quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Fim de Ano


E lá chegamos nós ao fim de um ano e começo de outro. Mas anda aqui uma grande confusão entre a astronomia e o calendário gregoriano. Este último acaba a 31 de Dezembro mas o reinício do movimento de translação da terra não é no dia seguinte. Aliás, esse reinício, muda de ano para ano. E aí temos os Periélios e Afélios. Em 2016 a translação reinicia-se a 4 de Janeiro. Seria neste dia que teríamos de comemorar o novo ano. Por imperativos de calendário que o Gregório instituiu, vamos comemora-lo hoje às 24H. Espero que não acabemos todos a chamar pelo Gregório que é o que normalmente acontece nestas festividades. Dedicamos demasiado tempo a comemorar Baco e depois os vapores alcoólicos tomam conta de nós. Se tal acontecer deixem os carros estacionados junto dos antros de perdição e tomem um táxi. Cuidado porque o taxista pode também ter dado vivas a Baco e lá sai bacorada. Ainda em termos de calendário, sou mais de opinião que os anos se deviam medir entre solstícios de Inverno. Tudo ficaria mais certinho, mas quem sou eu para me meter nestes assuntos. Espero que os astrónomos não me dêem muito na cabeça. Mas isto, no fim, não interessa nada. Tudo isto não passa de convenções que nós, animais pensantes, estabelecemos para nos convencermos de que as coisas mudam quando nada muda. É mais uma rotação da terra e mais uma translação. O tempo passa inexoravelmente e nós continuamos à espera que os fantasmas em que acreditamos nos auxiliem a viver melhor. Devíamos era ser mais solidários e olharmos para o planeta com olhos de ver para tentarmos melhorar a vida dos que nada têm e nada conseguem ter porque os abutres tudo lhes comem e nada lhes dão. Olhem também para a forma como vivem e deixem-se de superficialidades não consumindo excessivamente nem deitando fora o que ainda está bom para comprarem o mais bonito ou o que está na moda e, se o fizerem, peguem no que já não querem e distribuam pelos que pouco têm ou nada conseguem. Lembrem-se que, para uns viverem com 5, 10, 15 ou mais milhares de euros por mês, outros têm que dar de comer à família com ordenados mínimos. O mundo humano foi mal concebido. O tal grande arquitetcto, o dos maçons, construiu tudo mal, ou deixou que o contrapoder (demo) tomasse conta da situação. Seria bom que a mente humana nada pensasse, pois assim deus não existia e já não haveria a quem deitar culpas. Mas o homem é supersticioso e tentou sempre atirar as culpas para seres superiores inexistentes que nada fazem porque de nada são capazes. Quem não existe nada faz, ou então existe mas é mau obreiro porque o produzido não tem cura.

Deixemo-nos de filosofias baratas e partam para o “réveillon”. Comam e bebam à tripa-forra e durmam como os anjos, que é como quem diz, durmam sem culpas, o que me parece difícil.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Incongruências evangélicas


Muito se fala do nascimento de Jesus, da gruta, do burrico e da vaca, dos “reis” ditos magos (?), da estrela anunciadora, etc.
Ninguém fala do massacre dos inocentes. Segundo os evangelhos, o Herodes (o Grande), chateado por lhe terem ido dizer que nascera o rei dos judeus, quando o rei era ele, portanto, se nascera outro só poderia ser um usurpador e, como tal, teria de ser suprimido. Assim mandou assassinar todos os bebés nascidos nos últimos dias. Falava-se em cerca de trezentos mas depois devem ter caído em si pois naturalmente nem trezentas mulheres em idade de conceber haveria na Galileia. Agora já se diz que foram cerca de dezassete e até já li que teriam sido catorze. Fossem 300 ou 14, aquilo não se faz pois foi uma grande maldade. Penso que Deus (pai) devido à sua condição de omnipotente e omnisciente, nunca o permitiria. Então para salvar um (o seu divino filho) matavam-se outros? Claro que no tempo em que se escreveram os evangelhos (cerca de setenta ou noventa anos DC) matar era ainda mais comum do que hoje e praticava-se a torto e a direito para preservar interesses. Esqueceram-se de que, mais tarde, os exegetas estudariam todos esses assuntos e que poriam em causa muito do que se escreveu. Houve exegetas tendenciosos, que tudo endeusaram, mas também houve muitos que chegaram à conclusão da não veracidade evangélica.
Naquele tempo (governava o tetrarca Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande), andava por ali um orador, um tal João a quem mais tarde chamaram o Baptista. Era um profeta revolucionário que falava ao povo pondo em causa a governação do território. Segundo Flávio Josefo, historiador judeu da época, Herodes foi alertado para os discursos subversivos do João e, para evitar males maiores, mandou prendê-lo, tendo o pobre sido encerrado na fortaleza de Maqueronte na província de Pereia onde mais tarde foi executado, não referindo que ficou com ou sem cabeça.
Segundo o evangelho de Marcos, o tetrarca (governador de uma quarta parte de determinado território) Herodes deu uma festa de aniversário na Galileia, provavelmente na capital Tiberíades, onde a sua mulher Herodíade, (ex-mulher do seu meio-irmão também chamado Herodes) em conluio com a sua filha Salomé, depois de esta ter executado uma célebre dança dos sete véus, pediu a seu pai a cabeça de João Baptista numa bandeja. O papá mandou decapitar o pobre João e lá vem a cabeça na bandeja para gáudio das mulheres e dos convivas. Ora ou Mateus ou Flávio Josefo estão a mentir. Não acredito que a ser verdade o que Josefo escreve, e esse era historiador, tenham ido a cerca de 180 Km buscar a cabeça e trazê-la a tempo de ser apresentada ainda na festa onde os convivas, chateados, já se teriam pirado ou se encontravam a dormir curando-se das bebedeiras que certamente apanharam. A Herodíade não gostava de João por ele considerar ilegal o seu casamento e a Salomé que se apaixonou pelo dito parece que foi repudiada pelo rapaz. Houve, portanto um conluio antecipado entre mãe e filha para tratarem da saúde ao pobre João.

Marcos refere que João estava preso por andar a recriminar o rei Herodes pelo seu casamento com a mulher do irmão, o que seria contra as normas judaicas em vigor, o que não é referido por Josefo. Aqui há também uma incongruência, uma vez que Marcos chama rei a Herodes Antipas quando ele era apenas tetrarca. Pois é! Mais uma vez parece provar-se que os ditos evangelhos não passam de mitos baseados em lendas. Até aquilo que aparece nos escritos de Flávio Josefo sobre Jesus Cristo (cerca de três ou quatro parágrafos) não resistiu a estudos e provas grafo-técnicas tendo-se provado a adulteração dos textos. Daqui se infere que Jesus continua a não ter veracidade histórica e que a igreja se tem esforçado a criar eventos e até adulterações para construir a historicidade de Jesus. Mas há mais…
Esta história do banquete parece ter sido inspirada num episódio do Antigo Testamento no livro de Ester, que fui respigar na Internet:
Conta-se que um rei, casado com uma bonita mulher, para suscitar a inveja dos seus nobres, organiza um banquete e faz vir a rainha à sua presença para a mostrar, de modo a que todos a admirassem. Durante esse banquete o rei pergunta à rainha: “Faz um pedido bela Ester que ele te será concedido, mesmo que desejes metade do meu reino”. Tudo se passa como na versão de Marcos, só que a rainha, em vez de pedir cabeças degoladas, pediu a libertação do povo judeu.

Mais uma vez se verificam cópias quase integrais de factos de uma religião para as outras. É por estas e outras que não tenho nenhuma e dou-me muito bem com isso.
Tentei também saber qual o sobrenome do dito João, mas não cheguei lá. Baptista foi o apelido que lhe foi atribuído pelo hábito que tinha em mergulhar as gentes no rio. O pai era Zacarias e a mãe Isabel, mas não encontrei nome de família. Baptismo deriva do grego e mais tarde também adoptado pelos romanos, mas tinha vários significados, entre eles lavar, mergulhar, purificar, etc. O hábito tornou-se comum como cerimónia iniciática de várias religiões (purificação) e depois adoptado também pelos cristãos devido ao episódio do Baptismo de Jesus narrado em três dos evangelhos (Mateus, Lucas e Marcos).


Enfim, incongruências.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Pensamentos

Encontrei estes pensamentos de vários homens sábios. Julgo que foram coligidos por Luís Grave Rodrigues que é o autor do último. Como têm muito a ver com tudo aquilo que penso, aqui ficam:


«Acreditar em Deus é desprezar todos os mistérios do mundo e todos os desafios à nossa inteligência. Simplesmente desliga-se a mente e diz-se: foi Deus que o fez».
Carl Sagan

«A fé é a grande escapatória, a grande desculpa para se fugir à necessidade de pensar e avaliar as evidências. A fé é acreditar? Apesar de? E até talvez precisamente? Por causa? Da falta de provas».-
Richard Dawkins

«Com ou sem religião teremos sempre boas pessoas a fazer coisas boas e más pessoas a fazer coisas más. Mas para termos boas pessoas a fazer coisas más, para isso é preciso uma religião».
Steven Weinberg

«Eu sou contra a religião porque ela nos ensina a contentarmo-nos com a nossa incompreensão do mundo»
Richard Dawkins

«Eu não tento imaginar um Deus pessoal; para mim é suficiente contemplar em admiração a estrutura do mundo na medida em que os nossos inadequados sentidos nos permitirem apreciá-lo».
 Albert Einstein

«A ideia de Deus sempre me foi completamente estranha e parece-me até muito ingénua»
Albert Einstein

«Talvez haja fadas no fundo do jardim. Não há provas disso, mas como também não podemos provar que não as há, deveremos então ser agnósticos no que respeita a fadas?».
 Richard Dawkins

«Se por Deus se entender um conjunto de leis da física que regem o Universo, então esse Deus claramente existe. Mas esse Deus é emocionalmente insatisfatório... não faz muito sentido rezar à lei da gravidade»
Carl Sagan

«Penso que na discussão dos problemas da natureza deveríamos começar não pelas escrituras, mas antes pelas experiências e demonstrações».- Galileo Galilei

«Penso que nenhuma forma de religião deveria ser ensinada nas escolas públicas»
 Thomas Edison

«A maior parte das pessoas pensa que é preciso Deus para explicar a existência do mundo e especialmente a existência da vida. Estão erradas, embora a educação que recebem não lhes permita aperceberem-se disso».
Richard Dawkins

«Eu não acredito na imortalidade do homem; e considero que a ética é um conceito exclusivamente humano e não diz respeito nem depende de qualquer autoridade sobrenatural».
 Albert Einstein

«Se as pessoas são boas porque temem uma punição ou porque esperam uma recompensa, então somos todos, de facto, uma espécie lamentável».
Albert Einstein

«Sempre que a moralidade se basear na teologia, sempre que a razão estiver dependente de uma autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas e infames podem ser estabelecidas e justificadas»
Ludwig Feuerbach

«Quando as pessoas não aprendem os instrumentos para julgarem por si próprias e seguem unicamente as suas esperanças, então estão semeadas as sementes para a sua manipulação política»
 Stephen Jay Gould

«Se foi algum espírito que criou o Universo, então foi um espírito muito malévolo».
Quentin Smith

«Qualquer das grandes religiões da actualidade é, no sentido Darwiniano, uma vencedora da sua luta entre as culturas; de facto, nenhuma delas floresceu por tolerar as suas rivais».
Edward O. Wilson.

