asterix? Não conheço.
-- Claro! És um ignaro e uma fraude. Asterix foi um que nunca se subjugou aos teus patrões e sempre os combateu nunca lhes permitindo ocupar a sua Gália. Foram homens como ele e os seus pares, os percussores da vossa queda. O pior é que outros vieram e outros deuses também criaram, tornando a nossa história em mitologia. Um dia os deuses deles também virarão mitologia e outros deuses aparecerão. Parece que a humanidade, esses pobres seres, não sabem viver sem deuses.
-- Caro Poseidon, antes que os nossos tridentes se cruzem, vou dar uma volta por aí. Vai mas é para Copenhague e deixa-te lá ficar sobre um pedestal, eu volto para Florença. Fico numa das fontes que criei.
O fundo da piscina reflectia raios dourados como hexágonos que ora se alongavam ora se contraíam como raios eléctricos, chamando-me à realidade. Perdi de vista os deuses que me ocuparam a mente durante segundos e saí para o balneário. Já debaixo do chuveiro constatei que o Asterix também não tinha toda a razão. Não só os Romanos eram loucos, toda a humanidade também…
(Bem, se me chamarem maluco digo que não fui eu que escrevi isto...)

sábado, 10 de novembro de 2012

A Junta, o Bocage e aqueles que arquitectaram uma tertúlia que lhe é dedicada.

Hoje, fui até ao auditório Carlos Paredes, a convite de um dos meus mais recentes conhecimentos, que espero se venha a tornar numa salutar amizade, Francisco de Assis Machado, que conheci na piscina da Junta de Freguesia de Benfica, que ambos frequentamos e onde se situa também o auditório. Francisco Machado é uma pessoa interessantíssima e multifacetada. Professor, poeta, cantor e músico é também um utilizador experiente das Novas Tecnologias (NT), com um blogue na Internet e contas no Facebook, entre as quais uma de que é colaborador assíduo e que se intitula “Tertúlia Poética “Ao Encontro de Bocage”.
Antes de continuar este meu apontamento, quero aqui deixar a minha homenagem à Junta de Freguesia de Benfica que mantém diversas estruturas sociais, lúdicas e culturais, apoio a idosos, várias actividades dedicadas a jovens, etc… As minhas costas, já um pouco castigadas pela idade e pelas atrocidades que lhes preguei nas picadas de além-mar, quer pela actividade profissional quer pelo exercício da caça, agradecem o benefício que a natação oferece. Mas, continuemos…
Francisco Machado, que se intitula PoetAmigo Frassino Machado, é um entusiasta colaborador da tertúlia já referida, que todos os meses realiza um espectáculo cultural constante de declamação de poesia, canções, dança e música. Estes eventos são dirigidos e apresentados por América Miranda, também poetisa, criadora da tertúlia.
Confesso que o espectáculo me surpreendeu pela positiva. América Miranda deixou uma imagem de entusiasmo contagiante e foi uma apresentadora e colaboradora de excelência. Os declamadores, quase todos também autores, estiveram muito bem, os cantores, todos amadores, portaram-se como profissionais e o nosso Frassino Machado, declamou, cantou e acompanhou-se à viola, fazendo-o, quer na sua poesia, quer nas músicas de Adriano, uma das quais com texto seu, com um laivo de intervenção política, muito a ver com a situação que actualmente vivemos. E isto protagonizado, na grande maioria, por pessoas da chamada meia-idade.
O ambiente fez-me recordar a minha infância, onde na terra, havia uma sociedade recreativa à qual chamávamos “Grémio” que nos proporcionava espectáculos idênticos. O meu bem-haja a todos os criadores e artistas intervenientes. Fiquei cliente e, sempre que puder, lá estarei em eventos futuros.
Obrigado Frassino por me ter proporcionado este bom momento.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O Powerpoint do momento

Um amigo enviou-me um mail com um anexo de um powerpoint com o nome em epígrafe. Aliás é um mail já bem conhecido visto já ter recebido muitas mensagens com o dito. Partindo do princípio de que nem todos o receberam, vou tentar deixar aqui o respectivo link, se estas novas tecnologias funcionarem como espero:
Como estava com a chamada veia, resolvi responder a esse meu amigo, que devido à salutar confiança que temos, não levou a mal esta verborreia, se a um escrito lhe posso chamar tal. Depois de lhe responder, achei que tudo o que lhe escrevi também servia para todos aqueles que já me enviaram tal powerpoint. Por não ser razoável e até ser impossível agora, saber quais os que o fizeram, resolvi colocar a resposta aqui no blogue:
“Pois! Vão divulgando. Entretanto o OE foi aprovado. Ah! Mas agora na especialidade... Pois! Vão esperando... Ah! Mas o PR vai mandar para o TC... Pois! Continuem a esperar... Entretanto vamos pagando com língua de palmo. Pois! Faz poupanças. Não gastes. Não gastar em quê? Já pouco dá para não gastar. E se só gasto para comer, para ter casa, electricidade, água e internet... (OLHA LÁ! Queres Internet para quê?) de que vale viver? 
Se calhar tenho que cortar tb a NET. Porra! E depois não faço mesmo nada. Está bem...vou esperar a morte calmamente a ver filmes na ZON. ZON? Para que queres essa merda? Não te chegam 4 canais generalistas? 4? Qualquer dia são só 3, talvez não fique por ali, e por esses pagas muito e não bufas.
Olha meu filho, arranja é lá maneira de pagares os medicamentos que é aquilo que tens mais certo até chegares ao fim...Ah! Ainda tens Deus. Vira-te para ele. Pois. Por mais que tente virar-me ele ainda não arranjou nenhum para as despesas e continuo na mesma. Ah! Mas e o consolo? Tá bem pronto! Tou consolado... só que com dívidas e nem ao menos me sai o euromilhôes.. se me sai tenho que entregar 20% a estes fdp. Olha lá! Não blasfemes. Tens de lhes pagar para estares vivo. E para estar morto tb e não tenho dinheiro para o funeral. Tá bem. Essa é uma despesa que não vai de certeza dar-te preocupação.

