sábado, 14 de dezembro de 2019

Joker

Porraaaaaaa!!!!!

É só o que me apetece dizer depois que saí do cinema. Já me tinham dito que o filme era bom, mas ao associar o título ao personagem patético e meio estúpido do psicopata inimigo do Batman, não me puxava para uma ida ao cinema.
Após uma ou outra crítica rápida de amigos que viram o filme, lá me despertou o interesse e, fui.
Excedeu tudo o que imaginava. Excelente argumento, excelente interpretação e excelente final.
O filme retrata uma América dividida em duas sociedades completamente distanciadas entre si. Uma rica, opulenta e política, absolutamente alheada de uma outra de miséria moral pobre em todos os sentidos, mas sem ser totalmente miserabilista, que tenta sobreviver num mundo quase de caos, mas com vontade de sobressair através de acções, sejam elas, do mundo do espectáculo ou do crime.
Um homem solteiro, que vive com a mãe enferma a quem presta assistência, sofre de uma doença que lhe provoca risos descontrolados em situações nada condicentes com essa manifestação e, que se veste e caracteriza de palhaço (joker), de forma muito semelhante ao inimigo do Batman, tentando viver da arte de comediante, mas para a qual não tem ponta de talento. Frequenta um hospital, onde uma psiquiatra o vai tratando, mais através de medicação do que propriamente por psicanálise.
O seu riso descontrolado, provoca nos outros reacções de surpresa que muitas vezes acabam em gozação e violência, levando-o a ripostar assassinando os seus detractores.
Mas, o pior da questão, é que são os pobres e desalentados como ele, que lhe colocam na mão a arma com que o nosso Joker assassina os que o ridicularizam e até os (ricos) que ele julga serem os culpados da situação em que se encontra.
O mau SNS americano acaba por lhe retirar o apoio e nem os medicamentos consegue obter.
E assim, um homem que tenta fazer rir os outros e inserir-se dentro de uma normalidade de vida, acaba tornando-se um assassino.
Não vou aqui contar o filme. Vejam-no e apreciem-no e, só vos digo que o final é de… morte.
Uma interpretação excepcional do actor, até aqui desconhecido para mim, Joaquin Phoenix. Um pequeno papel de Robert de Niro, sempre igual a si próprio e um lote de excelentes actores secundários.
Um retrato de uma América triste, inculta e feia. Saí perturbado, amarfanhado, mas satisfeito e mais culto.

Vão ao cinema.






domingo, 1 de dezembro de 2019

Bolos na montra.



Hoje, à porta da pastelaria onde tomo o meu café matinal, reparei em dois miúdos, mal vestidos, cara suja, um pouco ranhosos, olhando com olhar embevecido, os bolos artísticos que estavam na montra. Sorriam face aos bonecos que os bolos figuravam, mas via-se que o que gostariam mesmo era dar umas boas mordidelas naquelas guloseimas que ali viam.
Olhei depois para o interior e acabei por fazer comparações com aquela gente que se acotovelava para comprarem os bolos rei e ao mesmo tempo tomarem o pequeno almoço. E o pior é que a maioria eram pessoas que já conheço dali, por lá tomarem o pequeno almoço diariamente. Acho que estes não são ricos, mas gastam todos os dias 6 ou mais euros num pequeno almoço que, tomado em casa ficaria por 2 ou menos. São estes os cidadãos que normalmente dizem mal dos nossos governantes apontando-lhes todos os defeitos e acusando-os todos os males que os afligem, apontando a desgraça em que está o nosso SNS, mas que nunca puseram o cu num hospital civil porque pagam um seguro de saúde e vão aos privados.
“Vejam lá que a minha vizinha debaixo, esta noite teve uma dor, uma tremenda cólica, foi ao hospital e esteve lá 8 horas e, ao fim, veio de lá apenas com uma receita. Chegou a casa com uma tremenda diarreia, não dormiu toda a noite e só de manhã é que lhe passou.”
Claro! Passou-lhe porque tomou o medicamento e só então se lembrou que tinha comido uns restos do frigorífico, que já lá tinha há uns dias, e que realmente não estavam com grande aspecto. Se tivesse ido ao Centro de Saúde ou tivesse ligado para o SOS 24, tinha resolvido o problema e não tinha ido atravancar as urgências hospitalares.
E com tudo isto começo a pensar que bom seria vivermos num país onde todos pudessem usufruir de um rendimento que os tirasse da pobreza e, ao mesmo tempo, ter um governo que não permitisse rendimentos acima de um máximo estabelecido.
Tu és é comunista, dizem os meus amigos que vivem com rendimentos acima da média. Eu pergunto-lhes: “Olhem lá, mas isto não é social democracia?”
Quero lá saber o que é. Só sei que a pobreza, está mais nos países do sul que do norte, nos dos cristãos católicos que dos outros e que, no fim, o que se verifica é uma grande diferença de educação e cultura.
E com tudo isto sinto-me impotente para mudar as coisas. Vou fazer como os outros. Vou culpar o governo. Eles é que são maus.
Acabei por sair dali e só depois, já em casa, é que me lembrei que devia ter comprado um bolo aos putos. Mas para quê? Talvez lhes fizesse pior. Ao menos assim não ficam com o sabor na boca e frustrados por não poderem comer um bolo todos os dias.
Mas estamos no Natal. Que bom!