«Podemos citar centenas de referências que demonstram que o Deus bíblico é um tirano sanguinário; mas basta alguém encontrar duas ou três passagens que digam que Deus é amor, para nos acusarem de fazer citações fora do contexto».
Dan Barker

«Pensar que Deus vai acorrer em auxílio de alguém e vai violar as leis da natureza para o ajudar, é o cúmulo da arrogância»
Dan Barker

«Acredito que muitas pessoas se afastam daquilo que está estabelecido como religião simplesmente pelas suas implicações morais e intelectuais»
John Dewey

«É às religiões que se deve esta inédita disparidade entre o homem e a mulher»
 Taslima Nasrin

«Toda a concepção de Deus é derivada dos antigos despotismos orientais. É uma concepção inteiramente indigna de homens livres. Quando vemos na igreja pessoas a menosprezarem-se a si próprias e a dizerem que são miseráveis pecadores e tudo o mais, isso parece-me desprezível e indigno de criaturas humanas que se respeitem».
Bertrand Russell
«A ideia de Deus é um conceito antropológico que eu não consigo levar a sério»
Albert Einstein

«Eu não preciso do conceito de Deus para explicar o mundo em que vivo» Salman Rushdie

«Vocês acreditam num livro que fala de feiticeiros, bruxas, demónios, paus que se transformam em cobras, animais que falam, comida que cai do céu, pessoas que caminham sobre a água e toda a espécie de histórias mágicas absurdas e primitivas e depois vêm dizer que nós é que precisamos de ajuda?»
Dan Barker

«O que eu fiz foi demonstrar que é possível determinar pelas leis da ciência o modo como o Universo começou. Neste caso, não é necessário apelar a Deus para explicar como começou o Universo. Se isto não prova que Deus não existe, pelo menos prova que Deus não é preciso para nada»
Stephen Hawking

«Uma assunção generalizada, e que a maior parte das pessoas da nossa sociedade aceitam, é que a fé religiosa é especialmente vulnerável à ofensa e deve ser protegida por uma parede de respeito incrivelmente espessa; um respeito tal, que é até diferente daquele que as pessoas devem umas às outras».
Richard Dawkins

«Acusam-me repetidamente de blasfémia. Mas o que é facto é que eu não posso ser condenado por um crime contra uma vítima inexistente».
Dan Barker

«O ridículo é a única arma que pode ser usada contra proposições ininteligíveis»
Thomas Jefferson

«Deus não passa de uma infame chantagem de medo, de um amesquinhamento ignóbil e indigno de quem tem um mínimo de respeito por si próprio, não é mais do que uma desculpa cobarde de quem não tem a coragem e a dignidade suficientes para olhar a morte de frente e para, antes, aproveitar e desfrutar em liberdade cada um dos momentos que a vida nos proporciona».
LGR


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Erro na publicação dos ensaios de Ingersoll

As minhas desculpas mas uma das partes dos ensaios do Ingersoll ficou como rascunho e  não publicada. Penso ainda ir a tempo. Assim foi hoje publicada a Parte VII em falta. 

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte VII

(continuação)

Sem duvidar, os religiosos insistem que nada pode existir sem uma causa; excepto a causa, e que esta causa sem causa é Deus. Para isto nós novamente respondemos: Toda causa tem de produzir um efeito, porquanto até que produza o efeito, não é uma causa. Todo efeito tem, por seu turno, tornar-se uma causa. Portanto, na natureza das coisas, não poderá haver uma última causa, pela razão de que a chamada última causa necessariamente produziria um efeito, e este efeito necessariamente se tornaria uma causa. o contrário destas proposições tem de ser verdadeiro. Todo efeito tem de ter tido uma causa, e toda causa tem de ter um efeito. Portanto, não poderá existir uma primeira causa. Uma primeira causa é tão impossível quanto um último efeito.
Além do Universo não há nada e dentro do Universo o sobrenatural não existe nem pode existir. No momento em que estas grandes verdades forem entendidas e admitidas, a crença numa providência geral o especial tornar-se-á impossível. A partir desse instante o homem cessará os seus esforços vãos para agradar a um ser imaginário, e gastará o seu tempo e atenção para os afazeres deste mundo. Ele abandonará qualquer esforço de conseguir qualquer objectivo pela oração e súplica. O elemento de incerteza será, em grande parte removido do domínio do futuro e o homem, ganhando coragem a partir de sucessivas vitórias sobre as obstruções da natureza, atingirá uma serenidade totalmente desconhecida aos discípulos de qualquer superstição. Os planos da humanidade não sofrerão mais a interferência de uma suposta omnipotência, e ninguém acreditará mais que nações ou indivíduos são protegidos ou destruídos por qualquer divindade. Ciência, protegida das algemas de fregueses devotos ou evangélicos preconceituosos, será, dentro da sua esfera, suprema. A mente investigará sem reverência e publicará as suas conclusões sem medo. Agassiz não hesitará em declarar o mosaico da Cosmogonia totalmente inconsistente com as verdades demonstradas da geologia e cessará de fingir qualquer consideração pelas Escrituras Judaicas. No momento em que a ciência for bem-sucedida em negar à Igreja força à maldade, os verdadeiros pensadores triunfarão. As pequenas bandeiras da trégua, carregadas por tímidos filósofos desaparecerão, e a discussão covarde dará lugar à vitória duradoura e universal. Se admitirmos que um ser infinito controla o destino de pessoas e povos, a história se tornará uma farsa sangrenta e cruel. Eras após eras, os fortes triunfaram sobre os fracos; os poderosos e sem coração atacaram e escravizaram os simples e inocentes, e em nenhum lugar dos anais da Humanidade, se tem notícia de qualquer deus que tenha apoiado os inocentes e oprimidos. O homem cessará de esperar apoio dos céus. A partir daí ele compreenderá que os céus não possuem ouvidos para ouvir, ou mãos para ajudar. O presente é a criança necessária de todo o passado. Não há qualquer chance e não haverá qualquer interferência. Se abusos são destruídos, o homem deverá destruí-los. Se escravos são libertados, o homem deverá libertá-los. Se novas verdades são descobertas, o homem deverá descobri-las; Se os nus são vestidos; se os famintos são alimentados; se a justiça é feita; se o trabalho é remunerado; se a superstição é expulsa da mente; se os indefesos são protegidos e se o correcto finalmente triunfa, tudo terá sido obra do homem. As grandes vitórias do futuro serão vitória dos homens, e somente deles. A natureza, até onde sabemos, sem paixão e sem intenção, forma, transforma, retransforma para sempre. Ela nunca chora nem se alegra. Ela produz o homem sem propósito, e o obstrui sem arrependimento. Ela não conhece distinção entre o benéfico e o pernicioso. Veneno e nutriente, dor e alegria, vida e morte, sorrisos e lágrimas são a mesma coisa para ela. Ela não é nem piedosa nem cruel. Ela não pode moldar-se por oração nem ser amolecida por lágrimas. Ela não conhece sequer a finalidade da reza. Ela não diferencia o veneno das presas da serpente da misericórdia do coração do homem. Só através do homem a natureza toma conhecimento do bem, da verdade, da beleza; e até onde sabemos, o homem é a maior inteligência. E no entanto o homem continua a acreditar que há uma força independente e superior à natureza, e ainda procura, pela cerimónia, súplica, hipocrisia e sacrifício, obter ajuda dela. As suas melhores energias têm sido desperdiçadas em benefício desse fantasma. Os horrores da bruxaria se originaram de uma crença ignorante na existência de um ser depravado superior à natureza agindo independentemente das suas leis. E todas as religiões supersticiosas têm na sua base a crença em dois seres, um bom e outro mau, cada qual de sua maneira possuindo poderes para mudar a ordem da natureza. A história das religiões é simplesmente a história dos esforços humanos de todas as épocas para evitar uma dessas forças e pacificar a outra. Ambas as forças têm inspirado menos que o medo abjecto. A esperteza fria e calculista do diabo, e a ira de Deus, são igualmente terríveis. Em qualquer situação, o destino do homem teria sido fixado para sempre por uma força desconhecida superior a todas as leis e a todos os factos. Até que esta crença seja afastada, o homem deve considerar-se um escravo de mestres fantasmas  nenhum dos dois promete liberdade nem nesta vida nem numa outra. O homem precisa aprender a confiar em si próprio. Ler a Bíblia não o defenderá dos rigores do Inverno, mas sim casas aquecidas, lareiras e roupas adequadas. Para evitar a fome um arado vale mais que mil sermões e os medicamentos curam muito mais doentes que todas as orações já proferidas desde o princípio do mundo. Apesar de muitos homens terem tentado harmonizar a necessidade de livre arbítrio, a existência do mal, a infinita força e bondade de Deus, eles têm conseguido apenas produzir e aprender as falhas evidentes. Imensos esforços têm sido lançados em reconciliar ideias totalmente inconsistentes com os factos dos quais nós estamos cercados, e as falhas das pessoas que têm fracassado em perceber a suposta reconciliação têm sido acusados de infiéis, ateus e zombadores. Toda a força da Igreja tem sido lançada para atingir filósofos e cientistas para impeli-los a negar a autoridade da demonstração, e a induzir algum Judas a trair a razão, um dos salvadores da Humanidade. Durante aquela assustadora época chamada de "Era das Trevas", a fé reinava com quase nenhuma acção de rebeldia. Os seus templos eram atapetados com joelhos e a riqueza das nações adornavam os seus incontáveis santuários. Os grandes génios imortais prostituíram-se para imortalizar os seus caprichos, enquanto os poetas a santificavam em canção. Com as suas ofertas, cobriram a terra com sangue, as escalas da justiça se modificavam com o seu ouro, e para o seu uso foram inventados os mais ardilosos instrumentos de tortura. Ela construiu catedrais para Deus. E masmorras para os homens. Ela povoou as nuvens com anjos e a terra com escravos. Por séculos o mundo tem retraçado os seus passos  indo directamente de volta à noite de barbárie! Uns poucos infiéis  uns poucos hereges gritaram: "Pare!" Para a grande turba de devoção ignorante, e tornaram possível para os génios do século dezanove revolucionar as crenças cruéis e supersticiosas da Humanidade.
As ideias do homem, com objectivo de ter real valor, devem ser livres. Sob influência do medo, o cérebro fica paralisado, e em vez de resolver corajosamente um problema sozinho, trémulo, adopta as soluções de outro. Desde que a maioria dos homens se curvam sobre o chão diante de qualquer príncipe ou rei, o que deverá ser sua infinita insignificância de suas pequenas almas diante de seu suposto criador ou Deus? Sob tais circunstâncias que valor terão as suas ideias? A originalidade da repetição, e o vigor mental da aquiescência é tudo o que temos direito de esperar do mundo cristão. Desde que todas as perguntas possam ser respondidas pela palavra "Deus", pesquisa científica é simplesmente impossível. Tão logo os fenómenos são satisfatoriamente explicados, o domínio da força suposta de ser superior à natureza decresce, enquanto o horizonte do conhecimento deve continuamente alargar-se. Não é mais possível descrever a queda e ascensão de nações dizendo: "É o desejo de Deus". Esta explicação coloca ignorância e educação em situação de igualdade, e elimina na verdade a ideia de realmente explicar qualquer coisa que seja. Irá o religioso fingir que a finalidade real da ciência á assegurar como e por que Deus age? A ciência, sob este ponto de vista, consistiria em investigar a lei da acção arbitrária, e uma grande busca para assegurar as leis necessariamente obedecidas por um infinito capricho. Sob um ponto de vista filosófico, ciência é o conhecimento das leis da vida; das condições de felicidade; dos factos que nos cercam, e as relações que mantemos entre homens e coisas; o homem pode por assim dizer, dominar a natureza e dobrar as forças elementares para o seu benefício, tornando forças cegas ao serviço da sua mente. A crença numa providência especial deita fora o espírito de investigação e é inconsistente com o esforço pessoal. Por que o homem enfrentaria os desígnios de Deus? Qual de vocês, ao pensar, poderia adicionar um pouco que fosse a sua estatura? Sob a influência desta crença, o homem, aquecendo-se sob o sol da ilusão, olha os lírios do campo e se recusa a ter qualquer pensamento sobre o amanhã. Acreditando-se sob influência de uma força infinita que pode, a qualquer momento, atirá-lo até as profundezas do inferno ou elevá-lo às alturas dos céus, ele abandona, necessariamente, a ideia de realizar algo que seja por seu próprio esforço. Quando esta crença era geral, o mundo era preenchido com ignorância, superstição e miséria. As energias do homem eram gastas em esforço vão para obter a ajuda desta força, suposta de ser superior à natureza. Por muito tempo até seres humanos eram sacrificados nos altares deste deus impossível. Para agradá-lo, mães derramavam o sangue dos seus próprios bebés; mártires cantavam canções triunfantes no meio das chamas; padres molhavam-se de sangue; freiras renunciavam ao êxtase do amor; velhos homens trémulos imploravam; mulheres soluçavam e suplicavam; todas as dores eram suportadas e todo o horror era perpetrado. Por todos os longos anos que já passaram, a humanidade sofreu mais do que podemos conceber. O maior do sofrimento foi experimentado pelo fraco, o amoroso e o inocente. Mulheres foram tratadas como bestas venenosas, e criancinhas esmagadas como se fossem vermes. Milhares de altares foram tingidos com o sangue até de bebés; belas donzelas eram oferecidas a serpentes pegajosas; povos inteiros condenados a séculos de escravidão, e em toda a parte havia ultraje além da força do génio para exprimir. Durante todos esses anos os sofredores suplicavam; os lábios secos da fome rezavam; as vítimas pálidas imploravam, e os céus permaneceram cegos e surdos.