Que tal? Gostou? Quer que continue? Bah! Não vale a pena…

Abrç”

Nota: Os negritos são a fala do divino…

E agora tenham paciência e não me batam muito, mas ponham-se a pau…

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O Nada

Hoje não me apetece escrever. Não tenho motivo, não tenho paciência, não tenho nada. O nada às vezes é óptimo. Dá para preguiçar, ler, pensar, passear e para dormir. Estou sem sono não durmo, estou sem paciência não escrevo, estou com preguiça não passeio. Enfim, um cérebro totalmente desocupada e apanhado pela ausência ou “enchimento” de coisa nenhuma. Vou ao computador e vejo as msgs a entrar, uma duas, três, ena tantas… Já ando nisto há muito, as msgs são conhecidas e algumas repetidas. Parece-me até impossível como é que tanta gente ainda não as conhece. Pelo número de vezes que já aqui entraram custa a crer que tipos que, como eu, que já cultivam este “vício” desde há muito, nunca as tenham recebido. Talvez andem esquecidos ou gostem tanto delas que não são capazes de as apagar sem as reencaminhar. Lá me aparece uma ou outra inédita para mim. Repasso aquela a que acho graça ou que tenha algum conteúdo sério. A outra não merece repassar. Dei comigo a olhar o monitor e a não ver nada. Sacudi a cabeça e abri um word. Nada me abre a mente, mas já que tenho o word aberto vou escrevendo isto. Que não é nada. Já que não tenho nada, escrevo sobre o nada. O que se pode escrever sobre o nada? Acho que nada. Está bem, pronto! Vou tentar. O nada é apenas uma palavra e as palavras podem ter vários significados;
- Que fazes hoje? - Acho que nada. - Que faz o peixe? - Nada.
Às vezes substitui interjeições fortes; - Nada! (p….) Aleijaste-me! Outras vezes: - Vais sair? – Qual nada! – Foste para a cama com ela? – Fui. – E então? – Nada!
De qualquer maneira e seja qual for o contexto, o nada é quase sempre igual a zero.
A propósito do zero! Aí está uma forma de escrever algo sobre algo que é nada. Será?
- Quanto dinheiro tens? – Zero. Aqui está! Dinheiro zero = a nada. – Quanto dinheiro tens? – 10 Euros. Aqui está um zero que afinal já não é o mesmo que nada. Quem inventou o zero? Parece que foram os árabes. Ou terão sido os hindus?
Fomos à NET:
“ … aproximadamente no ano 500, textos gregos usavam o ômicron, que é a primeira letra palavra grega oudem (“nada”). Anteriormente, o ômicron, restringia a representar o número 70, seu valor no arranjo alfabético regular.
Talvez o uso sistemático mais antigo de um símbolo para zero num sistema de valor relativo se encontre na matemática dos maias das Américas Central e do Sul. O símbolo maia do zero era usado para indicar a ausência de quaisquer unidades das várias ordens do sistema de base vinte modificado. Esse sistema era muito mais usado, provavelmente, para registrar o tempo em calendários do que para propósitos computacionais. 
É possível que o mais antigo símbolo hindu para zero tenha sido o ponto negrito, que aparece no manuscrito Bakhshali, cujo conteúdo talvez remonte do século III ou IV d.C., embora alguns historiadores o localize até no século XII. Qualquer associação do pequeno círculo dos hindus, mais comuns, com o símbolo usado pelos gregos seria apenas uma conjectura.  
Como a mais antiga forma do símbolo hindu era comumente usado em inscrições e manuscritos para assinalar um espaço em branco, era chamado sunya, significando “lacuna” ou “vazio”. Essa palavra entrou para o árabe como sifr, que significa “vago”. Ela foi transliterada para o latim como zephirum ou zephyrum  por volta do ano 1200, mantendo-se seu  som mas não seu sentido. Mudanças sucessivas dessas formas, passando inclusive por zeuero, zepiro e cifre,  levaram as nossas palavras “cifra” e “zero”. O significado duplo da palavra “cifra” hoje - tanto pode se referir ao símbolo do zero como a qualquer dígito - não ocorria no original hindu.

Parece pois que o “nada” preocupou muitas mentes antes da minha. Gostava era mesmo de saber como é que os romanos faziam divisões. E como é que os grandes matemáticos gregos, antes de 500, se safaram sem o zero?

E com isto ainda fiquei mais vazio. Estou a zero. Não resolvi nada e nada disse. Também não me importo. O que estava mesmo era a dissertar sobre o nada…