domingo, 10 de novembro de 2019

Parasitas




Se me tivessem convidado para ir ver um filme coreano, certamente diria que não, mas as linhas tortas aparecem, não direitas, como Deus escreve, mas apenas por coincidências que nos parecem estranhas, que não passam realmente de acasos. Era para vermos o filme do Woody Allen e estava esgotado. A rapariga da bilheteira convenceu a minha mulher a comprar bilhetes para o tal filme, que era muito bom, que seria considerado o melhor filme do ano, muito premiado, etc., etc. E lá acabei sentado à espera de uma grande seca. O filme é estranho, mas acaba por mostrar algo que é comum em todos os países do mundo. Pobres a quererem ser ricos e ricos a viverem vidas fúteis. Com esta dicotomia, o realizador constrói situações que alternam entre comédia, drama e tragédia.
Uma família pobre, vivendo numa casa miserável dum bairro paupérrimo tipo degradado, cheio de bicharada que a edilidade tenta destruir com pulverizações que quase matam os habitantes e deixam tudo na mesma. Esta família, para que o produto entre na habitação, deixa propositadamente uma janela aberta. Entretanto, o filho do casal consegue por intermédio de um amigo, dar explicações de inglês à filha de um casal muito rico que vive num bairro chiquérrimo numa casa estupidamente moderna, onde tudo tem linhas rectas, vidros enormes, móveis claros e aparelhos moderníssimos. O rapaz, uma vez que a irmã e os pais estavam desempregados, consegue que a irmã vá ensinar e tratar psicologicamente o filho mais novo dos ricos, um miúdo híper activo que tenta viver como os índios americanos e atira setas para todos os lados. A irmã, por sua vez, consegue que despeçam o motorista e acaba por empregar o pai. Tramam também a governanta que também é despedida e assim arranjam emprego para a mãe. Claro que fingem não se conhecer, mas dizendo que as referências vêm através de amigos e são as melhores possíveis. Para complicar as coisas a rapariga rica apaixona-se pelo seu explicador. A família vai acampar três dias com o miúdo e os pobres aproveitam e fazem um festim enorme comendo e bebendo do bom e do melhor em grande regabofe. Batem à porta e aparece a antiga governanta que, a propósito de que deixou algo na cave, entra e vai à dita, tipo bunker, que foi construído para se defenderem dos mísseis da Coreia do Norte, e que está permanente fechada porque o rapazito tinha visto um fantasma que, dizia, vivia lá em baixo. O fantasma não é mais que o marido da antiga governanta que há quatro anos lá vive a comer e a beber. As coisas complicam-se, os pobres descobrem, acabam todos à pancada, a antiga empregada cai pela escada abaixo ficando desmaiada e o marido acaba por morrer e é levado e enterrado num ermo.
Cai uma grande chuvada, uma tempestade valente, os ricos regressam e os pobres lá conseguem esconder e arrumar tudo de forma a que não dão por nada. Voltam á casa deles, mas a janela aberta provocara uma inundação e se pouco tinham nada ficou. Voltam aos seus empregos e, depois da tempestade vem a bonança. No jardim decorre uma festa de aniversário. De repente, vinda do interior da casa, irrompe a que se pensava morta, com um cutelo na mão e tudo aquilo acaba numa mortandade e um banho de sangue. O resto só indo ver o filme.
O realizador consegue realmente mostrar as diferenças entre ricos e pobres, em que os pobres até são mais cultos e instruídos e, os ricos se o são não o mostram dada a futilidade em que vivem. Não passa de uma trágico-comédia, que nos faz rir e ao mesmo tempo nos arrepia.
 Bem filmado, com bons movimentos de câmara, mas que nos deixa cabisbaixos e de boca amarga.
Enfim, suporta-se, mas penso que não será aquele êxito que preconizam.


terça-feira, 18 de junho de 2019

Edmond


  