(continua)

domingo, 6 de dezembro de 2015

Sobre os ensaios de Ingersoll.



Acabei de publicar neste blog os ensaios de Ingersoll sobre os deuses. Não me move qualquer animosidade contra os crentes, antes pelo contrário. Como ateu aceito e respeito todas as crenças, mas acho-me no direito de mostrar aquilo que penso. Ingersoll, líder político, livre-pensador e excelente orador norte-americano, já no século 19 dissertava sobre estes assuntos e com um poder de argumentação que eu, com muita pena minha, não possuo. Com tudo isto apenas quero demonstrar que o homem não necessita de ser religioso, nem crente, para viver dentro dos parâmetros do bem e da ordem. Na minha opinião o homem crente não é livre, estando sempre dependente do julgamento de um deus e como tal limitado, com medo de infringir as leis divinas. Podem dizer-me que também estamos sujeitos às leis dos homens. Pois estamos, mas nessas, através da democracia, podemos interferir. Votamos naqueles que julgamos serem os melhores para governarem e, se uma lei for considerada má ou injusta, há formas de lutar para que seja modificada ou revogada desde que se queira e tenha vontade disso. As leis de deus, que até foram pensadas e escritas por homens, são consideradas irrevogáveis e aí, quem delas se desviar, sofre o castigo dos infernos, da excomunhão, da luta com a sua própria consciência e o medo da punição. Isso não é liberdade, é estar sujeito a uma entidade na qual acreditam que vela por nós e rege os nossos procedimentos. Por causa dessas crenças é que surgem os fundamentalismos e muito mal se faz aos outros por se pensar que é deus quem assim manda. Felizmente que, na actualidade, o deus dos cristãos é o mais moderado, mas o dos judeus e o dos muçulmanos continuam demasiado fundamentalistas e é o que se vê por esse mundo fora. A animosidade entre crentes dos diversos deuses é tremenda, sendo as religiões do livro as piores nesse aspecto. Hindus, taoistas, budistas, baai, e outras, não se hostilizam salvo muito raras excepções. Perdoem-me pois a ousadia e mais uma vez o meu obrigado pela vossa paciência.

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte X

(continuação)

As cerimónias continuam, mas a antiga fé está-se apagando no coração do homem. O argumento gasto deixa de convencer e as denúncias de que antes empalideciam as faces de uma raça, hoje causam galhofa e desgosto. Enquanto o tempo passa, os milagres se tornam menores e mais raros e as evidências que nossos pais achavam conclusivas falham totalmente em nos convencer. Há um conflito inconciliável entre religião e ciência, e ele não pode ocupar o mesmo cérebro no mesmo mundo. Enquanto afasto todas as crenças, enquanto nego as verdades de todas as religiões, não há em meu coração nem em meus lábios qualquer desprezo pelas almas esperançosas, amorosas e suaves que crêem que dessa discórdia resultará uma perfeita harmonia; que todo o mal se tornará de algum modo, bem, e que em toda parte há um ser que, de alguma forma irá requisitar e glorificar cada um dos filhos dos homens; mas para aqueles que impiedosamente tentam provar que a salvação é quase impossível; que a condenação é quase certa; que a avenida do universo leva para o inferno; que enchem o mundo com medo a morte com horror; que amaldiçoam o berço e caçoam da tumba, é impossível ter algum sentimento além de piedade, desprezo e ironia. Razão, Experimentação e Observação  a Santíssima Trindade da Ciência  ensinaram-nos que a felicidade é o único bem; que a hora de ser feliz é agora, e o caminho para ser feliz é também trazer este sentimento para os outros. Isto é o suficiente para nós. Com esta crença estamos contentes em viver e morrer. Se por qualquer possibilidade a existência de uma força superior e independente da natureza for demonstrada, haverá tempo suficiente para nos ajoelharmos. Até lá, permaneçamos erectos. Considerando-se o facto de que os infiéis de todas as épocas têm defendido os direitos do homem, e em todos os tempos têm sido os destemidos advogados da liberdade e justiça, somos sempre acusados pela Igreja de estarmos demolindo sem reconstruir novamente. A Igreja deveria saber já que é impossível roubar dos homens as suas opiniões. A história das perseguições religiosas estabeleceu o facto de que a mente sempre resiste e desafia qualquer tentativa de controlá-la através da violência. A mente sempre abraça velhas ideias antes estar preparada para uma nova. Quando compreendemos a verdade, todas as falsas ideias são necessariamente postas de lado. Um cirurgião certa vez foi chamado para que oferecesse qualquer assistência que pudesse a um inválido. O cirurgião começou a explicar detalhadamente sobre a natureza da doença; sobre as propriedades curativas de certas drogas; das vantagens do exercício, do ar fresco, da luz e das várias formas com as quais a saúde pode ser restaurada. Todas as observações faziam tanto sentido e demonstravam tanta sabedoria e conhecimento, que o aleijado, ficando alarmado, gritou: "Não leve minhas muletas, eu imploro ao senhor. Elas são meu único apoio, e sem elas estarei em situação miserável!" "Eu não levarei as suas muletas", disse o cirurgião, "Irei curá-lo, e só então você mesmo jogará fora as suas muletas”. Os caprichos das nuvens propõem os infiéis substituir pelas realidades da terra; a superstição, pelas esplêndidas demonstrações da ciência; e a tirania teológica, pela irrefreável liberdade de pensamento. Não afirmamos que descobrimos tudo; que as nossas doutrinas são a verdade final. Não achamos que haja um fim para as descobertas do homem. Não poderemos desvendar as infinitas complicações da matéria e da força. A história de um nómada é tão misteriosa como a história do universo; uma gota d'água é tão maravilhosa como os mares; um monte, como as florestas; e um grão de areia, como todas as estrelas. Não estamos buscando atingir o futuro, mas libertar o presente. Não estamos forjando correntes para nossos filhos, mas tentando quebrar aquelas que nossos pais colocaram em nós. Somos os advogados do questionamento, da investigação e do pensamento. Isto prova que não estamos satisfeitos com todas as nossas conclusões. Filosofia não possui o egoísmo da fé. Enquanto a superstição constrói muros e cria obstruções, ciência abre todas as estradas do pensamento. Não fingimos ter circum-navegado tudo e ter resolvido todas as dificuldades, mas sabemos que é melhor amar os homens que temer deuses; que é mais nobre investigar e pensar por nós mesmos que repetir uma oração. Estamos satisfeitos em ter um pouco de liberdade aqui na terra em vez de adorar um tirano lá no céu. Não pretendemos resolver tudo que nos cerca; mas pretendemos fazer tudo de bom que pudermos e lançar todo o esforço que for possível na causa sagrada do progresso humano. Sabemos que eliminando deuses e forças sobrenaturais não é um fim por si só. É apenas um meio: o fim é conseguir a felicidade do homem. Derrubar florestas não é a finalidade da agricultura. Expulsar piratas dos mares não é a finalidade do comércio. Estamos lançando as fundações do grande templo do futuro, e não o templo dos deuses, mas o templo dos homens  no qual, com os rituais apropriados, será celebrada a religião da humanidade. Estamos fazendo o pouco que for possível para apressar a vinda de um dia em que a sociedade deixará de produzir milionários e mendigos indolência em excesso e indústria esfomeada verdade em farrapos e a superstição coroada e com batina. Estamos buscando o tempo em que o útil será honrado; e a Razão, coroada no trono do cérebro do mundo, será a Rainha das Rainhas, e o Deus dos Deuses.

FIM

https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Green_Ingersoll

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte IX



(continuação)