sábado, 20 de outubro de 2012

O Cavalo que não quis ser burro


(dedicado à crise)
O Cavalo estava lindo, luzidio, gordo, livre e feliz. O seu dono tirava-o todas as manhãs das baias e levava-o para o pasto onde podia correr, escolher a melhor erva, espinotear e até espojar-se na terra do prado. Tinha água fresca no tanque que, para o efeito, enchiam todos os dias, uma manjedoura com ração e alfarroba para entremear com o pasto e palha fresca para se deitar quando lhe apetecia. Agradava-lhe sobremaneira ser aparelhado e levado ao picadeiro onde os netos do seu dono o montavam na aprendizagem da nobre arte de dominar um cavalo. Vivia, portanto, feliz e contente, num correr dos dias suaves e mornos, acompanhado às vezes pelo burro que, ao contrário dele, pouco tempo passava no prado, pois tinha que puxar o arado, rodar a nora, carregar os alforges cheios de hortaliças e outros artigos, muitas vezes demasiado pesados para as suas pobres costas. O pobre bicho também puxava uma enorme e pesada carroça enquanto ele passeava o dono e os netos numa elegante e leve charrete, bem pintada e reluzente.
Mas, começou a sentir que algo estava a mudar. O seu dono andava cabisbaixo e meditabundo. Quando normalmente o escovava, estava sempre cantando e a dizer-lhe palavras bonitas que o incentivavam a portar-se cada vez melhor e a querer ser cada vez melhor cavalo. Agora, além de o fazer menos vezes, fazia-o cabisbaixo, calado e triste. Que se passaria?
Um dia, ao lavá-lo e escová-lo, enquanto lhe passava a brussa pelo lombo, começou com uma conversa esquisita. De voz um pouco embargada, foi-lhe dizendo que as coisas estavam mal, as vendas andavam a baixar, as pessoas tinham pouco dinheiro e compravam menos, os intermediários cada vez queriam os produtos mais baratos, o estado aumentara-lhe os impostos, etc… enfim, as coisas andavam mal e as despesas da quinta cada vez eram mais elevadas e as receitas minguavam a olhos vistos. Um tipo do banco passara por lá, propusera-lhe um empréstimo, pagaria pouco por mês, mas tinha de dar a quinta como hipoteca. Fora na conversa e realmente, no início, tudo ficara melhor, mas agora via que fora uma ilusão, tudo estava pior e nem conseguia pagar o empréstimo. Tinha de cortar nas despesas. Não aguentaria continuar com tantos animais. Pensou vendê-lo a ele, mas não foi capaz. A amizade que lhe tinha era muita e partia-se-lhe a alma só de pensar em perdê-lo. Teria de vender o burro, a charrete, diminuir as vacas, porque o leite também já aumentara e não conseguia vendê-lo todo, desfazer-se das cabras e ficar só com meia dúzia de ovelhas. Assim, pedia-lhe desculpa, mas ele, que era o seu querido cavalo e seu orgulho, como tinha mais força, teria de fazer todo o trabalho.
O nosso pobre cavalo, que adorava o seu dono, disse para consigo que teria todo o gosto em o ajudar e que não se importasse. Iriam conseguir.
A partir daí tudo mudou. Puxou arados e carroças, moveu a nora para as regas, acartou alforges para a praça, deixou de comer alfarroba e nem forças tinha para se deslocar até ao prado deixando-se ficar na cocheira, entre baias, triste e cabisbaixo. O seu lindo pelo tornou-se baço por falta de tratamento, lavagem e escova. Tinha sido cavalo e passara a burro. Via agora quão difícil era a vida daquele animal que se fora dali. Onde estaria? Certamente já morto nalgum matadouro. Talvez tivesse sido a melhor sorte. Na quinta já nem apareciam os netos do seu dono. As selas, sempre limpas e luzidias, já não se viam penduradas na parede, tinham sido vendidas para ajudar nas despesas. Os campos, até ali sempre verdes e viçosos, pareciam agora terra seca e erma apenas com carrascos e estevas acastanhadas. Seria que as coisas iriam continuar assim ou o seu dono conseguiria dar a volta por cima e mudar o rumo dos acontecimentos?
O tempo foi passando e tudo piorou. O nosso cavalo mudara para burro e teria de continuar assim. Como era difícil. O seu dono, não aguentava a tristeza de ter de entregar a casa e a quinta ao banco e caiu à cama bastante doente. A filha, que morava na cidade, não tinha tempo nem sabia tratar da quinta. A bicharada foi desaparecendo a pouco e pouco. Um dia, de uma velha e desengonçada carroça, saiu um homem moreno e barba rala, vestido de negro, acompanhado de uma mulher também de negro e saia até aos pés. Falava com a filha do seu dono, numa algaraviada esquisita mas deu para entender que vinham buscá-lo.
Não o levariam. Estava solto e livre. Ganhou forças e correu saltando por cima da cerca da portada. Correu como o vento sentindo-se cada vez mais livre. Não seria mais burro. A brisa, com cheiro a mar, chegou-lhe às ventas e deu-lhe mais forças para a corrida. Chegou à orla marítima, a um ponto da falésia que conhecia de passeios que ele e o dono davam antigamente. Uma rocha saliente formava uma plataforma. Nem abrandou. Chegado à ponta saltou, caindo na água com alguma violência.
Com os olhos no horizonte, nadou, nadou, nadou… o seu amigo burro talvez o esperasse lá bem no fim…
Já estava longe da costa quando olhou para trás. Se continuasse morreria. Se voltasse talvez as coisas se recompusessem. Pensando no seu dono e na tristeza de o deixar, ganhou forças e voltou. Já na praia, deixou-se ficar recompondo as forças. Galopou até à quinta. O dono estava melhor, em pé na varanda como se esperasse por ele. Com um relincho aproximou-se colocando-se de modo a que o dono o pudesse montar. Partiram os dois rumo ao desconhecido. Amanhã seria outro dia e juntos haveriam de sobreviver.

domingo, 14 de outubro de 2012

O Pardal

Parei, como habitualmente nos meus passeios matinais, em frente da livraria alfarrabista. Chamou-me a atenção “ A Origem do Homem” de Charles Darwin. Como ando a ler um livro que a ele alude inúmeras vezes, “Breve história de quase tudo” de Bill Brysson, pensei em comprá-lo mas depressa engoli essa vontade. A “crise” que actualmente se vive, até esses pequenos prazeres me está a tirar. O dinheiro que penso gastar em livros e outras actividades culturais ou de prazer, faz-me falta para prover às necessidades diárias de manutenção de uma casa e família. Maldito dinheiro! Maldito capitalismo exacerbado! Malditos os governos que nos conduziram a isto! Maldita a vida que teima em acabar assim!
Dava mais uma vista de olhos pelas outras publicações quando, reflectido na vidraça da montra, reparei num velho pardal que debicava a terra junto de uma das árvores do passeio. Era um pardal dos velhos, já com gravata preta. Um macho, “senhor” do seu forte bico, procurando algo que lhe pudesse servir de repasto. Fiquei ali, embevecido, a olhar o bicho. O gato, à porta da livraria, olhava também. Não mostrou qualquer sinal de que pretendia atacar o passarito e eu congratulei-me com isso. Certamente vivia bem e não tinha fome, não precisando de caçar para comer. Naquele momento, dei conta de como a minha sensibilidade se tinha alterado. Como caçador, abato as espécies cinegéticas, sem ficar com qualquer problema de consciência, aqui na cidade, enterneço-me por ver um pardalito, bem vivinho, procurando sobreviver. Nem sempre foi assim…