Pois é, mais uma vez fui ao cinema e a escolha recaiu num filme francês sobre o autor de Cyrano de Bergerac. Desde muito cedo tomei conhecimento com a história através de um filme de 1950, “made in USA”, (estava no Pilão e já me considerava um cinéfilo) com o actor Jose Ferrer célebre pelo seu papel no filme Moulin Rouge, e realizado por Michael Gordon. Gostei da história, mas só muito mais tarde me apercebi que o autor, Edmond Rostand, tinha feito a peça totalmente em verso. Revi esse filme nas Caldas da Rainha em 1958. Muito depois, voltei a ver o narigudo Cyrano de Bergerac desta vez estrelado pelo excelente actor francês Gerard Depardieu e realizado por Jean-Paul Rapeneaud e foi neste filme que me apercebi que as falas do mesmo são o poema completo de Rostand.
Por tudo isto resolvi-me a ver Rostand e não dei o tempo como perdido. Realizado por Alexis Michalik, a película é-nos apresentada como comédia ligeira, mas colocada de forma bastante séria.
Edmond Rostant (Thomas Solivérès) era um dramaturgo que só sabia escrever em verso e já tinha tido alguns sucessos, mas que se encontrava numa fase sem talento e já há dois anos que nada escrevia. Resolve então oferecer-se ao actor, muito conceituado, Benoît-Constant Coquelin (Olivier Gourmet) para uma nova peça, uma comédia heróica a ser entregue na época das festas. Só que tem um problema, é que ainda não a tinha escrito. Esta peça viria a ser o clássico Cyrano de Bergerac.
Assistimos então a uma autêntica maratona de ensaios de cenas sem que o próprio autor ainda não saiba como as vai continuar. Ao mesmo tempo que vai conhecendo os actores vai imaginando as cenas das personagens que interpretarão, e colocando as suas falas em verso.
Solicita que um seu amigo, actor com créditos em papéis de galã, interprete o papel de apaixonado pela personagem feminina, Roxane, de rara beleza, por quem Cyrano, seu primo, está completamente apaixonado, mas incapaz de se declarar devido à sua fealdade por ter um descomunal nariz.
Na vida real esse seu amigo está apaixonado pela actriz que interpreta o papel de Roxane, mas, tal como o personagem da peça, é totalmente incapaz de falar ou escrever algo de jeito à sua amada que aprecia as boas prosas. O nosso autor acaba por ajudar o amigo e ser ele a escrever as belas cartas que a actriz recebe pensando serem do seu amado. E assim, apoiado nas suas próprias palavras, se vai construindo, nessa mistura da realidade e ficção, a excelente peça dramática que apenas tem pouco menos de um mês para ser levada à cena. Edmond é casado e ama a sua mulher, mas a actriz, que mais tarde se apercebe ser ele o autor das cartas, acaba enamorada e indecisa.
A peça é um êxito contra todas as opiniões antes formuladas e a cena final de Cyrano de Bergerac é de um dramatismo total que deixa os espectadores em lágrimas.
Nas legendas finais são referidas as muitas vezes que a peça foi levada à cena em inúmeros palcos de todo o mundo, assim como todos os filmes realizados sobre o mesmo tema.
Valeu a pena.




sábado, 30 de março de 2019

A Ribeira das Jardas

Em tempos escrevi uma espécie de livro de memórias a que chamei O Lagarto por me ter servido de um bem grande que cacei em miúdo, como catalisador da sequência de episódios. Publiquei este texto no Boletim da APE, pelo que os meus amigos Pilões, em princípio já o conhecem, mas penso que não o coloquei aqui no Blog e ele merece cá estar para meu próprio conforto. Se já conhecem muito bem, mas se não, leiam-no e que vos dê o mesmo prazer que me deu a escrevê-lo.