Depois de muitos séculos de pensamento, começou a ver que rezar junto com o padre não provoca um terremoto. Ele percebeu, com uma forte dose de espanto, que pessoas boas eram também às vezes fulminadas por um raio, enquanto que algumas muito más, escapavam. Ele era frequentemente forçado à conclusão dolorosa (e é a mais dolorosa que um ser humano experimenta) que nem sempre o bem prevalece. Viu que os deuses não interferem em benefício dos fracos e inocentes. Ele agora está surpreso ao se ver como um não crente e experimentando a felicidade e gozando de excelente saúde. Ele finalmente se certifica de que não poderia haver nenhuma conexão possível entre um inverno particularmente rigoroso e sua omissão em dar um carneiro à paróquia. Começou a suspeitar que a ordem do universo não era constantemente modificada para ajudá-lo por repetir uma crença. Ele percebeu que uma criança não raramente roubava após ter sido baptizada. Viu uma abissal distância entre religião e justiça e que os adoradores do mesmo deus certas vezes se deleitavam em cortar as gargantas uns dos outros. Presenciou as disputas religiosas enchendo o mundo de ódio e escravidão. Por fim, teve a coragem de suspeitar que nenhum deus em qualquer época, interfere com a ordem dos eventos. Ele aprendeu alguns factos e constatou que esses factos positivamente recusavam-se a harmonizar-se com a ignorância supersticiosa dos seus pais. Achando os livros sagrados incorrectos e falsos em alguns aspectos, sua fé na autenticidade começou a abalar-se; achando seus padres ignorantes em alguns pontos, ele começou a perder o respeito por ambos. Este foi o princípio da liberdade intelectual.
A civilização do homem tem crescido na mesma medida em que a força da religião tem decaído. O avanço intelectual do homem depende de até que ponto ele pode substituir uma velha superstição por uma nova verdade. A Igreja não admite que o homem faça qualquer uma dessas trocas; pelo contrário, toda a sua força está em evitá-las. Apesar da Igreja, entretanto, o homem descobriu que alguns de seus conceitos religiosos estavam errados. Lendo a Bíblia, ele descobriu que as ideias de Deus eram as mais cruéis e brutais que aquelas do mais depravado selvagem. Ele também descobriu que o seu livro sagrado estava cheio de ignorância, e que ele devia ter sido escrito por pessoas totalmente sem conhecimento sobre os fenómenos naturais que nos circundam; e agora alguns homens têm a bondade e honestidade de expressar seus pensamentos honestos. Em todas as épocas alguns pensadores, alguns que duvidavam, alguns investigadores, alguns que odiavam a hipocrisia, alguns que desprezavam a vergonha, alguns bravos amantes do direito, têm, orgulhosamente, alegremente e heroicamente derrubado a fúria ignorante da superstição em benefício do homem e da verdade. Esses divinos homens eram feitos em pedaços pelos adoradores dos deuses. Sócrates foi obrigado a tomar veneno por ter negado reverência a algumas divindades. Cristo foi crucificado por uma turba de religiosos sob a acusação de blasfémia. Nada é tão gratificante para um religioso que destruir seus inimigos sob o comando do seu deus. Perseguição religiosa é resultado da mistura entre amor a Deus e ódio ao homem. As terríveis guerras religiosas que inundaram o mundo com sangue tendem ao menos a condenar todas as religiões à desgraça e ódio. Pessoas que pensam começaram a questionar a origem divina das religiões que fizeram seus seguidores considerar os direitos dos outros com desprezo. Uns poucos começaram a comparar o Cristianismo com as religiões pagãs, e se viram forçados a admitir que a diferença não valia a pena considerar. Eles então perceberam que outras nações eram até mais felizes e prósperas que suas próprias. Começaram a suspeitar que a sua religião, na verdade, não tinha muito valor. Por trezentos anos os cristãos do mundo procuraram resgatar o sepulcro vazio de Cristo dos "infiéis". Por trezentos anos os exércitos da cruz foram atacados e derrotados pelos vitoriosos anfitriões. Este fato marcante semeou as sementes da desconfiança em toda a Cristandade, e milhões começaram a perder sua confiança em um Deus que havia sido vencido por Maomé. As pessoas então descobriram que comércio faz amigos, enquanto religiões fazem inimigos, e que o zelo religioso era totalmente incompatível com a paz entre nações e indivíduos. Eles descobriram que aqueles que mais amavam um deus eram os menos aptos a amar o homem, que a arrogância do perdão universal era ridícula, e que os mais cruéis tinham a afronta de rezar pelos seus inimigos, e que a humildade e tirania eram fruto da mesma árvore. Durante muito tempo um conflito mortal era travado entre uns poucos bravos homens e mulheres de ideias de um lado, e a grande massa de religiosos ignorantes da outra. Era a guerra entre a ciência e a fé. Os poucos apelavam para a razão, honra, lei, a liberdade, o conhecimento e a felicidade aqui neste mundo. Os muitos apelavam para o preconceito, o medo, o milagre, a escravidão, o desconhecido e para a miséria daqui. Os poucos diziam: "Pensem!" Os muitos gritavam: "Acreditem!" A primeira dúvida foi o útero e o berço do progresso, e da primeira dúvida o homem continuou avançando. Começou a investigar e a Igreja começou a opor-se. O astrónomo rastreava o céu enquanto a Igreja rotulava sua testa de "infiel", e agora nenhuma estrela em todo o firmamento leva um nome cristão. Apesar de todas as religiões, os geólogos estudaram a terra, leram a história nos livros de pedra, e encontraram, escondidos no seu interior, lembranças de todas as épocas. Velhas ideias pereceram nos laboratórios de Química e verdades úteis tomaram o seu lugar. Um por um, os conceitos religiosos foram colocados sob o olhar da ciência, e logo depois, nada além de lixo foi encontrado. Um novo mundo foi descoberto pelo microscópio; em toda a parte encontraram o infinito; em toda direcção o homem investigava e explorava e em nenhum lugar, nas estrelas e na terra, não foram encontradas as pegadas de nenhum ser superior ou independente da natureza. Em lugar nenhum foi descoberta a mais ténue evidência de qualquer interferência externa. Estas são as verdades sublimes que permitem ao homem deitar fora o cabresto da superstição. Estes são os factos esplêndidos que tomam o cetro da autoridade das mãos do sacerdote. No vasto cemitério chamado passado, está a maior parte das religiões do homem, e lá, também, estão também quase todos os seus deuses. Os templos sagrados da Índia já são ruínas há longo tempo atrás. Sobre colunas e cornijas; sobre as paredes desenhadas e pintadas, vicejam e se espalham plantas trepadeiras. Brama, o ouro, com quatro cabeças e quatro braços. Vishnu, a sombra, o que castiga os maus, com seus três olhos, seu crescente, com seu colar de crânios; Shiva, o destruidor, vermelho com mar de sangue; Kali, a deusa; Draupadi, com braços brancos; e Krishna, o Cristo, todos se foram e deixaram o trono dos céus abandonados. Ao longo da beira do sagrado Nilo, Ísis não mais vagueia chorando, procurando o defunto Osíris. A sombra da carranca de Tifon não cai mais nas ondas. O sol nasce como outrora, e seus raios dourados ainda atingem os lábios de Menon, mas Menon está tão mudo quanto a Esfinge. As múmias empoeiradas ainda esperam pela ressurreição prometida pelos sacerdotes, e as velhas crenças registadas em curiosas pedras esculpidas, dormem no mistério de uma língua morta e perdida. Odin, o autor da vida e da alma, Vili e Ye, e o poderoso gigante Ymir, debandaram há muito tempo das geladas paisagens do norte; e Tor, com luvas de ferro e sua clava flamejante, não mais esmaga montanhas. Os antigos círculos e cromeleques dos druidas estão quebrados; caídos nos ermos das montanhas e cobertos com musgos de séculos. Os fogos divinos dos azetecas e da Pérsia se extinguiram nas cinzas do passado, e não há mais ninguém para reacendê-lo ou alimentar as chamas sagradas. A harpa de Orfeu está silenciosa; o caneco derramado de Baco foi deixado de lado; Vênus jaz morta, de pedra e seu seio branco não mais pulsa de amor. As correntezas ainda passam mas não há mais naiads para tomar banho; as árvores ainda balançam, mas nas clareiras da floresta nenhuma driad dança. Os deuses fugiram do monte Olimpo. Nem mesmo a mais bela das mulheres pode fisgá-los de volta. Desaparecidos para sempre estão os trovões do Sinai; perdidas estão as vozes dos profetas, e a terra, antes fluindo com leite e mel é agora um deserto. Um por um os mitos se desvaneceram com as nuvens: um por um, os fantasmas desapareceram, e um por um, factos, realidade e verdades tomaram seu lugar. O sobrenatural praticamente sumiu, mas o natural persiste. Os deuses voaram, mas o homem está aqui. Nações, como indivíduos, têm seus períodos de juventude, de maturidade e declínio. Religiões também. O mesmo destino inexorável aguarda todas elas. Os deuses criaram, mas as nações devem perecer com seus criadores. Elas foram criadas por homens, mas como homens, elas devem desaparecer. As divindades de uma era são a matéria-prima dos próximos. A religião dos nossos dias e do nosso país não está mais isenta de gozação daqueles que virão no futuro, do que os outros. Quando a Índia resplandecia, Brama triunfava no trono do mundo. Quando o ceptro passou para o Egipto, Ísis e Osíris receberam as homenagens da humanidade. A Grécia, com seu valor, tornou-se império e Zeus se tornou a autoridade. O mundo tremeu com a ameaça dos intrépidos filhos de Roma, e Jove agarrou com as mãos os raios do céu. Roma caiu, os cristãos, no seu território, com a espada vermelha da guerra, dominaram as nações do mundo, e agora Cristo senta sobre o velho trono. Quem será seu sucessor?
Dia após dia o crescimento religioso se torna menor. Dia após dia velhos espíritos se extinguem das crenças e livros. O entusiasmo fervoroso, o inextinguível zelo da primitiva Igreja não existe mais, para nunca mais voltar. 

(continua)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte VIII

(continuação)