− Pai. Dá-me dez tostões.
− Para que queres o dinheiro?
− Para comprar elásticos para uma fisga. Vou fazer uma como as que os rapazes daqui usam. Aquela que me compraste, com elásticos redondos e aquele cabo enorme, não serve. Custa a esticar e não dá pontaria nenhuma. Os rapazes usam elásticos de câmara-de-ar que compram no ferro-velho. O tipo corta um bocado que dá para dois elásticos e ainda sobram umas tiras para as ataduras. Com uma forqueta feita de uma haste de acácia e um bocado de cabedal duma lingueta de um sapato velho, faço o resto.
− Estou a ver. E depois vais para aí atirar fisgadas a torto e a direito e partir os vidros aos vizinhos. Não me arranjes sarilhos que já bastam os que tenho.
− Não. A fisga é para ir à caça dos pássaros, mais os rapazes daqui.
− Bem, toma lá e constrói a tua fisga. Depois mostra-ma para ver como ficou.
O puto correu ao ferro-velho e de lá trouxe o bocado de câmara-de-ar. Com uma tesoura que pediu à mãe, cortou os elásticos, foi à acácia mais próxima e escolheu uma forqueta bem apertada, cortou-a de cabo curto tirando-lhe a casca alisando-a com o canivete. De um sapato velho cortou a lingueta e com a tesoura cortou a sola da fisga. Montou tudo utilizando “cordões” do próprio elástico e saiu para a rua onde a experimentou. Estava óptima.
Com essa fisga, depois de alguns treinos, tornou-se um exímio atirador. Apanhou imensos passaritos pequenos procurando-os esgueirando-se por debaixo das oliveiras e outras árvores. O produto da caça era normalmente por ele preparado e depois frito pela mãe. Mas o puto andava triste. Nunca tinha sido capaz de caçar um pardal velho. Só os muito novos, quase acabados de sair do ninho, se deixavam surpreender por ainda não terem calo nem esperteza. Os pardais velhos eram demasiado matreiros e esgueiravam-se não se deixando caçar. Muitas horas foram gastas tentando enganar os pardalões. Um dia conseguiu.
Numa oliveira alta o pardal piava. O puto esgueirou-se por entre as árvores de modo a não ser pressentido. Já debaixo da grande árvore foi um sarilho para vislumbrar o bicho. Até que o viu. Piava olhando em frente e deixava a descoberto o peito roliço. O miúdo esticou os elásticos, apontou bem e desferiu a fisgada. A pedra atingiu o pardal em cheio, produzindo um ruído cavernoso. O pardal caiu entrechocando-se com os ramos, abatendo-se morto aos pés do rapaz, cujo coração batia com tal intensidade que quase se podia ouvir no silêncio do campo.
A alegria foi tanta que correu logo para casa para mostrar à mãe.
− Olha mãe! Consegui apanhar um pardal velho. Tenho de o mostrar ao pai.
− O teu pai hoje vem tarde. Fica a trabalhar e quando vier jantar já estarás deitado.
Foi uma tristeza para o puto, mas não se deu por vencido. Escreveu um bilhete a descrever a caçada e deixou-o em cima da mesa, no lugar do pai, com o pardal em cima…


Uma ambulância passou, com o seu desagradável “pi-nó-ni” afugentando o pardal. As minhas recordações foram-se desvanecendo. Hoje não faria tal coisa, mas caçar aquele pardal deu tanto prazer como actualmente abater uma perdiz em voo. Pode ser que um dia sinta pelas perdizes o que agora sinto pelos pardalitos.
Recomecei a caminhada. A porcaria da crise retornou à minha cabeça.
Ah! A fisga ainda a tenho, os elásticos foram mudando mas o cabo e o cabedal são os mesmos. A consciência é que já é outra. Não sei se para pior…

sábado, 29 de setembro de 2012

Como se sai da crise?


O Homem, entre todas as espécies animais, foi das que evoluiu, em alguns aspectos, com grandes diferenças. Não fisicamente, muitas outras foram muito mais favorecidas. Um cérebro grande e desenvolvido e um código fonético muito completo, permitiram-lhe, pela vivência em comum, desenvolver uma inteligência que aliada à capacidade de construir objectos, capacidade essa só possível pela oponência do polegar aos outros dedos, um modo de vida muito diferente dos outros animais.
Terá isso sido benéfico?
Vejamos:
Os nossos primitivos ancestros eram nómadas e caçadores recolectores. Iam vivendo nos sítios onde havia caça e produtos que podiam colher e consumir. Quando as coisas começavam a correr mal e esses recursos rareavam, mudavam de local. Exactamente o que as outras espécies, ditas selvagens, ainda hoje fazem e naquele tempo ainda não existiam deuses a quem pedir auxílio.
Como tinham um bom cérebro e viviam em comum, foram aprendendo e desenvolvendo pensamentos e ideias que os levaram a tornarem-se sedentários. Começaram a construir habitações, a recolher espécies que criavam em cativeiro e descobriram a agricultura. Uns tinham uns recursos, outros tinham diferentes e começaram a trocá-los entre si. Tudo isso dava uma trabalheira. Plantar batatas e trocá-las por porcos, fazer vestuário e trocá-lo por vacas, enfim, um trabalhão…
Para obviar esse inconveniente inventaram o dinheiro. Pronto! Lixaram tudo!
A inteligência deu-lhes para o egoísmo, para o roubo, para a vigarice. Uns começaram a ter muito dinheiro, outros pouco, e os endinheirados a explorarem a maioria dos que pouco tinham e eram os que mais trabalhavam. Aí, os mais desventurados inventaram deuses a quem se dirigiam para obterem benesses. Infelizmente os deuses são surdos.
Nas suas organizações, inventaram também os líderes. Estes começaram por ser os mais fortes fisicamente que empunhavam as maiores mocas para acalmarem as cabeças dos que tentavam fazer-lhes frente. Mas os líderes também se cansavam e então inventaram os apaniguados. Estes eram aqueles que, debaixo da autoridade dos líderes e beneficiados por estes, impunham a sua vontade geralmente pela força. Daí nasceram os governos. Quando a maioria se revoltava contra os líderes, arranjavam outro para se opor ao que estava e daí às guerras foi um pequeno passo.
Assim que os novos líderes se impunham voltava tudo à mesma. Os poderosos com muito e os outros trabalhando que nem cães, com muito pouco. Foi o princípio do capitalismo nascido da iniciativa privada.
Era preciso mudar as coisas.
Inventaram o comunismo.
Nada privado, tudo era de todos, trabalhava-se para a comunidade. Mas a classe dirigente não pôde deixar de existir. Só que essas classes começaram também a serem privilegiadas em relação às maiorias que obrigadas a viver segundo os padrões estabelecidas por aquelas não estavam satisfeitas. Tinham trabalho, comida, guarida, educação mas faltava-lhes a liberdade de poderem decidir serem pobres mas poderem ter o que quisessem adquirir. Também deu buraco.
Os capitalistas defendiam; só nós damos as oportunidades. Connosco podem optar pelo que quiserem. Era o lema de “pobrete mas alegrete”. Os bancos deram créditos, o povão gastou mais do que devia, os endividamentos cresceram, etc… deu também buraco. Os ricos continuaram ou ficaram mais ricos, o povão foi empobrecendo e os governos para tentarem superar a crise, tiram aos pobres para emagrecerem a despesa do estado. Só que com tal política também baixam as cobranças continuando e agravando a crise.
E agora? Qual o “ismo” que se segue?
Para mim será o “cavernismo”, isto é, voltarmos às cavernas.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