A Ribeira das Jardas

(Capítulo publicado no Boletim da APE nº 203/06)
O grupo, cinco rapazes e duas raparigas irmãs, deslocava-se pela estrada poeirenta. Alguns de calções, elas de calça de ganga, todos de roupas aligeiradas. O destino chamava-se ribeira das Jardas. Local aprazível com uma ribeira de água límpida. Aqui e ali vários pégos (nome que era dado aos sítios mais largos, fundos e espraiados) eram aproveitados para boas banhocas. A rapaziada, quando sozinhos, tomava banho, tudo nu, em franca e alegre brincadeira. Desta vez todos levavam fato-de-banho debaixo das vestes. Com meninas era necessário ter pudor. As idades variavam entre os 12 e os 15, mas, naqueles tempos ninguém se atrevia a tentar qualquer aproximação de cariz sexual. Apenas namoros ligeiros com beijos e festas já bastante libidinosos, mas com respeito. Os rapazes apoiavam-se em varapaus de zambujeiro bem polidos e tratados. Serviam de apoio, de arma de defesa, objecto para caça, matar cobras, lagartos ou qualquer outra bicheza que pudesse assustar as moças. Elas transportavam, livros, bola, ringue, sacos com a merenda e uma manta para se sentarem na erva fresca da ribeira.
Chegados ao local, espaço ervado rasteiro parecendo relva, com bastante areia junto da água e árvores frondosas, salgueiros, choupos e faias, estendia-se a manta ficando a água e a merenda na sombra. A passarada esvoaçava entre os ramos e o gorgolejar de rouxinóis, melros e toutinegras era constante. A rapaziada desfazia-se das roupas e só com os fatos de banho pulava para a água brincando, chapinhando, puxando os pés às miúdas que se fingiam agastadas, mas gostando da brincadeira. Os barbos, bordalos e pimpões refugiavam-se nos buracos das margens e esperavam que a barafunda passasse.
Depois do primeiro banho escolhiam-se equipas para uma jogatana de “mata”, jogo de ringue em que a equipa das duas raparigas juntamente com os namorados, jogava contra a dos três rapazes “solteiros”, um mais miúdo, mas ladino e os outros dois jogadores eméritos. Após vários jogos e depois de muitos saltos, muita ringada nas pernas, alguns impropérios que se escapavam da boca dos rapazes, muitos protestos, muitas gargalhadas, não importava quem ganhava e tudo acabava em grande estafa e canseira. Um novo banho na bela água da ribeira retemperava forças e disposições. Seguia-se o “almoço” normalmente constituído por sandes, pastéis de bacalhau, croquetes, muita fruta, laranjadas e água pura. O coaxar das rãs substituía o transístor ainda não inventado. Depois, os “solteiros” faziam umas explorações rio acima, caçando pássaros com as fisgas e procurando algum coelho que incauto se deixasse apanhar com uma boa varapauzada.
Aí, os “namorados” aproveitavam para umas “marmeladas” com muitos beijinhos e festinhas e muitas tentativas de mãos com tendência para se infiltrarem onde não deviam. As moças iam pudicamente, mas devagarinho, travando esses avanços. Os rapazes, quando já muito excitados, corriam e mergulhavam na água escondendo e esfriando a sua excitação.
O regresso era feito a horas de chegar a casa tomar banho e jantar. Moravam todos perto uns dos outros e nem era necessário despedirem-se. À noite, na rua junto ao muro da casa de um deles, a mais central, havia reunião com jogos e relatos vários de histórias e filmes. Pelas onze da noite ia tudo para a cama. No quarto, as duas manas lado a lado, falavam em voz baixa, contando, uma à outra, aqueles pequenos segredos do que se passara com os namorados. Esses momentos aproximavam ainda mais as duas irmãs fortalecendo o amor que as unia. Os rapazes, nada voltados para esses pensamentos íntimos, caíam na cama como pedras.
A ribeira das Jardas hoje é um caneiro infecto por onde circulam os dejectos de centenas de prédios que a comprimiram. Na maioria do trajecto ela corre sob tubagem de concreto. As matas circundantes desapareceram e o asfalto tapou carreiros e estradas poeirentas. Já não se ouvem as rãs. Os peixes morreram envenenados pela poluição. Apenas os melros ficaram cantando agora poisados em antenas de TV. Os preservativos ocupam os bolsos que dantes continham fisgas. Os computadores substituíram os ringues e bolas. Os relatos de histórias e filmes são agora lidos e vistos na NET. Os tempos mudaram, evoluíram, transformaram-se. Não sendo saudosistas do passado damos connosco perguntando-nos se a rapaziada será mais feliz. Talvez as mentes de hoje se cansem mais cedo. Talvez sejam ocupadas com tanta informação que o espaço para aprendizagem do essencial não seja suficiente. A ribeira das Jardas desapareceu. Continuará eterna na nossa memória.
De Jardas te deram nome por seres longo veio de água límpida tão cheio de tudo. Será que o líquido infecto que corre em teu actual ventre rígido e tubular, memórias de nós contém? Esperemos que o veneno ácido e pútrido em que te transformaste não esqueça os que te fruíram e amaram. Talvez os teus e nossos pensamentos possam levar as gerações vindouras a preservar e manter os lugares ainda existentes semelhantes a ti, para que nossos filhos e netos usufruam, ainda a tempo, de um pouco da felicidade com que então vivíamos.