Que utilidade têm os deuses para o homem? Não é resposta dizer que um deus criou o mundo, estabeleceu certas regras, e então voltou sua atenção para outros assuntos, deixando os seus filhos fracos, ignorantes e desamparados, para lutar a batalha da vida sozinhos. Não é resposta declarar que em algum outro mundo este deus nos vai dar um pouco de, ou toda a sua felicidade. Que direito temos nós de esperar que um deus perfeitamente sábio, bom e poderoso fará algum dia melhor do que tem feito e está fazendo? O mundo está cheio de imperfeições. Se ele foi feito por um ser infinito, que razão temos nós para dizer que o tornará mais perfeito do que ele agora é? Se o "pai" infinito permite que seus filhos vivam na ignorância e na desgraça agora, que evidência haverá de que ele melhorará essas condições? Deus conseguirá mais poder? Tornar-se-á ele mais misericordioso? Aumentará o seu amor pelas suas pobres criaturas? Poderá a conduta de infinita sabedoria, força e amor, ser modificada? Poderá o infinito ser capaz de qualquer melhora que seja? Somos informados pelos religiosos que este mundo é uma espécie de escola, que o mal que nos circunda tem o objectivo de desenvolver as nossas almas, e que só pelo sofrimento o homem pode tornar-se puro, forte, virtuoso e sublime.
Supondo que isto seja verdade, o que dizer daqueles que morrem na infância? As criancinhas, de acordo com esta filosofia, nunca poderão desenvolver-se. Elas são desafortunadas em escapar da nobre influência da dor e do sofrimento, e em consequência disto, são condenadas à eternidade de inferioridade mental. Se os religiosos estão certos nesta ideia, ninguém é mais desafortunado que os felizes, e deveríamos invejar os que sofrem. Se o mal é necessário para o desenvolvimento do homem, na sua vida, como será possível para em espírito melhorar na perfeita alegria do céu?
Desde que Paley achou o seu relógio, o argumento da "criação" tem sido considerado como irrespondível. A Igreja ensina que este mundo, e tudo que ele contém foi criado como o conhecemos hoje; que a relva, as flores, as árvores, todos os animais incluindo o homem, foram criações especiais e que não possuem quaisquer relações entre si. Os mais ortodoxos admitirão que alguma terra tenha sido levada para o mar; que o mar tenha avançado um pouco sobre a terra, e que as montanhas sejam um pouco mais baixas que na época da criação. A teoria do desenvolvimento gradual era desconhecida para nossos pais; a teoria da evolução não lhes ocorria. Nossos pais olhavam o arranjo das coisas como sendo o arranjo original. A terra parecia-lhes fresca das mãos de um deus. Não conheciam nada sobre a evolução gradual ao longo de incontáveis anos, mas supunham que a quase infinita variedade de vegetais e animais existiam desde o princípio.
Suponha que numa ilha encontremos um homem de milhões de anos, e suponha que o vejamos com uma bela carruagem, construída sob os mais modernos métodos. E suponha ainda que ele nos diga que aquilo era o resultado de centenas de milhares de anos de trabalho e de projectos; que por cinquenta mil anos ele usara a madeira mais plana que pudesse encontrar, antes que percebesse que quebrando a madeira ele poderia obter a mesma superfície usando a metade do peso; então passaram-se mais milhares de anos para que ele inventasse rodas para a prancha; que as primeiras rodas eram sólidas, e milhares de anos de ideias o fizeram inventar os raios e pneus; que por milhares de anos ele usara rodas sem eixo; que se passaram mais centenas de anos para usar quatro rodas em vez de duas; que por um bom tempo ele andava atrás da carruagem ao descer ladeiras, para segurá-la; e que por puro acaso ele inventou a canga; poderíamos concluir que este homem fosse infinitamente engenhoso e perfeito mecânico? Suponha que o encontremos numa elegante mansão, e que ele nos informe que vive na casa por quinhentos anos antes de ter a ideia de pôr um telhado, e que só recentemente colocara janelas e portas; poderíamos dizer que desde o início ele era infinitamente bem informado e um perfeito arquitecto? Não temos que concluir que um melhoramento nas coisas criadas indicam um melhoramento no criador? Poderia um Deus infinitamente bom, poderoso e sábio, desejando produzir o homem, tenha iniciado com as formas mais primitivas de vida; desde os mais simples organismos conhecidos que possam ser imaginados, e durante imensuráveis períodos de tempo uma melhora gradual e quase imperceptível sobre o início tosco, até chegar ao homem? Iria haver neste período, desperdício na produção de formas erradas, abandonadas depois? Pode a mente humana encontrar a mínima sabedoria sobre a terra com horrores que rastejam, que vivem da agonia e miséria dos outros? Podemos ver a propriedade da construção da terra, quando só uma pequena proporção da superfície seja capaz da inteligência humana? Quem poderá apreciar a misericórdia de se construir um mundo no qual animais devoram animais; Que toda boca seja um matadouro, e cada estômago uma tumba? Podemos encontrar infinita inteligência e amor na carnificina eterna e universal?
O que pensaríamos de um pai que desse uma fazenda a seus filhos e que antes de lhe passar a propriedade plantasse nela milhares de ervas venenosas e urtigas; que a enchesse de bestas ferozes e répteis venenosos; que colocasse nela água e insectos para que desenvolvesse malária; arranjasse a terra de tal modo que, de vez enquanto ela se abrisse e engolisse alguns dos seus filhos queridos; e além disso, colocasse também alguns vulcões nas vizinhanças que a qualquer momento derramasse rios de lava sobre seus filhos? Suponha que esse pai evitasse dizer a seus filhos quais ervas eram venenosas; nada dissesse sobre terremotos e deixasse em segredo os vulcões; consideraríamos esse pai um anjo ou demónio? E no entanto é exactamente isto que o Deus ortodoxo tem feito. De acordo com teólogos Deus preparou este globo especialmente para a habitação de seus filhos queridos, e no entanto ele encheu as florestas de bestas ferozes; colocou serpentes em cada caminho; atormentou o mundo com terremotos e adornou sua superfície com montanhas flamejantes. Apesar de tudo isto nos dizem que o mundo é perfeito; que foi projectado por um ser perfeito, e portanto, é também perfeito. No momento seguinte nos dirão estas mesmas pessoas que o mundo foi amaldiçoado; coberto com espinheiros, urtigas e espinhos, e que o homem fora condenado à doença e morte, simplesmente porque nossa querida pobre e falecida mãe comera uma fruta contrariando o comando de um deus arbitrário.
Um devoto amigo meu, tento ouvido que eu falara que o mundo é coberto de imperfeições, perguntou-me se o relato era verdadeiro. Sabendo que era, ele expressou grande surpresa que alguém fosse culpado dessa presunção. Ele afirmou que em seu julgamento seria impossível apontar uma imperfeição que seja. "Seja bom o suficiente", disse ele, "para fazer um melhoramento que seja, se você tivesse poder." "Bem", disse eu, "traria saúde para todos em vez de doenças." A verdade é, é impossível harmonizar todas essas dores e agonias com a ideia de que fomos criados, e somos supervisionados e protegidos por um Deus poderoso, benevolente e sábio, que seja superior e independente da natureza. Os sacerdotes, entretanto, compensam todas as doenças desta vida com as esperadas alegrias da próxima. Somos assegurados de que tudo é perfeição no paraíso, que seu céu não tem nuvens  que tudo é serenidade e paz. Aqui impérios podem cair; dinastias podem extinguir-se em sangue; milhões de escravos podem labutar sob os raios impiedosos do sol, e o cruel bastão dos chicotes; entretanto tudo é alegria no paraíso. Pestes podem atapetar o mundo com cadáveres dos entes queridos; os sobreviventes podem curvar-se sobre eles em agonia  entretanto a árvore plácida do céu permanece impassível. Crianças podem se esvair pedindo em vão um pedaço de pão; bebés podem ser devorados por serpentes, enquanto o sorriso impassível de Deus continua a brilhar. O inocente pode definhar no escuro das masmorras; bravos homens e mulheres heróicas podem virar cinzas na estaca do fanatismo, enquanto o céu é cheio de alegrias e música. No mar aberto, na escuridão da noite tempestuosa, os náufragos se debatem no meio das ondas implacáveis, enquanto os anjos tocam calmamente suas harpas. As ruas das cidades são cheias de doentes, deformados, desamparados; as câmaras da dor são coroadas com as pálidas formas do sofrimento, enquanto os anjinhos voam e flutuam no reino feliz onde vivem. No céu eles estão muito felizes para ter simpatia; muito ocupados cantando para ouvir as súplicas dos que sofrem. Seus olhos são cegos; suas orelhas estão tapadas e seus corações já viraram pedra pelo infinito egoísmo da alegria. O marinheiro salvo está muito feliz ao atingir os umbrais para pensar um momento nos seus irmãos que se afogam. Com a indiferença da felicidade, com o desprezo do êxtase, o céu é inatingível às misérias da terra. Cidades são devoradas pela lava; a terra se abre e milhares perecem; homens estendem suas mãos para os céus mas os deuses estão muito felizes para ajudar seus filhos. Os sorrisos das divindades não tomam conhecimento das lágrimas dos homens. Os gritos de alegria dos céus abafam os lamentos da terra. Tendo demonstrado como os homens criaram os deuses, e como eles se tornaram escravos temerosos da sua própria criação, a questão naturalmente vem à tona: Quando eles se libertarão, mesmo um pouco, desses monarcas do céu, desses déspotas das nuvens, dessa aristocracia do ar? Como eles sobrepujarão seu terror abjecto e ignorante e jogará fora os cabrestos da superstição?
Provavelmente a primeira coisa a libertar a mente do homem foi a descoberta da ordem, da regularidade, da periodicidade do universo. Com isto ele começou a suspeitar de que tudo não aconteceu puramente em referência a ele. Ele percebeu que o que quer que ele faça, os movimentos dos planetas eram sempre os mesmos; que eclipses eram periódicas, e que até cometas chegam a certos intervalos. Isto começou a convencê-lo de que eclipses e cometas nada tinham a ver com ele, e que sua conduta nada tinha a ver com esses corpos celestes. Perceberam que eles não foram feitos para o seu benefício e punição. Eles começaram então a vê-los com admiração e não com medo. Entenderam que a fome não era mandada por uma divindade enraivecida e vingativa, mas era o resultado da negligência e ignorância do homem. Compreenderam que doenças não eram causadas por espíritos maus. Viram que doenças eram causadas por causas naturais, e poderiam ser curadas por métodos naturais. Ele demonstrou, para sua satisfação pelo menos, que oração não é remédio. Descobriu, pela sua triste experiência, que seus deuses não têm qualquer utilidade prática, que nunca o ajudaram, excepto quando ele já estava apto para se ajudar a si próprio. Por fim ele começou a suspeitar de que suas acções nada tinham a ver com misteriosas aparições no céu; que era impossível para ele ser mau o suficiente para causar um vendaval, ou bom o suficiente para cessá-lo.

(continua) 

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte VI

(continuação) 