TEMOS DE MUDAR ESTE ESTADO DE COISAS

Já há muito que me apercebi da ineficácia da “democracia” que instituímos, mas ontem, depois de assistir aos “olhos nos olhos” da TVI24, ouvindo Medina Carreira e Paulo Morais, pergunto:
Em quem confiar?
Não na AR, não no PR que nada resolve, não nos partidos que até aqui nos governaram, não nas CM ou qualquer outra autarquia. Tudo isto está totalmente corrompido.
Restavam-nos os partidos de esquerda, PCP e BE. Este último fala bem mas não tem soluções e o PCP seria o único com capacidade governativa mas, a ideologia está estafada e descredibilizada e nada nos garante que, ao tomar o poder, não torne isto numa ditadura.
As sociedades de advogados tomaram conta das leis, a maioria dos deputados trabalha para garantirem o seu próprio futuro, a perpetuação no poder dos seus partidos e os três partidos maioritários guerreiam-se quando na oposição mas portam-se de igual forma quando poder.
Estamos, portanto, num beco sem saída. E o povão que se lixe e pague a crise que estes marmanjos vêm construindo desde há 38 anos.
Que fazer?
As FA estão de mãos atadas. Hoje culpadas por todos, como bode expiatório de um 25A que fizeram mas não souberam segurar e instituir como garante de uma governação do povo e para o povo. Espoliadas e castradas pelos vários poderes, estão hoje transformadas numa instituição pobre, de emprego para jovens que não o conseguem noutras actividades. As FA já não são o povo em armas, isso acabou com o SMO. Hoje seria difícil um movimento de capitães, levar soldados ao combate pela mudança. E depois? Se corre mal quem lhes paga?
E agora?
Parece-me, que agora só o povo poderá mudar tudo isto. Já começou com a manifestação de 15 Set passado. Mas não chega. O povo tem que exigir a alteração da constituição. Com esta não vamos a lado nenhum. Mesmo com um novo governo desta maioria, se o PR o decidir, não chegaremos lá. Tudo ficará na mesma. Teremos de eleger um Presidente responsável perante o povo, que indigite um governo da sua responsabilidade e que governe segundo o programa que apresentou ao povo na sua campanha eleitoral e dele não se desvie. Se tiver de haver desvios, terão de ser referendados. Quem elege terá também a responsabilidade de demitir caso a governação fuja do que ficará programado. Claro que isso não pode ser resolvido na rua. O povo terá de ter voz em órgãos especiais a criar que poderão partir das autarquias e assembleias municipais. Democracia é a participação do povo. Até agora a única coisa em que participamos é a colocação dum papelucho no caixote.
Haja gente honesta que construa esta democracia. Temos muito boa gente capaz de trabalhar honestamente numa mudança destas. Coragem? Será precisa muita, mas se não a encontrarem dentro das vossas vontades, não passarão de escravos.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

BLIMUNDA

Saramago, numa entrevista ao Jornal de Letras, em 1990, disse a propósito de Blimunda:
(...)Que outra condição, então, que razão profunda, porventura sem relação com o sentido inteligível das palavras, me terá levado a eleger esse nome entre tantos? Creio que sei a resposta, que ela me acaba de ser apontada por esse outro misterioso caminho que terá levado Azio Gorghi a denominar Blimunda uma ópera extraída de um romance que tem por título Memorial do Convento: essa resposta, essa razão, acaso a mais secreta de todas, chama-se Música. Terá sido, imagino, aquele som desgarrador de violoncelo que habita o nome de Blimunda, profundo e longo, como se na própria alma humana se produzisse e manifestasse, que me levou, sem nenhuma resistência, com a humildade de quem aceita um dom de que não se sente merecedor, a recolhê-lo num simples livro, à espera, sem o saber, de que a Música viesse recolher o que é sua exclusiva pertença: essa vibração última que está contida em todas as palavras e em algumas magnificamente." (...)
Saramago não autorizou que o seu livro “Memorial do Convento”, servisse de tema para um filme ou até peça de teatro e, fê-lo, porque achava que a sua personagem Blimunda não poderia ser descrita em imagens ou sequer representada em palco. Realmente, Blimunda é uma personagem de tal modo complexa que se tornaria impossível transportá-la para um “écran” ou para um palco.
Blimunda é a encarnação de um “Espírito Santo” numa trindade imaginada por Saramago. O Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão será “Deus” e, Baltazar, O Sete-sóis, a encarnação de “Deus” na terra.
Bartolomeu, o frade sonhador e inventor de uma máquina de voar, afrontando a Igreja, numa idade média assombrada pela terrível Inquisição, tentou elevar-se nos céus, o que, até ali, só era domínio de Deus
Baltazar, o Sete-Sóis, era o abnegado soldado, solidário com o seu próximo, sempre pronto a ajudar os fracos e oprimidos, num Portugal triste e cinzento para o Povo e em que o clero impunha a sua vontade a uma nobreza podre e mesquinha vivendo das riquezas do País e deixando o Povo na miséria.
Blimunda, a vidente, mulher de poderes incomuns herdados de sua mãe que, por ser vista como feiticeira foi degredada. Blimunda tinha a faculdade de, enquanto em jejum, ter visão de raios X e poder ver as coisas e as pessoas por dentro. E assim “via” nas entranhas de cada um tudo aquilo que de mau habitava os seres humanos, mas também as “vontades” que lhes permitiam lutar pela vida conseguir o bem de todos e tentarem transformar a sociedade em algo elevado e justo. Por isso, nunca olhou o seu Baltazar por dentro, porque o amava como era, comendo pão de olhos fechados, todas as manhãs, para quebrar o jejum. Mulher sensual e inteligente, vivia em concubinato com o seu homem, por não acreditar numa igreja corrupta e aproveitadora das fraquezas do Povo e da realeza, não aceitando regras que a escravizassem.

 “ (…) Baltasar, leva-me para casa, dá-me de comer, e deita-te comigo, Porque aqui adiante de ti não te posso ver, e eu não te quero ver por dentro, só quero olhar para ti, cara escura e barbada, olhos cansados, boca que é tão triste, mesmo quando estás ao meu lado deitado e me queres (...) MC.”

Blimunda acreditou na “fé” do querer voar de Bartolomeu e, ajudou-o sacando “vontades” que lhe permitiram encher os balões que elevaram a sua “passarola”.