domingo, 24 de março de 2019

Bilhetes Trocados



Pois, meus amigos, foi mesmo assim. Sexta feira passada fui ao cinema com a mulher, coisa natural e corriqueira que fazemos muitas vezes. Normalmente vou ao Corte Inglês, fica em bom caminho e meto o carro no parque pelo custo dos bilhetes que já são de terceira idade. Chego sempre perto da hora do começo do filme, deixo a minha mulher à porta, ela sobe e compra os bilhetes enquanto procuro lugar para o carro. Chego lá a cima, ela estava ao balcão, o funcionário entrega-me os talões e diz-me: “Sala 13”. Entro, dirijo-me à sala e sentámo-nos. Começa o filme e eu que tinha dito á minha mulher para comprar para o “Correio de Droga” do Clint Eastwood, começo a estranhar as imagens. Perguntei baixinho: “Para que filme pediste bilhetes?” ao que ela responde: "para o Correio de Droga". Conclusão: O funcionário vendeu-lhe bilhetes para outro filme, vá lá saber-se porquê. Ou estava distraído ou percebeu mal, mas tudo bem. A coisa até não foi má, pois acabei por ver um filme muitíssimo bom.
Green Book é um filme muito premiado baseado numa história verídica, dirigido por Peter Farrelly, cujo argumento foi escrito por ele com a colaboração de Nick Vallelonga, filho de Franck Vallelonga, protagonista principal da história.
Um segurança, italo-americano, de uma discoteca que fecha para remodelações, fica momentaneamente desempregado e aceita um emprego como motorista de um pianista clássico, negro, Dr. Don Shirley, que aceita uma tournée de dois meses pelos estados do Sul dos USA.
Estão mesmo a ver o que se vai passar: Um branco, bonacheirão, inculto e um pouco irrascível, a conduzir um negro, rico, culto e digno, pelos estados racistas do sul nos anos 60, em que o pianista é recebido e aplaudido nos concertos, mas que não é socialmente aceite nos ambientes só destinados a brancos.
Durante a viagem ambos se vão conhecendo e absorvendo, a cultura um do outro, com todos os conflitos inerentes à disparidade de feitios. O negro culto, aceitando sem conflitos aquilo que lhe é imposto, e o seu irascível motorista, conhecido por “Tony Lip” habituado a resolver por métodos violentos, os conflitos da discoteca, cria toda a espécie de sarilhos, partindo muitas vezes para a violência contra as mentalidades fascistas e racistas dos brancos do sul da América.
Diga-se de passagem, que o espectador, não racista, exulta de alegria quando aqueles energúmenos levam uns murros bem assentes na cremalheira. Situações constrangedoras são apresentadas ao negro, ao ponto de no meio de um concerto, de smoking impecável, querer ir à casa de banho e o mandam para uma retrete, nas traseiras, de madeira tipo pocilga. Claro que o “maître” leva umas boas punhadas no focinho, que o nosso motorista lhe aplica e os dois acabam por mandar o concerto às couves e irem para um bar só de negros onde o nosso pianista acaba por dar um “show” de piano sendo depois acompanhado por todo o conjunto de “Jazz”.
Estupidamente, também aqui se verifica o contrário. Um branco ter a “lata” de entrar num bar só frequentado por negros. Mas tudo acaba em bem, sendo o nosso motorista bem recebido depois de passadas as desconfianças.
Há uma cena, em que a polícia os manda parar na estrada e os agentes olham embasbacados para o banco traseiro onde se senta um negro e o branco vai à frente conduzindo. Mandam sair os dois e acabam insultando Tony, que sem pensar, prega valente murro no guarda. Já na esquadra, ambos presos, o nosso Dr. Shirley pede para telefonar ao seu advogado. Primeiro riem-se, mas depois, alertados por um deles que os informa que o homem tem mesmo esse direito, o deixam telefonar. Ao telefone, o negro chama o chefe da esquadra e diz que o advogado quer falar com ele. Vemos o polícia atender e ficar quase engasgado só dizendo “Yes Sir, Yes Sir”. Ao desligar manda imediatamente soltar os prisioneiros perante a estupefacção dos outros polícias. Já cá fora, Tony pergunta: “Dr. a quem telefonou você?” O Negro dá grande descasca no seu motorista dizendo-lhe: “Não aprendeu nada do que lhe tenho vindo a ensinar. Disse-lhe que os assuntos não se resolvem com violência e por sua causa fez-me incomodar o Procurador Geral da República Dr. Bob Kennedy”.
Regressam a New York mesmo na noite de Natal onde Tony é esperado pela família numa enorme mesa cheia de alegria. Shirley recusa o convite para entrar e vai para o seu luxuoso apartamento, onde fica só. Mais tarde bate `porta de Tony com uma garrafa de champanhe na mão…
No resto da noite, no Procópio, meu bar de eleição desde 1975, acabei comentando o filme com a minha mulher. Aí pensámos que o velho ditado de que “Há males que vêm por bem”, é mesmo verdadeiro.
Aqui só para nós que sou militar, mas pacifista, perante estas situações racistas, só penso num aparelho que resolveria o assunto. Metralhadora!