Nada resta para o sobrenatural além de espaço vazio. Seu trono se torna desocupado, e sua realeza fica sem matéria, sem força, sem lei, sem causa e sem efeito.
Mas o que coloca toda esta matéria em movimento? Se matéria e força têm existido por toda a eternidade, então, matéria deve ter estado sempre em movimento, então não haverá qualquer força sem movimento. Força é sempre activa e não há, nem poderá haver parada. Se, então, força e matéria existem desde sempre, então assim também é o movimento. No universo não há sequer um átomo em repouso. Uma divindade fora da natureza existe no nada, e não é nada. A natureza abraça com seus infinitos braços toda a matéria e toda a força. Aquilo que está além do seu alcance é destituído de ambos, e dificilmente mereceria adoração mesmo de um homem. Só há uma maneira de demonstrar a existência de força independente ou superior à natureza, e seria pela quebra, por um só instante, da continuidade da causa e efeito. Tire da infinita cadeia da existência um único elo; Pare por um momento a grande procissão e você terá ido além de todas as contradições de que a natureza tem um mestre. Mude os factos, só por um segundo, que matéria atrai matéria, e um deus aparecerá. O mais rude selvagem sempre soube deste facto, e por esta razão, sempre exigiu a presença de um milagre. O fundador de uma religião sempre teve de ser capaz de transformar água em vinho -- curar com uma palavra o cego e o aleijado, ressuscitar com um toque, um morto. Era necessário para ele demonstrar aos seus bárbaros discípulos, que ele era superior à natureza. Em tempos de ignorância, isto era fácil de fazer. A credulidade dos selvagens era quase infinita. Para ele o maravilhoso era o belo, o misterioso era sublime. Consequentemente, em toda religião tem na sua fundação um milagre -- ou seja, uma violação da natureza -- ou em outras palavras, uma falsificação. Ninguém, em toda a história da humanidade, tentou substanciar a verdade com um milagre. A verdade exige a assistência de um milagre. Nada além da falsidade tem testado a si mesmo por sinais e o maravilhoso. Nenhum milagre jamais foi realizado, e nenhum homem são nunca pensou ter realizado um, e até que um seja feito, não há qualquer evidência da existência de uma força superior à natureza. A Igreja quer que acreditemos. Deixemos que a Igreja ou um dos santos intelectuais façam um milagre, e nós acreditaremos. Somos informados de que a natureza tem um superior. Deixemos este superior, por um instante que seja, controlar a natureza, e nós admitiremos a verdade no que a Igreja diz. Nós já ouvimos falar o suficiente. Nós já ouvimos todos estes sermões aborrecidos e enfadonhos que queríamos ouvir. Já lemos a sua Bíblia e as obras das suas melhores mentes. Já ouvimos as suas orações, os seus lamentos solenes, os seus reverentes améns. Isto tudo para menos que nada. Queremos um facto. Nós imploramos nas portas das suas Igrejas por só um pequeno facto. Nós passamos nossos chapéus por seus bancos e por seus púlpitos para suplicar por só um facto. Nós sabemos tudo sobre os seus milagres maravilhosos e as suas antigas maravilhas. Nós queremos um facto actual. Pedimos só um. Dê-nos um facto, por caridade! Os seus milagres são muito antigos. As suas testemunhas já estão mortas há dois mil anos. A sua reputação de "verdade e veracidade", entre os seus vizinhos é totalmente desconhecida entre nós. Dêem-nos um novo milagre e comprovem-no com testemunhas que tenham o hábito de ainda viverem neste mundo. Não nos enviem a Jericó para ouvir as trombetas curvas, nem nos coloquem no fogo com Sadrack, Meseck ou Abdenego. Não nos obriguem a navegar com o capitão Jonas nem jantar com Sr. Ezequiel. Não há qualquer utilidade em nos fazer caçar raposas com Sansão. Nós já perdemos todo o interesse naquele discurso tão eloquentemente proferido pelo jumento inspirado de Balaam. É pior que inútil nos mostrar peixes com moedas na boca ou chamar as nossas atenções para vermos multidões matando a fome com cinco biscoitos e duas sardinhas. Nós exigimos um novo milagre e agora. Deixem a Igreja produzir apenas um, ou calar-se para sempre. Nos velhos tempos a Igreja, violando as leis da natureza, provou a existência do seu Deus. Naquela época os milagres eram feitos com a mais incrível facilidade. Eles eram tão comuns que a Igreja ordenou aos seus sacerdotes para pararem. E agora, esta mesma Igreja -- tendo as pessoas encontrado um pouco de bom senso -- admite, não só que ela não pode fazer milagres, mas insiste que a ausência de milagres, a inexorável marcha entre causa e efeito, prova a existência de uma força superior à natureza. O facto é, entretanto, que a inexorável cadeia de causa e efeito demonstra exactamente o contrário. Sir William Hamilton, um dos pilares da moderna teologia, discutindo estas questões, usa a seguinte linguagem: "O fenómeno da matéria, considerado independentemente, muito longe de garantir a qualquer interferência sobre a existência de um Deus, iria pelo contrário, firmar até um argumento pela sua negação. O fenómeno do mundo material é sujeito a leis imutáveis; é produzido e reproduzido pelas mesmas sucessões invariáveis, e manifesta apenas a força cega da necessidade mecânica". A natureza nada mais é que uma série infinita de causas eficientes. Ela não pode criar, mas transformar eternamente. Não há um começo e não poderá haver um fim. As melhores mentes, mesmo no mundo religioso, admitem que, na natureza material não há nada do que eles gostam de chamar um deus. Eles encontram a sua evidência no fenómeno a que chamamos inteligência, e inocentemente afirmam que inteligência está acima, e consequentemente, oposta à natureza; eles insistem que o homem, pelo menos, é uma criação especial; e que ele tem em algum lugar do cérebro, uma chama divina, uma pequena porção da "Grande causa primordial". Eles dizem que matéria não pode causar pensamento; mas que pensamento produz matéria. Eles dizem-nos que o homem tem inteligência, e portanto deve existir uma inteligência superior à sua. E por que não dizer que, deus tendo inteligência, haveria uma inteligência superior à sua? Até onde sabemos, não há inteligência separado da matéria. Não podemos conceber um pensamento, excepto aquele produzido por um cérebro. A ciência através da qual eles demonstram uma inteligência impossível, e uma força incompreensível é chamada metafísica ou teologia. Os teólogos admitem que os fenómenos da matéria tendem, pelo menos a provar a não existência de um ser superior à natureza por que, em tais fenómenos, nós vemos nada além de uma eterna cadeia de causas eficientes -- nada além de forças de necessidade mecânica. Eles então apelam para o que eles denominam os fenómenos da mente para estabelecer esta força superior.
O problema é que nos fenómenos da mente nós encontramos a mesma cadeia eterna de causas eficientes; a mesma necessidade mecânica. Todo pensamento tem de ter tido uma causa eficiente. Todo o motivo, todo o desejo, todo o medo, toda a esperança, todo o sonho, tem de ser necessariamente produzido. Não há qualquer espaço na mente humana para a providência ou acaso. Os factos e forças que governam a mente são tão absolutas quanto aquelas que governam o movimento dos planetas. Um poema é produzido por forças da natureza, e é tão necessariamente e naturalmente produzido como mares e montanhas. Você procurará em vão um pensamento na mente humana sem uma causa eficiente. Toda a operação mental é o resultado necessário de certos factos e condições. Fenómenos mentais são considerados mais complicados que aqueles de matéria, e consequentemente mais misteriosos. Sendo mais misteriosos, eles são considerados as melhores evidências da existência de um deus. Ninguém supõe um deus do simples, do conhecido, do que é compreendido, mas do complexo, do desconhecido, do incompreensível. A nossa ignorância é Deus; o que sabemos é ciência. Quando abandonamos a doutrina de que um ser infinito criou a matéria e força, e decretamos um código de leis para o seu governo, a ideia da interferência estará perdida. O real sacerdote será, não o porta-voz de um suposto deus, mas um intérprete da natureza. A partir daí a Igreja deixará de existir. As velas se consumirão sobre os altares empoeirados; o fungo comerá o tecido de veludo dos púlpitos e dos bancos; a Bíblia tomará o seu lugar junto com os Sastras, Puranas, Vedas, Eddas, o Corão e os livros velhos da degradante fé desaparecerão das mentes dos homens. "Mas", dizem os religiosos, "você não pode explicar tudo; não pode entender tudo; e o que você pode entender, é o meu Deus." Estamos explicando mais a cada dia; Estamos entendendo mais a cada dia; consequentemente, seu deus está ficando a cada dia, menor.

(continua)


domingo, 29 de novembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte V

(continuação)

O selvagem, quando emerge do estado de barbarismo, gradualmente perde a fé nos seus ídolos de madeira e de pedra, e em seu lugar coloca uma multidão de espíritos. À medida que ele avança em conhecimento, ele descarta a sua trupe de espíritos, e em seu lugar coloca um único, tido como supremo e infinito. Supondo que o seu espírito é superior à natureza, ele oferece-lhe adoração e submissão em troca de protecção. Por fim, concluindo que não obtém qualquer ajuda da sua divindade -- descobrindo que toda a procura pela necessidade absoluta termina sempre em fracasso -- percebendo que o homem, sob nenhuma condição, pode conceber o incondicional -- ele começa a investigar os factos que o circundam, e só contar com ele mesmo. As pessoas estão começando a pensar, a raciocinar e a investigar. Gradualmente, dolorosamente, mas certamente, os deuses vão sendo expulsos da terra. Só muito raramente são eles, por pessoas muito religiosas, supostos de interferir nos afazeres do homem. Em quase todos os assuntos, nós somos levados a supor que somos livres. Desde a invenção das locomotivas a vapor e dos caminhos-de-ferro, de modo que os produtos de todos os países puderam ser intercambiáveis, os deuses têm perdido a habilidade de produzir a fome. Aqui e ali eles assassinam uma criança, por que eles são idolatrados pelos pais. Como regra eles têm desistido de causar acidentes em ferrovias, explodir caldeiras, pipocar lampiões de querosene. Cólera, febre-amarela e varíola são ainda consideradas armas dos deuses; mas varicela, sarna e peste são agora atribuídas a causas naturais. De modo geral, os deuses têm parado de afogar criancinhas, excepto como punição de não guardar os sábados. Eles ainda prestam alguma atenção aos afazeres dos reis, homens de inteligência ou de grandes fortunas; mas pessoas comuns são abandonadas à própria sorte. Em guerras entre grandes nações os deuses ainda interferem; mas em brigas comuns, o melhor, junto com um juiz honesto é quase sempre o vencedor.
A Igreja não pode abandonar a doutrina da divina providência. Desistir dela seria desistir de tudo. A Igreja tem de insistir que a oração é atendida -- que alguma força superior à natureza ouve e atende o pedido do sincero humilde cristão, e que esta misteriosa força, de algum modo actua sobre tudo. Um clérigo devoto procura toda oportunidade de impressionar a mente de seu filho de que Deus cuida de toda a criatura; que um pardal atrai sua atenção e que seu amor actua sobre toda a sua criação. Acontecendo ele ver, certo dia, uma garça procurando por comida, ele mostra ao filho o exemplo de um animal perfeitamente adaptado para conseguir sua sobrevivência.
"Veja", disse ele, "como essas pernas são programadas para a caça! que corpo esbelto ela tem! veja com que elegância ela introduz e retira suas patas da água! ela não provoca nenhuma agitação. Ela é capaz de abordar o peixe sem ser notada".
"Meu filho," disse ele, "é impossível ver este animal sem reconhecer a criação, assim como a bondade de Deus, dando os meios de sobrevivência." "Sim", respondeu o menino, "eu vejo a bondade de Deus desde que se veja o lado da garça; mas, pai, você não acha esta regra um tanto desvantajosa para o peixe?"