Foi a musicalidade desta personagem, que levou Saramago a aceitar que Azio Gorghi compusesse e encenasse uma ópera denominada Blimunda.
A ópera foi estreada no Teatro Lírico de Milão em Maio de 1990, tendo tido grande aceitação do público já conhecedor da obra de Saramago. Gorghi, por seu lado, era já um compositor consagrado.
Tive o privilégio de ver Blimunda no teatro de São Carlos em Lisboa, na sua segunda sessão, onde, por acaso, Saramago, acompanhado do seu amigo Álvaro Cunhal, estava presente. Num dos intervalos, entre actos, eu e minha mulher, fomos cumprimentar Saramago a quem expressámos a nossa admiração pela sua obra e também pela ópera, em que colaborou no “libreto”. Aproveitámos também para cumprimentar Cunhal, não pela sua ideologia que não partilhamos, mas pela sua carreira política de luta antifascista, e pela coerência e determinação nos seus ideais.

Falemos agora da ópera; Blimunda foi para mim uma grande surpresa, pois que achava ser quase impossível encenar num palco, algo de tão complexo como o “Memorial do Convento”, mas, por estranho que pareça, isso foi completamente conseguido. Não sei se, alguém que não tivesse lido o livro, conseguiria entrar totalmente no que o espectáculo nos queria transmitir, mas eu, vi ali toda a súmula daquele livro extraordinário.
A música é diferente. Quem fosse à espera de uma ópera tipo clássico, talvez se arrepiasse um pouco com algumas dissonâncias apresentadas mas, penso que a melodia muito apoiada em violinos e violoncelos, transmitia muito a sensibilidade da mulher que dá nome à obra; BLIMUNDA.
A ópera termina como o livro. Baltazar foge na passarola de Bartolomeu subindo nos céus e Blimunda procura-o incessantemente vindo a encontrá-lo na fogueira da Inquisição pagando pelo “pecado” de querer assemelhar-se a Deus. E então, Blimunda, que ainda não tinha comido, olha-o pela primeira vez nas entranhas e tira-lhe as vontades, pois que estas, só aos dois pertenciam.

(Texto também publicado no Boletim da Associação dos Pupilos do Exército)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O sem-abrigo (excerto)


(excerto de um policial ainda em elaboração)


Fernando, aproveitando o fim-de-semana, levantou-se cedo deixando Mariana a dormir. Depois de tomar banho, vestiu um fato de treino e foi dar uma volta pela cidade. Gostava de deambular pelas ruas olhando as pessoas com quem se cruzava. Foi assim que conseguiu a maioria das ideias que complementaram os livros que escrevia. Sabia que não tinha grande talento para a literatura e como tal, uma vez que gostava de escrever, dedicara-se ao romance policial. O reencontro com o seu amigo Anselmo, companheiro do liceu, agora inspector da judiciária, proporcionara-lhe ter vivido e continuar a viver casos reais. Cogitava na vida e no porquê das pessoas enveredarem pelo caminho do mal e da podridão. Não aceitava mas compreendia que o homem pudesse enveredar, muitas vezes pelo caminho da violência. O Ciúme, os desencontros amorosos, as traições, as palavras amargas, poderão fazer um ser humano exorbitar e entrar em violência verbal e até física, mas viver do mal dos outros? Assenhorearem-se do alheio? Matar por prazer? Violar? Maltratar crianças? Como era possível? Nestas alturas vinha-lhe à cabeça que a maioria dos indivíduos que assim procediam, eram os chamados tementes a deus. Cometiam os maiores pecados e depois corriam até a um padre confessando-se e obtendo uma absolvição que os consolava, até uma próxima vez.
Para ele, a ideia de deus era inconcebível, tão inconcebível como o fantasma da sua avó andar lá por casa a tomar conta de tudo e todos, programando a vida deles. A maioria das pessoas crê num deus pessoal que tudo vê, tudo controla, tudo programa. Alguns intelectuais, não acreditando nisso, acham que ao homem foi dado o livre arbítrio, mas que existirá um deus cósmico, muito acima dos humanos, que com a sua batuta rege os princípios universais. Os maçónicos, normalmente anti-clericais, chamam-lhe o grande arquitecto. Carl Sagan diz, “isto é um mundo de idiotas”. Ao conhecer-se cada vez mais o universo, ficamos com consciência que a terra é um grão de areia no cosmos. Por que raio havemos nós de ter um deus? O que faz ele nos planetas desabitados? O que fez ele durante os milhares de milhões de anos em que não houve seres humanos? Pois! A mente humana tem muita força e cria deuses para se poderem perpetuar para além da morte. Não aceitando o fim de tudo, criam uma outra vida obra de deuses. Estava farto de dizer isto, mas tirando a família e meia dúzia de amigos, os outros olhavam-no como se do demónio em pessoa se tratasse.
Parou a observar um melro que transportava matérias de construção para o seu ninho. Aqui estava a natureza e as sua leis. Todos os seres tratavam da sua reprodução e não precisavam de deus para nada. Só o homem, na sua ignorância, o criara.
Assobiando baixinho reparou que já estava bastante longe de casa. Mariana já devia ter acordado e tinha que tomar o pequeno-almoço com ela. Estugou o passo mas o seu cérebro continuou a pensar...

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A VIDA


(“Poema de pé quebrado” de má rima e pior métrica)

A vida quando vivida
Com gosto, com harmonia
Com fazer e desfazer
Com amor, com valentia
Sem medo e sem destino
Sem vendas e sem temor
Sem nenhum manto divino
Sem donos e sem senhor
Dá-nos descanso tamanho
Dá-nos tremendo vigor
Para aceitar o calor
Da força da natureza
Que em toda sua beleza
Nos conduz, com a certeza
De um belo fim sem temor.
Pena que é que o vil metal,
“Satanás” que o inventou
Pra atazanar nossa vida,
Nos cause tremendo mal
E nos faça em desatino
Alterar nosso destino
E provoque uma corrida
Sem retorno, contra o vento,
Para ganhar o sustento
Para conseguir comida
Para encontrar alento
De dar guarida e sustento
Àqueles que nos são queridos
E sem os quais não vivemos
Pois com eles, nós sabemos,
Que os queremos ao pé de nós
Prá vida ser bem vivida
Sem nos dar um fim atroz.
Bom seria atrás voltar
E nas cavernas viver,
Andar no mato e caçar
Todo o alimento preciso
E viver no paraíso
Sem um senhor a mandar
Que nos tolha a consciência,
Nos obrigue a trabalhar
E nos provoque a demência
Da riqueza procurar.

domingo, 22 de julho de 2012

FRASSINO MACHADO E FERNANDO PESSOA

Em todo o lado se encontram pessoas interessantes, com quem aprendemos conversando. Falo de Francisco de Assis Machado da Cunha que, nas suas obras e no seu blogue, se intitula Frassino Machado:



Conheci este professor de história, filósofo, poeta, músico, cantor e literato, na piscina onde normalmente vou todos os dias nadar para ver se mantenho o físico mais ou menos direito e se a coluna ainda se aguenta por mais uns anitos. No pouco tempo de que dispomos, enquanto nos aprontamos, no vestiário, para entrar e sair, conversamos sobre vários assuntos. Trocámos e-mails e blogues e vamos inserindo um ou outro comentário nos nossos artigos.
Num desses artigos, Frassino Machado inseriu o célebre poema “O Mostrengo” de Fernando Pessoa, que mereceu, de uma sua amiga, um comentário em que dizia ser Pessoa um astrólogo e mítico talvez influenciado pelas religiões orientais, etc.
Frassino Machado não concordou contrapondo que Pessoa nunca tinha sido astrólogo e que no poema e em toda a “Mensagem” nada havia de astrologia nem de misticismo mas apenas se notavam as influências da aventura e da vontade indomável dos portugueses.
Eu, que de pessoano nada tenho, mas que pelo que tenho lido, sempre o achei um tipo deveras esquisito, acabei interferindo, concordando com o que o professor Machado disse, menos de que Pessoa não era astrólogo.

Pessoa multifacetado
Fernando Pessoa era uma pessoa bastante eclética, com conhecimentos de diversas áreas. Além de poeta, era, também, um dramaturgo, ficcionista, pensador, crítico, ocultista, esotérico, e astrólogo
A título de curiosidade, Fernando Pessoa foi o responsável pela introdução do planeta Plutão, descoberto em 1930, nas cartas astrológicas. Os seus estudos de astrologia permitiram-lhe, também, fazer algumas previsões sobre o futuro literário e político da sua pátria. Dessas, destaca-se a previsão acertada da Revolução dos Cravos, que se deu quatro décadas após a sua morte. 
Esta profunda atracção pela astrologia e cabala está demonstrada nas inúmeras cartas astrais que o poeta elaborou ao longo da sua vida. Chegou, inclusive, a realizar uma para os seus três grandes heterónimos! 
A sua excentricidade revela-se, também, no ocultismo e esoterismo de Pessoa. Sabe-se hoje que este nutria um interesse especial por Sociedades Secretas, destacando-se a Maçonaria, os Templários, e Rosa-Cruz. O poeta afirma mesmo na sua nota biográfica ter sido “Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.”

(Retirado de um artigo na Internet – Blog Ler Mais Pessoa -)

Pessoa era um indivíduo muito introvertido, solitário, alcoólico e misógino. Nunca lhe foi conhecida nenhuma mulher e até a aquela de quem ele fala, Ofélia, parece nunca ter sido totalmente dele (?).
No romance de Saramago “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, Pessoa manteve uma relação com a tal Ofélia, mas julgo que essa relação foi mais fruto da imaginação do autor do que verdadeira. Já o facto de Fernando Pessoa ter criado todos aqueles heterónimos, nos leva a crer que era um indivíduo com personalidade dúbia e se escondia, talvez de si próprio. São conhecidas montes de cartas astrológicas que elaborou de diversas personalidades. Aliás, os seus amigos mais conhecidos, eram também tipos, grandes autores literatos, mas não muito seguros. O grupo Orfeu, constituído por ele, Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros, foi intitulado de modernista e futurista. Defendiam que o poder só deveria ser detido pelos intelectuais e que os outros, o povo, não tinha capacidade de se governar. Agora, a indivíduos como estes, chamar-lhes-íamos fascistas. Mário de Sá Carneiro era um triste e acabou como se sabe, dando cabo da própria vida e Almada era um homem de inteligência superior mas completamente alucinado. Quem elabora um poema como a “A Cena do Ódio” não pode estar bom da cabeça, apesar de ser uma obra excepcional de tão louca. Pessoa, o grande vulto da nossa literatura, também não batia bem. Até a sua sexualidade não estava bem definida. O seu heterónimo Álvaro de Campos era nitidamente homossexual o que se pode inferir em inúmeros dos seus escritos. Ora, Álvaro de Campos era Pessoa…
Claro que estou a dissertar como leitor e não como estudioso da obra de Pessoa. Por outro lado também não tenho bagagem literária suficiente para me meter em grandes estudos da personalidade de Pessoa. O meu recente poetAmigo (como normalmente assina) Frassino Machado poderá de certeza dizer muito mais de sua justiça. Conhecer Frassino Machado foi óptimo.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O LANGÃO

O Langão não se chateia, não reclama. Vive do que lhe dão e não precisa pedir. Dorme quando quer, levanta-se quando quer. É meigo mas medroso do desconhecido. Não tem deus nem religião. Uns gostam dele, outros não lhe ligam nenhuma, outros têm medo e muitos são indiferentes. O Langão está-se nas tintas. Passeia com quem é amigo. Só tem um defeito; gosta demasiado de fêmeas e raramente lhe escapa uma. Assim que certos odores lhe passam pelo nariz, demasiado sensível, aí vai ele no seu trote desengonçado, até encontrar o local onde se encontra a coitada, normalmente encerrada. Espera pacientemente uma escapadela furtiva e trás. O certo é que as suas conquistas são normalmente bem-sucedidas. Nenhuma lhe escapa nem faz por isso. O pobre coitado, já de si magro, pelo pouco repasto que consegue, já tem os quadris meio encaracolados devido à actividade amorosa. É demasiado alto e as companheiras de ocasião nem sempre estão à medida. Já tem tido algumas brigas com outros que, como ele, também se querem aproveitar. Ultimamente anda mais encostado à civilização. Já reparou que há uns habitantes mais sensíveis e generosos. Tem uma amiga, das privilegiadas, que come todos os dias e dorme em cama fofa e recolhida das intempéries, com quem brinca mas não conquista. Infelizmente a companheira foi coarctada dos seus órgãos reprodutores e não tem qualquer apetência para as actividades amorosas. Além do mais é demasiado pequena para ele que é um bom matulão. Dão-se normalmente bem até que a pequena não se chateie da brincadeira, aí ela mostra dentes e às vezes até parte para a agressão.
O Langão merecia que alguém o adoptasse. Quem o levar arranja decerto um bom amigo. Eu e alguns vizinhos estamos a fazer tudo para isso, mas não é fácil. A crise e o modo actual de vida não é propenso a que se adoptem langões e, um “pointer” com uns bons 40 kg não é propriamente um bichinho para andar ao colo mas, será um bom companheiro para umas passeatas e até para a caça se ensinado para isso.
Enquanto um dono não aparece lá o vamos amparando na medida do possível. Pode não comer tudo o que necessita, mas de fome não morre. Entretanto, as cadelas da região, vão vivendo felizes.