sábado, 23 de março de 2019

Moçambique



Podem-me continuar a chamar um grande “chato” e acusarem-me de bater na mesma tecla, mas mais uma vez chamo a atenção para quem tem fé em deuses protectores, aqueles que todos os dias pedem ao divino que lhes “dê” as condições necessárias a uma vida melhor, para se interrogarem e perguntarem a si próprios, por que deus os protege e se esquece dos povos mais desfavorecidos. Todos os dias vemos as desgraças que acontecem pelo nosso mundo e, muitas delas, até são culpa dos elementos da natureza e não nossa. As que a humanidade perpetra, até é desculpável que deus se esteja nas tintas. Certamente pensará: “Já que as fizeste, agora aguenta-te no balanço e sofre as consequências”. Mas estas naturais? Eu pergunto: Porquê? Bem poderia dar uma mãozinha e afastar as calamidades para os grandes centros, os grandes hotéis, a casa branca, as assembleias das repúblicas. Aí sim, podia mandar para o bé-lé-léu uma cambada de filhos de prostitutas que só lixam isto tudo. Agora matar e deixar em situações miseráveis milhares de humanos que vão morrer de fome, de cólera, de frio, de sede?
Claro que mais uma vez o vosso deus se demitiu das suas funções humanitárias, simplesmente porque não existe. Compete-nos, pois, a nós, os mais favorecidos, ajudar o nosso semelhante, mas estas notícias, chegam-nos ao jantar via TV, enquanto mordemos a perna de frango, a costeleta de porco, o pudim molotov, o café, etc… dizemos: “Que grande desgraça, Maria! Lembra-me amanhã de fazer um donativo para a Cruz Vermelha”. No dia seguinte lá enviamos vinte euritos para a conta aberta para o efeito e, continuamos a nossa vida. Os crentes, esses, vão até à igreja e rezam por si e pelos seus, esquecendo-se da desgraça que já ficou para trás.

(Publicado também no Facebook)

domingo, 10 de março de 2019

TELEMÓVEL



Depois do Có…ró… có…có só podia haver um Télélé.

Ó Balhamedeus! Que mal fez este país para que aqui pusessem um povo, cuja maioria vota numa canção destas? Andamos nós a educar as criancinhas para não estarem sempre agarradas ao telemóvel e vem agora um tipo que até quer ligar para o céu. Deus vosso senhor nos valha. Aquilo é uma canção? E a letra é um poema? E a música é árabe, marroquina ou berbére?
O tipo adoptou o nome de Conan Osíris quando se chama Tiago Miranda. Parece que é de etnia cigana e vive no Cacém, desgraçadamente a terra onde vivi e passei parte da minha juventude.
Conan é “o rapaz do futuro” e Osíris um deus egípcio. Grande mistura. Podia dar-lhe para melhor, e ainda se dá ao luxo de comparar aquela “linda” canção com a tourada do Ary dos Santos cantada pelo Tordo. É mesmo de quem não se enxerga, como dizem os nossos irmãos brasileiros. Comparar aquela sucata de letra ao excelente poema satírico do Ary. Coitado, muita volta de revolta deve ter dado na tumba. E comparar a música, se música àquilo se pode chamar, à excelente composição do Tordo. E este povo vota, isso é que me assusta.
Quando for apresentado o festival Europeu da canção, avisem-me para eu não ver. Coraria de vergonha.
Volta Madalena Iglésias! Estás perdoada.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Crítica à Conferência proferida pelo Doutor Valentino Viegas na Casa de Goa em Lisboa


A Minha Crítica à Conferência proferida pelo Doutor Valentino Viegas na Casa de Goa em Lisboa.

Conferência subordinada ao tema:

 GOA – Salazar versus Marquês de Pombal

Quem, como eu, aprendeu história no tempo do “botas”,  teve que apanhar com aqueles livros do situacionista António G. Matoso, cuja historiografia era quase como uma ode a Camões na sua obra Os Lusíadas, acaba por exultar com a forma como Valentino Viegas vê e compreende a historia. Com o Matoso tudo era cor de rosa e os feitos dos portugueses eram cantados como se de um louvor permanente se tratasse. Salazar adoptou-o como historiador oficial do ensino e ai de quem estudasse por outras fontes.
Valentino Viegas, na sua alocação, faz uma comparação de como os povos das nossas possessões eram tratados e considerados pela legislação régia do tempo do Marquês de Pombal e como esses mesmos povos passaram a ser tratados e considerados após o acto colonial de António de Oliveira Salazar.
Valentino começa por referir que até o nosso 1º rei após conquistar Lisboa (1147), para impedir o despovoamento e necessitando de fixar mão de obra, comércio e até pela necessidade da cobrança de impostos, concede foral aos mouros por uma carta de segurança:

 garantindo-lhes a liberdade religiosa e conservação de propriedade mediante o pagamento de impostos e cumprimento de obrigações. Protegidos pelo rei, foi-lhes assegurado que nenhum cristão ou judeu os poderia lesar e que seriam julgados pelo alcaide eleito por eles próprios”.

É seguidamente apontada por Valentino a forma como O Marquês de Pombal, após livrar-se dos seus opositores, Távoras e Jesuítas, decide, em nome do rei, tornar os cidadãos originais de Goa, absolutamente iguais em direitos e deveres aos cidadãos provenientes de Portugal.
Muito mais tarde, Oliveira Salazar, através do seu acto colonial, vira tudo do avesso e trata esses mesmos cidadãos como indivíduos de segunda preterindo-os em relação aos oriundos do Continente.
Nesta pequena crítica, não me cabe transcrever o que, Valentino trata tão pormenorizadamente. Apenas me interessa focar a forma como antes éramos informados dos factos da nossa história. Ficámos sempre com uma ideia cor de rosa de que Portugal era igual e uno do Minho a Timor, mas muito mal informados estávamos das condições a que os povos das nossas colónias, mais tarde promovidas a Províncias Ultramarinas, eram tão ignobilmente tratados.
A conferência de Valentino Viegas encheu a casa de Goa, certamente uma consequência do interesse que o tema despertou. Após os aplausos merecidos, seguiu-se o debate, em que muitos enalteceram a forma como o tema foi exposto, mas houve também alguns discordantes que, certamente palas suas convicções religiosas e pela quase veneração que nutriam por Salazar, referiram que não foi bem assim, que o acto colonial tinha sido geral para todas as províncias, que em algumas os povos ainda estariam num atraso cultural muito diferente do que sucedia em Goa e que não seria normal tratar uns de forma diferente dos outros.
Passei por inúmeras PU, inclusive Goa, e vi bem qual o “estatuto” a que os naturais estavam sujeitos.

Ao professor Doutor Valentino Viegas, agradeço a excelente lição de algo que, pela forma tendenciosa como a história nos era ensinada, nunca viríamos a saber.

Bem hajas Valentino. É excelente ser teu Amigo.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O sofrimento




Há quem diga que os homens têm de sofrer pra ganharem um lugar eterno junto do “criador”. Ando pelas ruas e vejo sofrimento por todos os lados. Um homem, mais novo do que eu, agarrado a uma bengala, dá três passinhos, pára, tenta dar mais um passo, mas as pernas não lhe obedecem e quase cai. Fico na dúvida se devo ajudá-lo ou não. Gostava de ter o talento de escrita do meu amigo Balsa, ou o poder de síntese e de lógica de outro meu amigo, Alves de Fraga, para descrever com um pouco menos de crueza as situações que se me deparam. Eu, certamente por ser ateu, não sofro, não procuro o tal lugar eterno. Mas o estranho é que não são só os humanos. Um pombo quase não consegue levantar voo por deformação numa pata. Outro, deitado, já não foge de coisa nenhuma e a cabeça vai-lhe pendendo com os olhos a fecharem-se. Estará por pouco. Mais à frente uma senhora passeia um cão só com três pernas. Um melro está morto e outro saltita à sua volta. Um coxo, com uma perna esquelética à vista, pede esmola num sinal de trânsito. Pobre homem que não consegue sequer arranjar jardins para ganhar o sustento. Uma cigana romena, embrulhada em cobertores e xailes, sentada junto às escadas de um supermercado, fala uma lengalenga imperceptível estendendo uma lata para as esmolas que algumas almas condoídas sempre vão dando. A essa não dou nada e, se tivesse poder para isso, recambiava-a para o seu país de origem. Não tem ainda 40 anos. Dá-me vontade de lhe pregar uma esfregona nas mãos e mandá-la lavar escadas pois há muitas a precisarem de limpeza. Mas essa faz parte de uma máfia familiar que se reveza e troca de lugares a miúde. Devem estar ricos. Para que lhes servirá o dinheiro?
O sofrimento existe neste mundo e não é sina de ninguém nem destino que está marcado. É assim porque fazemos parte de um sistema não pensado, não ordenado e com um único destino. O fim. Somos um produto da evolução animal e não perfeito. Não há uns “abençoados”! e outros “demonizados”. Apenas vivemos e vamo-nos degradando até ao fim. Fim esse que é igual para todas as coisas. Pena não nos transformarmos em diamantes. Esses são eternos. Pelo menos até este nosso pobre astro rebentar.
Chego à minha rua, sento-me dentro do meu BMW, ligo o rádio, meto um disco, e oiço Verdi e Mozart. Não digo, mas penso: “Aqui está-se bem”.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Deus, a criança e o buraco.