Até o mais moderno dos religiosos, mesmo duvidando de grande parte das supostas interferências divinas no nosso mundo actual, ainda crê que no início, algum deus fez as leis que governam o universo. Ele acredita que, em consequência dessas leis o homem pode levantar um peso maior com ou sem uma alavanca; que esse deus fez as leis e estabeleceu de certa forma a ordem das coisas, que duas coisas não podem ocupar o mesmo espaço simultaneamente; que um corpo, sendo posto em movimento, mantém-se em movimento até ser parado; que há uma maior distância ao redor que cruzando um círculo; que um quadrado perfeito tem quatro lados idênticos, em vez de cinco ou seis.
Ele insiste que foi necessário interferência divina para que um todo seja maior que suas partes, e que se não fosse pela providência divina, duas vezes um poderia ser maior que duas vezes dois, e que bastões e cordas teriam a mesma forma. Como o antigo deus escocês, ele agradece a Deus que o Domingo fique no fim e não no meio da semana, e que a morte aconteça só no fim, e não no princípio da vida, dando-nos, consequentemente, tempo suficiente para que nos preparemos para o evento solene. Essas pessoas vêem interferência divina por toda a parte. Eles insistem que o universo foi criado, e que as adaptações que vemos na natureza seriam puramente aparentes. Eles mostram-nos o brilho do sol, as flores, as chuvas de Abril, e afirmam por divino tudo o que há de belo e útil no mundo. Será que passa pelas suas mentes que o câncer seria tão belo como uma rosa? Que eles têm satisfação de chamar a adaptação de meios para atingir um fim, é tão aparente no câncer que nas chuvas de abril? Como é belo o processo de digestão! Que engenhoso método o de o sangue ser envenenado de tal forma que possa alimentar um câncer! Por que meio maravilhoso todo o organismo humano seja consumido para alimentar um câncer! Veja por quais métodos engenhosos ele se alimenta às custas de um organismo trémulo! Veja como ele rápida e eficientemente, cresce! Que belas cores ele apresenta! Por que maravilhosos mecanismos ele se enraíza e atinge os mais escondidos nervos dolorosos para sustentar sua vida! Veja através do microscópio que ele é um milagre de ordem e beleza! Nem toda a ingenuidade humana pode deter o seu crescimento. Pense na quantidade de pensamento que teve de ser produzido para inventar um meio para que a vida de alguém pudesse ser consumida para produzir um câncer. É possível ver isto e supor que exista uma administração no universo, e que o inventor desse maravilhoso câncer seja uma força infinitamente poderosa, engenhosa e boa? Informam-nos que o universo foi planeado e criado, e que é absurdo imaginar que a matéria tenha existido por toda a eternidade, mas que esta ideia é perfeitamente aceitável para um deus. Se um deus criou o universo, então deverá ter havido um tempo em que ele o começou a criar. Antes disto deverá ter existido uma eternidade, na qual nada havia -- absolutamente nada -- excepto o suposto deus. De acordo com esta teoria, o deus levou uma eternidade, por assim dizer, num vácuo infinito e na mais completa ociosidade. Admitindo que um deus criou o universo, a questão que se levanta é, de que ele o criou? Certamente ele não foi feito do nada. Nada sendo considerado matéria-prima é muito falho. Conclui-se que deus construiu o universo dele mesmo, sendo ele a única existência. O universo é material, e se ele foi feito por um deus, o deus tinha de ser também material. Com este pensamento em mente Anaxímedes de Mileto disse: "Criação é a decomposição do infinito." Está demonstrado que a terra cairia no sol só pelo fato de que ela é atraída por outros mundos ainda mais além, e assim sucessivamente sem fim. Isto prova que o universo não tem fim. Se um universo infinito foi feito de um deus infinito, o que sobrou então do deus?
A ideia de uma divindade criativa vem sendo abandonada gradualmente, e a maioria das mentes verdadeiramente científicas admitem que matéria tenha existido por toda a eternidade. Ela é indestrutível, e o indestrutível não pode ter sido criado. Esta é a glória do nosso século ter sido demonstrada a indestrutibilidade e existência eterna da força. Nem matéria nem força pode ser criada ou eliminada. Força não pode existir independentemente da matéria. Matéria só existe em conjunto com força, e consequentemente, uma força independentemente da matéria, e superior à natureza, é uma impossibilidade demonstrada. Força, deve ter existido por toda a eternidade, e não pode ter sido criada. Matéria, nas suas infinitas formas, de terra sem vida aos olhos da pessoa que amamos, e força, em todas as suas manifestações, de movimento simples até grandes pensamentos, negam a criação e desafiam o controlo. Pensamento é uma forma de força. Nós andamos com a mesma força com que pensamos. O homem é um organismo que transforma muitas formas de força em pensamento-força. O homem é uma máquina na qual se coloca o que chamamos comida, e produz o que chamamos pensamento. Pense na incrível modificação que permitiu com que pão fosse transformado na tragédia de Hamlet! Um deus deveria não só ser material, mas deveria ser um organismo capaz de transformar outras formas de força em pensamento. Isto é o que ocorre com a alimentação. Portanto, se um deus pensa, ele deve alimentar-se, ou seja, ele deverá possuir formas de suprir a força para pensar. É impossível supor um ser que dá eternamente força à matéria, e não tem qualquer meio de suprir a força doada. Se nem matéria nem força foram criadas, que evidência temos nós de uma força superior à natureza? Os teólogos irão provavelmente responder: "Nós temos leis e ordem, causa e efeito, e além disso, matéria não se colocaria por si só em movimento." Suponhamos, para fins de argumento, que não há um ser superior à natureza, e que matéria e força tenham existido eternamente. Agora suponha que dois átomos se chocando, haverá um efeito? Sim. Suponhamos que eles venham em direcções opostas e com igual força, eles sejam parados, para dizer o mínimo. Isto seria um efeito. Se é assim, então nós temos força, matéria e efeito sem um ser superior à natureza. Agora suponha que dois átomos, como os dois primeiros, venham juntos nas mesmas circunstâncias, não seria o efeito exactamente o mesmo? Sim. Mesmas causas produzindo os mesmos efeitos é o que chamamos lei e ordem. Então, temos matéria, força, efeito, lei e ordem sem um ser superior à natureza. Agora sabemos que todo efeito tem de ter uma causa e que toda causa tem de ter um efeito. Os átomos chegando juntos, produzem um efeito, e como todo efeito tem que ter uma causa, o efeito produzido pela colisão de átomos, deve ter sido provocado por algo. Então temos matéria, força, lei, ordem, causa e efeito sem um ser superior à natureza.

(continua)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte IV

(continuação) 

As pessoas religiosas sempre acreditaram que os testemunhos desses diabos eram perfeitamente conclusivos, e os escritores do Novo Testamento citavam as palavras desse sinistro personagem das trevas com muita satisfação. O facto de Cristo ter resistido à tentação do demónio era considerado conclusiva evidência de que ele era apoiado por algum deus, ou algum ser superior aos homens. São Mateus cita a tentativa de o diabo tentar o suposto filho de Deus; e isto sempre maravilhou os cristãos, de como a tentação foi tão heróica e nobremente repelida. A citação à qual me refiro é a seguinte: "Então Jesus foi conduzido pelo espírito para a selva para ser tentado pelo diabo. E quando o tentador chegou até ele, ele disse: 'Se és o filho de Deus, transforma estas pedras em pão'. Mas ele respondeu dizendo: 'Está escrito: o homem não pode viver só de pão, mas de todas as palavras que vêm da boca de Deus'. Então o diabo conduziu-o à cidade sagrada, foram até o pináculo do templo e Satan disse: 'Se és o filho de Deus, atira-te lá para baixo; por que está escrito, Ele dará condições aos anjos para te proteger antes de atingires qualquer pedra.' Jesus então disse-lhe: 'Está escrito também, não deverás tentar o senhor teu Deus.' Então o diabo conduziu-o até uma montanha alta e ofereceu-lhe todos os reinos do mundo para toda a sua glória, e disse-lhe:'Tudo isto te darei se te atirares e me adorares.' Os cristãos afirmam agora que Cristo era um Deus. Se fosse um Deus, é claro que o diabo saberia, e de acordo com essa história, o diabo levou o Deus omnipotente e o colocou no pináculo do templo e tentou induzi-lo a se atirar lá de cima contra o chão. Falhando nisso, ele levou o criador e dono do universo para uma elevada montanha e ofereceu-lhe o mundo -- seu grão de areia -- se Ele -- o Deus de todos os mundos, se atirasse e o adorasse, um pobre diabo, que não tinha onde cair morto! Seria possível que o diabo fosse tão idiota? Poderíamos dar qualquer crédito a esse deus por não cair numa armadilha tão ridícula? Pense nisto! O diabo -- o príncipe dos trapaceiros -- o rei da astúcia -- o mestre da manha, tentando subornar um Deus com um grão de areia que lhe pertencia! Há algo na literatura religiosa do mundo mais totalmente absurdo do que isto? Esses demónios, de acordo com a Bíblia, eram de vários tipos -- alguns podiam ouvir e ver, outros eram surdos e mudos. Nem todos podiam ser expulsos da mesma forma. Os espíritos surdos e mudos eram um tanto difíceis de lidar. São Mateus fala de um senhor que levou o seu filho a Cristo. O menino dizia-se, era possesso por um espírito mudo, sobre os quais os discípulos não tinham qualquer poder. "Jesus disse ao espírito: "Tu, espírito surdo e mudo, eu te ordeno a sair e não entrar mais nele'." Então, o espírito surdo (ouvindo o que ele disse) gritou (sendo mudo), e imediatamente se retirou. A facilidade com a qual Cristo lidou com esse espírito maravilhou os discípulos e eles perguntaram-lhe reservadamente por que é que eles não puderam expulsar aqueles espíritos. E ele respondeu: "Estas coisas podem se fazer com nada mais que oração e jejum". Haverá no mundo um cristão que acredite nesta história se fosse descrita em qualquer outro livro? A resposta é que essas pessoas piedosas fecharam a sua razão ao abrir as suas Bíblias. Essa crença em forças de deuses e diabos tem origem no facto de que o homem é circundado por fenómenos que ele considera bons ou ruins. Fenómenos que afectavam positivamente os homens eram considerados como bons espíritos. Fenómenos considerados desagradáveis eram considerados maus espíritos. Admitia-se que todos os fenómenos fossem provocados por espíritos. Os espíritos dividiam-se de acordo com os fenómenos e os fenómenos eram bons ou maus quando afectavam o homem. Bons espíritos provocavam os bons fenómenos, e maus espíritos, o mal -- então a ideia de diabo tornou-se tão universal como a ideia de um deus. Muitos escritores sustentam que, uma ideia, sendo universal, tem que ser verdadeira; que todas as ideias universais são inatas, e que ideias inatas não podem ser falsas. Se é verdade que uma ideia, sendo universal, prova que é inata, e se é verdade que uma ideia, sendo inata, prova que é verdadeira, então, os que acreditam numa ideia inata devem admitir que a ideia de um deus superior à natureza e um diabo superior à natureza é exactamente o mesmo que a existência desses diabos é tão evidente quanto a existência desse deus. A verdade é que um fenómeno de um deus tido como bom, e um diabo tido como mau. E seria tão natural e lógico supor que um diabo causasse felicidade quanto supor um deus que trouxesse miséria. Consequentemente, se um deus, inteligente, infinito e supremo é o autor imediato de todos os fenómenos, seria difícil determinar se tal criatura é amiga ou inimiga do homem. Se todos os fenómenos fossem bons, poderíamos afirmar que foram produzidos por um ser perfeitamente benevolente. Se fossem todos ruins, poderíamos dizer que foram produzidos por forças maléficas; mas como os fenómenos são considerados como afectando o homem, bons ou maus, eles deverão ser produzidos por forças antagónicas de diferentes espíritos; por uns que algumas vezes atuam com bondade e outras vezes com malícia; ou todos os fenómenos são produzidos pela necessidade, sem referência a suas acções sobre o homem. A tola doutrina de que todos os fenómenos podem ser traçados pela interferência de espíritos bons ou ruins, tem sido, e ainda é, quase universal. Que a maioria das pessoas ainda crê em algum espírito pode alterar a ordem natural dos factos, é provado pelo facto de que quase todos recorrem à oração. Milhares estão a cada momento implorando para que alguma força superior interceda a seu favor. Alguns querem que sua saúde se restabeleça; alguns pedem para que os entes distantes e ausentes sejam supervisionados e protegidos, alguns pedem riquezas, alguns imploram por chuva, alguns querem que doenças estacionem, alguns imploram em vão por comida, alguns pedem para reviver, uns poucos pedem mais sabedoria, e de vez em quando um pede para que o seu deus faça o que achar melhor. Milhares pedem para ser protegidos pelo diabo; alguns, como Davi, pedem vingança e outros pedem a Deus para não os deixar cair em tentação. Todas estas orações se baseiam na crença, na ideia de que uma força, não só pode como provavelmente irá alterar a ordem dos factos da natureza. Esta crença está presente em praticamente todas as tribos e nações. Todos os livros sagrados estão cheios de descrições dessas interferências, e nossa Bíblia não é excepção a esta regra. Se acreditarmos numa força superior à natureza, é perfeitamente natural que admitamos que esta força pode e irá produzir interferências nos acontecimentos da natureza. Se não há esta interferência, que função poderá ter esta força? As escrituras nos dão as mais maravilhosas descrições de divina interferência? Animais falam com homens; fontes brotam de ossos secos; o sol e a lua param no céu para que General Josué tenha mais tempo para assassinar; os ponteiros de um relógio de sol retornam dez graus para convencer um rei insignificante de um povo bárbaro, que ele não morrerá cozinhado; fogo recusa-se a arder; água recusa-se teimosamente a seguir o seu caminho, mas ergue-se como uma barreira; grãos de areia viram piolhos; bengalas, para satisfazer um truque, curvam-se e se transformam em serpentes e se engolem umas as outras; gritando e rindo da força de gravidade, sobem montes e seguem andarilhos por pura diversão; profecias tornam-se mais fáceis que a história; os filhos de deuses se apaixonam por mulheres do mundo; mulheres transformam-se em estátuas de sal com o propósito de manter um evento memorável fresco na mente das pessoas; excelentes artigos de enxofre são importados do céu livre de taxas; roupas se recusam a sair dos seus donos por quarenta anos; pássaros mantêm profetas andarilhos livres de despesas de restaurante e alimentos; ursos despedaçam crianças por terem zombado de um homem calvo; força muscular depende do tamanho da cabeleira de um homem; mortos revivem apenas para fazer gozação dos seus inimigos e herdeiros; bruxas e feiticeiras conversam livremente com as almas das pessoas mortas, e Deus em pessoa torna-se um pedreiro e escultor, depois de ter sido um alfaiate e costureiro. O véu entre a terra e o céu estava sempre rasgado ou suspenso. A sombra deste pequeno mundo, a radiância do céu, e o fulgor do inferno se misturaram e diminuíram até que o homem não soubesse mais em que país habitava. O homem morava num mundo irreal. Ele confundia as suas ideias, os seus sonhos, com coisas reais. Os seus medos se transformaram em monstros terríveis e maliciosos. Ele vivia no meio de monstros e fadas, ninfas e donzelas, duendes e fantasmas, bruxas e magos, fantasmas e assombrações, deuses e diabos. As profundezas escuras e as trevas eram preenchidas com presas e asas -- com bicos e patas -- com olhares sinistros e bocas debochadas -- com a malícia da deformidade e a astúcia do ódio, e com todas as formas viscosas que o medo pode desenhar e pintar sobre a tela sombreada da escuridão. Isto é suficiente para tornar alguém quase insano com piedade para pensar sobre tudo o que o homem, na longa noite, tem sofrido; das torturas que sofreu, circundado, supunha, por forças malignas e agarrado por fantasmas cruéis. Não surpreende que se ajoelhasse trémulo sobre os altares por ele construídos e os molhasse com seu próprio sangue. Não surpreende que ele implorasse a sacerdotes ignorantes e mágicos desavergonhados, por ajuda. Não surpreende que ele rastejasse trôpego nas empoeiradas portas dos templos, e lá dentro, na insanidade e desespero, implorasse a deuses surdos que atendessem suas amargas súplicas de agonia e desespero. 

