sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Popol Vuh


Tenho um parente, homem culto e viajado, que sempre que se lhe apresenta algo sobre deuses e religiões, se lembra de mim. Há pouco tempo, viajando pelas regiões dos Maias, deparou-se-lhe algo chamado “Popol Vuh” que, em dialecto “quiché”, originário da região dos Maias, parte da Guatemala e Sudeste do México, significa “Livro da comunidade”, que tinha como base a concepção e a criação do mundo. Este documento foi traduzido para o castelhano pelo frei Francisco Ximénez em 1701. Acho que foi ditado em língua “quíchua” e escrito depois em castelhano. Encontra-se hoje em Chicago, na Biblioteca Newberry.
Esta tradução, feita por cristãos, acabou por puxar a brasa à "nossa" sardinha e ficou totalmente adulterada na sua concepção original.
Consultada a Whikipédia verifica-se que o Popul Vuh definia 4 idades do mundo:
1ª idade:
No início havia calma, silêncio e imobilidade.
Os deuses decidem, juntos, criar o homem. Antes disso, criaram as árvores, a vida e os animais. Os últimos, apesar de terem sido dotados de voz, não foram capazes de invocar os deuses, e por isso foram punidos, que passariam a ter suas carnes servidas de alimento.
Foi criado então, do barro, o homem, mas estes se desmanchavam facilmente e eram incapazes de louvar os deuses, que em consequência destruíram-nos.
2ª idade:
Os deuses consultaram os adivinhos Ixpiyacoc e Ixmucané para criar um homem que pudesse invocá-los, e a indicação obtida foi fazê-los de madeira. Os homens de madeira povoaram a terra, mas não possuíam sequer alma ou entendimento e, portanto, não podiam invocar seus criadores. Foram destruídos com um dilúvio, e os sobreviventes tornaram-se macacos.
3ª idade:
Epopeia dos Gêmeos. Os Gêmeos tornam-se o Sol e a Lua.

4ª idade:
Criação dos homens de milho, que se tornaram a actual humanidade.
Estes possuíam percepção do mundo e invocaram seus criadores que lhes concederam limites mortais para que não ameaçassem a soberania dos deuses.
Os deuses focados no Popul Vuh eram:
Quetzalcoatl ou Gucumatz. Deus central e criador
e:
Ixpiyacol e Ixmucané, como adivinhos e guias espirituais.  Mas havia mais,  que para o efeito não interessam.

O interessante de tudo isto é que o, já referido, Frei Francisco Ximénez, ao traduzir o texto tratou de o adaptar à religião Cristã ao ponto de referir que as almas após a morte se dividiam em duas indo metade para o seio de Cristo (Deus) e a outra metade para o deus Maia (Quetzalcoatl).
Claro que um ateu como eu não pode deixar de rir a bandeiras despregadas por ver que os homens, quando se trata de religiões, tentam levar os outros a admitir que as deles são também boas, mas não totalmente porque a “nossa” a “verdadeira” é melhor. Vejam o ridículo de tudo isto.
Mais uma vez fica provado que os homens criaram os deuses (todos) à sua imagem e semelhança.

Agradeço ao meu primo, por afinidade, a oportunidade que me deu para mais este escrito. Viaja António, que a minha “cultura” agradece.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

A Forma da Água



Fui ver “A Forma da Água”, filme do mexicano Guillermo del Toro. Ia preparado para ver um filme tipo “O Monstro da Lagoa Azul” que nos anos 60 era uma boa pastelada, mas felizmente que me enganei. Del Toro mostra uma história fantástica do amor de uma rapariga muda por uma criatura de ficção, meio salamandra meio homem, que também se enamora dela. Realmente, isto visto assim, até daria para rir, mas o que nos é mostrado é uma América soturna, durante a guerra fria, preocupada com a espionagem soviética. Ao mesmo tempo o filme põe em evidência a solidão. Solidão de uma rapariga muda sem companheiro, que vive com um artista plástico bastante mais velho, também ele solitário, preocupado com a sua homossexualidade latente. Solidão de um animal estranho, retirado à força do seu habitat natural para poder ser aproveitado para fins científicos, principalmente bélicos. Solidão do chefe de segurança de toda a operação, um tipo mau e cruel, que tendo uma família normal com filhos e uma mulher linda, vive obcecado pela sua função a ponto de esquecer a família e optar por uma violência sem limites para atingir os seus fins. Solidão do cientista que estuda o animal, espião soviético infiltrado, mas que acaba por trair o seu país de origem pela vontade de continuar na América, país que não sendo o dele, lhe dá a possibilidade de continuar a aprender. Solidão dos espiões soviéticos, que não podendo utilizar o ser aquático em prol do seu país o querem destruir só para que os Americanos também fiquem privados da possibilidade de tirarem dali qualquer proveito. Del Toro cria propositadamente um ambiente feio e frio em todos os cenários, quer nos laboratórios secretos, quer nas residências dos intervenientes. Para contrastar aparece o amor e a imaginação da protagonista, acompanhada por uma música de fundo, quase toda ela de canções da época. Refiro particularmente uma das canções, “Babalu” interpretada por Caterina Valente e seu irmão Sílvio Francesco, que me fez regressar aos meus tempos de juventude quando apaixonado por Caterina, comprava todos os seus discos e, perguntei a mim mesmo se, no meio de todos os espectadores, e eram muitos por a sala estar cheia, quantos terão identificado aquelas vozes. O fim do filme, sendo fantástico, ameniza toda aquela solidão pela beleza de uma união etérea no meio aquático, se me é permitida a incongruência. Não sendo uma obra prima, é um bom filme que merece ser visto.