domingo, 8 de julho de 2012

ÁFRICA, MINHAS RECORDAÇÕES…


O homem parou o “jeep” á beira da estrada. Um grande embondeiro, uns 60 metros ao lado direito, chamou a sua atenção. Grande árvore aquela. Imponente e nua de folhagem, tronco enorme e grosso, os ramos nus e finos cresceram para o alto de forma desordenada tendo nas pontas frutos pretos e secos pendurados como se fossem grandes morcegos em descanso. O seu olhar passou muito para além tentando vislumbrar qualquer animal. Nada. Parecia que o tempo parara por ali. Uma calmaria silenciosa impressionava. Aquela África estava estranha, não parecia a África que o tinha seduzido há muitos anos atrás. Tudo estava tão diferente…
“− Meu Capitão, agora que já carregámos a lenha, podíamos fazer uns tiros ali aos frutos daquele embondeiro? A malta nunca atira, o meu Capitão nem lá no acampamento nos deixa atirar quando há ataques.
− Claro que não vos deixo atirar. Vocês por acaso já viram algum inimigo quando há confusão por lá?
Os moços tinham razão. O Capitão ficava furioso quando havia tiroteio. A rapaziada do Batalhão e das Companhias, quando havia meia dúzia de tiros, faziam tal estardalhaço que mais parecia que se defendiam de um ataque dum batalhão de infantaria. Era um desperdício total sem qualquer resultado prático. Os seus homens estavam industriados para só atirarem se houvesse aproximações ao arame farpado. Em quase dez meses na região, apenas uma vez vira dois tipos a correr ao longe, depois de terem dado uns tiros para o estacionamento, desaparecendo logo no mato. Os nossos fizeram guerra por conta própria durante meia hora. Os seus rapazes nem um tiro deram.
Agora estavam cheios de vício para dar ao dedo.
− Está bem, atirem mas um de cada vez. Vamos ver qual o primeiro a desfazer um dos frutos.
E o pessoal lá se divertia com os falhanços da rapaziada que, infelizmente eram muito maus atiradores.”
Decorridos quase 40 anos, aquelas imagens vinham-lhe á memória como se aquelas cenas tivessem ocorrido ontem. A nossa guerra terminara e ainda bem. Chegara a altura de deixarmos aquelas populações entregues a si próprias.
Que vantagens trouxera a colonização? Os colonizadores serviram-se das populações para executarem trabalhos que nada lhes deu. Os frutos desses trabalhos apenas serviram aos colonizadores e dentro desses só aos poderosos. Evangelização? Bah! Para quê? Não estavam eles satisfeitos adorando os seus próprios deuses e fetiches? Selvagens? Não sei quem era mais selvagem, se eles se nós que tanta asneira por lá fizemos e tanta dor provocámos. Pois, construímos cidades, ensinámos os povos a vestirem-se e calçarem-se. Pusemos alguns a irem à escola mas tendo sempre o cuidado de não lhes ensinarmos muito pois povo educado pensa e pensar abre as mentes e isso era perigoso.
Agora não estavam melhores. As elites revolucionárias tinham tomado conta do poder e a ditadura instalara-se. A ansia de poder e a corrupção instalou-se nos governos e o povo continuou na miséria. Mas, enfim, pelo menos eram governados pelos seus. Que se desenrascassem.
O homem continuava sentado no banco do “jeep” e não lhe apetecia sair dali. O calor húmido começou a fazer os seus efeitos e a camisa colava-se-lhe ao corpo. Andou com o carro um pouco mais para a frente colocando-se à sombra de uma árvore. A tarde aproximava-se e alguns pássaros começaram a ouvir-se. Estava a passar aquela parte do dia em que a savana africana descansa. Dentro de momentos uma miríade de sons far-se-ia ouvir. Fechou novamente os olhos e as recordações voltaram…
“O Alferes médico corria de maca para maca, na pequena enfermaria do batalhão, tentando fazer a triagem daqueles mais necessitados de cuidados imediatos. Os feridos entravam na enfermaria à medida que iam chegando ao estacionamento. Uma emboscada tinha-os apanhado uns quilómetros antes e as baixas tinham sido consideráveis. Explosões na picada, causadas por armadilhas comandadas à distância, tinham apanhado a coluna em cheio e causado mais estragos que os tiros que se lhe seguiram. A Companhia vinha, há vários dias, fazendo segurança à engenharia que fora reparar vários troços da perigosa picada Nanbuangongo-Zala. O Capitão tinha corrido a prestar o auxílio possível àqueles homens que tanto tinham suportado e agora sofriam pelos ferimentos recebidos. Sentia-se impotente por não saber bem o que fazer no meio daquele caos. O médico tentava socorrer um homem com um traumatismo craniano quando o enfermeiro o chamou por um dos feridos ter começado com convulsões.
− Meu Capitão ajude-me aqui. Segure com a sua mão o parietal deste homem. Contenha o mais possível a hemorragia e veja se a massa encefálica não sai. Este já perdeu alguma e se perde mais não se safa.
E ali ficou o Capitão com uma cabeça entre mãos e massa encefálica a querer sair por entre os dedos. Como era isto possível? Porque aconteciam coisas destas? Pois, estavam mesmo em guerra embora muitas vezes se esquecessem disso. Quando acabaria tudo aquilo? Quando é que os políticos chegariam à conclusão que não se vence um povo determinado a libertar-se? Se lessem mais livros de história rapidamente se aperceberiam que os povos, quando se sentem oprimidos por invasores, se entram em guerras de libertação, ninguém os vence.
A noite foi longa e, graças aos abnegados esforços daquele médico, do seu enfermeiro e de todas as ajudas possíveis, não houve mortes. Já de madrugada fizeram-se as evacuações para o hospital de Luanda.”
O homem pôs o “jeep” a trabalhar e arrancou. O trabalho, que o fizera regressar a África, esperava por ele. Agora já não estava em guerra com ninguém, mas os angolanos continuavam numa guerra fratricida em luta pelo poder. O homem não aprende nem sabe viver em paz. A ganância causa exploração e esta causa rebeliões, mas a ânsia pelo poder é o pior dos males.