(continua)

terça-feira, 24 de novembro de 2015

ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL OS DEUSES (1872) - Parte III

(continuação)

Algumas nações tomaram emprestados os seus deuses; entre essas, somos obrigados a admitir, a nossa própria. Os judeus, cessando de existir como país, sobrando um deus inútil, nossos antepassados o adoptaram, assim como o seu diabo ao mesmo tempo. Este deus emprestado permaneceu como fonte de adoração, e este diabo adoptado excita a apreensão do nosso povo. Ainda se supõe que ele instala as suas armadilhas e fareja com o propósito de flagrar nossas almas incautas, e ele ainda, com algum sucesso, provoca guerras contra o nosso Deus. Para mim é fácil dispor destas ideias a respeito de deuses e diabos. Eles são uma produção artificial. O homem criou-os a todos, e sob as mesmas circunstâncias os criaria novamente. O homem não só criou todos esses deuses, como criou também todo o material que os circunda. Geralmente os deuses eram modelados a partir deles mesmos, e demos a eles mãos, cabeças, pés, olhos, orelhas e órgãos da fala. Cada nação fez os seus deuses falar apenas a sua própria língua. Da mesma forma, colocou na sua boca os mesmos enganos em história, astronomia e geografia, e em todos os assuntos que aqueles povos conheciam. Nenhum deus era mais avançado que os povos que os criaram. Os negros representavam os seus deuses de cor escura e cabelos crespos. Os dos mongóis tinham os olhos amendoados e a mesma tonalidade da pele. Os judeus não se permitiam fazer pinturas dos seus; se houvesse gravuras, veríamos um deus com face oval, e um nariz aquilino. Zeus era um perfeito grego. E Javé, parecia até um membro do Senado romano. Os deuses egípcios tinham o mesmo aspecto paciente e o rosto plácido que tinham as simpáticas pessoas que os inventaram. Os deuses dos nórdicos eram representados invariavelmente usando roupas de pele, e bem agasalhados; os dos trópicos eram representados nus. Os deuses da Índia eram frequentemente representados sobre elefantes; os deuses de habitantes de ilhas eram sempre bons nadadores, e os deuses dos habitantes do ártico gostavam de óleo de baleia. Quase todos os povos pintaram ou esculpiram representações dos seus deuses, e essas representações eram, pelas classes mais baixas, tratadas como deuses reais, para a imagem dos seus deuses eles dirigiam orações e sacrifícios. Em alguns países, até nos nossos dias, se um povo, após longas orações, não tinha os seus desejos atendidos, eles deitavam as suas imagens fora, como deuses inúteis, ou os detratavam da maneira mais reprovável, lançando sobre eles golpes e maldições: "Como podes agora, espírito cão", eles diziam, "nós te alojámos num templo magnífico, adornámos-te com ouro, oferecemos-te incenso, alimentámos-te com as nossas melhores comidas; e depois de toda esta dedicação, recusas atender o nosso pedido?" Depois derrubavam o deus e deitavam-no fora. Se, eventualmente depois eles obtinham o que desejavam, então, com uma grande cerimónia, o apanhavam de volta, lavavam-no e limpavam-no, colocavam-no de volta no seu trono, e se desculpavam pelo que haviam feito. "Na verdade" eles diziam, "nós somos muito maus, e tu és infinito na tua bondade. Mas o que foi feito está feito. Não pensemos mais nisto. Se esqueceres o que aconteceu, nós te devolveremos o brilho novamente." O homem nunca sofreu falta de deuses. Ele adorava quase tudo, inclusive os seres mais repugnantes. Ele tem adorado o fogo, a terra, o ar, a água, a luz, estrelas, e por centenas de anos, ele se tem curvado diante de serpentes. Povos selvagens têm feito sacrifício para objectos que eles recebiam dos civilizados. Os Todas adoravam um chocalho de vaca. Os Kotas adoravam duas placas de prata, que eles consideravam como sendo marido e mulher. O homem, sendo sempre fisicamente superior à mulher, torna compreensível por que a maioria dos deuses são do sexo masculino. Se fosse o contrário, o responsável pelas forças da natureza seria mulher e, em vez de representados com armas masculinas, seriam adornados com colares, vestidos e usariam cabelos longos. Nada tem sido mais claro que o facto de todas as nações terem dado aos seus deuses as suas próprias características, e que cada indivíduo dá a seu deus suas próprias peculiaridades. O homem não tem qualquer ideia além daquelas sugeridas pelo seu ambiente. Ele não pode conceber nada completamente diferente de tudo o que ele vê e sente. Ele pode exagerar, aumentar, diminuir, combinar, separar, melhorar, multiplicar, embelezar, deformar e comparar o que ele vê, sente e ouve, e tudo de que ele toma conhecimento através de seus órgãos dos sentidos; mas ele não pode criar. Vendo exposição de força ele pode dizer, omnipotente. Tendo vivido, ele pode dizer, imortalidade. Sabendo algo sobre o tempo, ele pode dizer, eternidade. Concebendo algo de inteligente, ele diz, Deus. Vendo exibições de maldade, ele diz, diabo. Um pouco de felicidade caindo nas suas vidas, e ele diz, céu. Dor, sob suas mais diferentes formas, ao experimentar ele diz, inferno. Na verdade todas estas ideias têm um fundamento em factos, e só um fundamento. Tudo se limita a um exagero, diminuição, combinação, separação, combinação, deformação, embelezamento, melhoramento, ou multiplicação da realidade, de modo que a construção não é nada mais que o agrupamento incongruente de tudo aquilo que é percebido pelos órgãos dos sentidos. É como se déssemos a um leão as asas de uma águia, os chifres de um búfalo, a cauda de um cavalo, a sacola de um canguru, o tronco de um elefante. Nós então criamos na imaginação um monstro impossível, e na verdade, as diferentes partes desse monstro de facto existem. Assim é com todos os deuses que o homem fez. Além da natureza, o homem não pode ir nem em pensamento -- ou acima da natureza ele não pode ir -- abaixo da natureza ele não pode descer. O homem, na sua ignorância, supõe que todos os fenómenos são produzidos por uma força inteligente, e com directa referência a ele. Preservar relações amigáveis com essas forças, sempre foi e tem sido o objectivo de todas as religiões. O homem se ajoelha de medo e implora ajuda, ou faz isso em gratidão a algum favor que ele supõe que lhe foi dado. Ele procura, através da súplica, acalmar algum ser que, por alguma razão, crê ele, está enraivecido. Os relâmpagos e trovões o assustam. Na presença de um vulcão ele se ajoelha. As grandes florestas, cheias de animais selvagens, com serpentes enormes enroscando-se nas suas profundezas, o mar profundo, os cometas, os eclipses sinistros, a assustadora calma das estrelas, e mais que tudo, a perpétua presença da morte, o convenceram de que o homem era o passatempo e a presa de forças malignas. As estranhas e assustadoras doenças que o afligiam, os calafrios e a febre, as contracções da epilepsia, as paralisias súbitas, a escuridão da noite, e os sonhos terríveis, fantásticos e selvagens que enchem a sua mente convenceram-no de que era assombrado por numerosos espíritos e diabos. Por alguma razão supôs que alguns desses espíritos diferiam em poder -- que nem todos eram igualmente malevolentes -- que os mais elevados controlavam os mais baixos, e que nossa sobrevivência dependia de ganhar assistência dos mais fortes. Por esta razão, ele decidia rezar, agradar, adorar e oferecer sacrifícios. Estas ideias parecem ser quase universais no homem incivilizado. Por muito tempo todos os povos supunham que os loucos e doentes eram possuídos por espíritos maus. Por muitos anos a prática da medicina consistia em expulsar esses demónios. Usualmente o sacerdote procurava fazer o máximo de barulho possível. Eles sopravam trombetas, batiam em tambores, agitavam chocalhos, e emitiam gritos terríveis. Se os remédios ruidosos falhassem, eles imploravam pela ajuda de outros espíritos mais poderosos. Pacificar os espíritos era considerado de fundamental importância. Os pobres bárbaros, sabendo que os homens poderiam ser dominados por venenos, davam aos espíritos aquelas substâncias que consideravam de maior valor. Com o coração partido eles entregavam aos espíritos o sangue de seus filhos. Era para eles impossível conceber um deus totalmente diferente deles próprios e eles acreditavam que essas forças do ar poderiam ser afectadas um pouco pela visão de tão profunda tristeza. Foi com os bárbaros, assim como com os civilizados agora -- que uma classe vivia através da mercantilização do medo dos outros. Certas pessoas se colocavam na função de acalmar os deuses, e a instruir os outros sobre seus deveres para com esses seres invisíveis. Isto foi o início dos sacerdotes. Eles fingiam colocar-se entre a crueldade dos deuses e o desamparo do homem. Eram os advogados humanos na corte do céu. Eles carregavam ao mundo invisível a bandeira da trégua, do protesto, do requerimento. Eles voltavam com a autoridade, o comando e a força. Os homens ajoelhavam-se diante dos seus próprios servos, e o sacerdote, obtendo vantagem das suas acções inspiradas pela sua suposta influência com os deuses, fazia dos seus semelhantes uns hipócritas rastejantes e uns escravos. Até Cristo, um suposto filho de um deus, ensinava que as pessoas eram possuídas por demónios, e frequentemente, de acordo com os relatos, dava provas da sua divina origem e missão, assustando multidões de demónios para fora dos seus infelizes concidadãos. Expulsar demónios era a sua principal função, e os demónios expulsos geralmente aproveitavam a situação para reconhecê-lo como verdadeiro messias; o que não era muito conveniente para eles, mas que o beneficiava.

(continua)