Mais uma vez deus vosso senhor não estava lá. O que lá estava era um buraco com 110 metros de profundidade e menos de 50 cm de diâmetro. Também não estava lá a pedra que o responsável pelo furo disse que lá colocou para tapar a abertura. Ou alguém a tirou ou nunca lá foi posta. Um furo daqueles não se protege só com uma pedra, tem também de ter uma vedação suficientemente forte para não poder ser facilmente acessada. Uma criança de dois anos não a ultrapassaria. Duas crianças brincavam completamente sós. Uma de 2 e outra de 1,5 anos. Não se deixam crianças desta idade totalmente desprotegidas perto de uma obra daquelas. Deus deve ter dado outra missão aos anjos da guarda das criancinhas. E agora? Os pais choram, mas talvez se arrepelem com remorsos. Mais de 100 pessoas trabalham a contra-relógio para encontrar a criança. Os pais acusam falta de meios. Quais meios? Como se chega a um corpo num buraco daqueles. É necessária uma obra de engenharia colossal. Talvez já não valha a pena andar depressa para chegar ao corpo. Sim, um corpo, pois vida já não poderá haver. A câmara que meteram pelo tubo parou aos 75 mt. Ainda por cima deve ter havido uma deslocação de terras que tapou o furo. Tudo contra. Agora, deus, na sua infinita misericórdia, deve estar satisfeito por ter junto de si uma alma jovem. Que espere pelos pais para receber as reclamações pela falta de humanidade que revelou.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

1º dia do ano.


Hoje, primeiro dia do ano, sinto-me preocupado. Não que tenha problemas pessoais, felizmente não os tenho. Pelo contrário, até me sinto um privilegiado. Faço parte daquela classe média, talvez média um pouco alta, que tem o suficiente para viver sem grandes problemas. Perguntar-me-ão: “Não gostarias de ter mais?” Claro que gostaria, quem não gosta? Mas, olhando para os que me rodeiam e estão mais ou menos ao meu nível, verifico que tendo muito mais do que eu, agradecem a deus a sua vida e ainda lhe pedem para que tudo lhes corra pelo melhor e aos seus também. Vivem em função daquilo que deus lhes dá e tudo é obra sua. Dá a sensação que nada fizeram pela vida porque foi deus que lhes colocou tudo ao dispor. Avaria-se-lhes a máquina de lavar e a primeira coisa que lhes vem à cabeça é: “Meu Deus, faz com que isto trabalhe.” E a coisa resulta. Um murro na máquina e lá começa ela vrum…vrum. O computador não liga e ficam aflitos. “E agora? Não percebo nada disto. Meu Deus era bom que me ajudasses.” Batem-lhes à porta e é o António. “É pá! Ainda bem que apareceste. Tu é que sabes disto. Vê se me dás um jeito aqui na porcaria do portátil que não quer ligar.” O António resolve aquilo num fósforo e lá dizem eles: “Deus ouviu-me, foi ele que mandou o António.
Tenho estado a ver a TV. Estou farto de fogo de artifício, de rolhas de garrafas de espumante a saltarem e de pessoas a pedirem a deus toda a espécie de venturas, prendas, prebendas, etc.
Não ouvi ninguém a pedir a deus para que as criancinhas dos países africanos, da Síria, do Iraque, do Bangladesh, dos párias da Índia e outros desgraçados que não comem, para que nós os privilegiados, possamos continuar a explorar os recursos que os seus governos corruptos, vendem para se enriquecerem deixando o povo na miséria. Ou também para que deus trave os instintos predadores dos governos democratas ocidentais que, não obtendo de forma pacífica o que pretendem, provocam guerras que tudo destroem e tanta miséria causam.
Dizem que deus mandou um filho à terra morrer por nós para nos salvar. Pergunto: “De quê?
Salvar? De quem? De nós próprios? Para termos compensações na vida eterna? Hum… não seria melhor salvar as criancinhas a que acima me referi? A essas ninguém salva. O deus deve ser surdo ou então ninguém pediu para elas e por elas. Tristeza. Tanto egoísmo. Como pode este mundo ter sido criado e governado por um deus bom?