sábado, 29 de setembro de 2012

Como se sai da crise?


O Homem, entre todas as espécies animais, foi das que evoluiu, em alguns aspectos, com grandes diferenças. Não fisicamente, muitas outras foram muito mais favorecidas. Um cérebro grande e desenvolvido e um código fonético muito completo, permitiram-lhe, pela vivência em comum, desenvolver uma inteligência que aliada à capacidade de construir objectos, capacidade essa só possível pela oponência do polegar aos outros dedos, um modo de vida muito diferente dos outros animais.
Terá isso sido benéfico?
Vejamos:
Os nossos primitivos ancestros eram nómadas e caçadores recolectores. Iam vivendo nos sítios onde havia caça e produtos que podiam colher e consumir. Quando as coisas começavam a correr mal e esses recursos rareavam, mudavam de local. Exactamente o que as outras espécies, ditas selvagens, ainda hoje fazem e naquele tempo ainda não existiam deuses a quem pedir auxílio.
Como tinham um bom cérebro e viviam em comum, foram aprendendo e desenvolvendo pensamentos e ideias que os levaram a tornarem-se sedentários. Começaram a construir habitações, a recolher espécies que criavam em cativeiro e descobriram a agricultura. Uns tinham uns recursos, outros tinham diferentes e começaram a trocá-los entre si. Tudo isso dava uma trabalheira. Plantar batatas e trocá-las por porcos, fazer vestuário e trocá-lo por vacas, enfim, um trabalhão…
Para obviar esse inconveniente inventaram o dinheiro. Pronto! Lixaram tudo!
A inteligência deu-lhes para o egoísmo, para o roubo, para a vigarice. Uns começaram a ter muito dinheiro, outros pouco, e os endinheirados a explorarem a maioria dos que pouco tinham e eram os que mais trabalhavam. Aí, os mais desventurados inventaram deuses a quem se dirigiam para obterem benesses. Infelizmente os deuses são surdos.
Nas suas organizações, inventaram também os líderes. Estes começaram por ser os mais fortes fisicamente que empunhavam as maiores mocas para acalmarem as cabeças dos que tentavam fazer-lhes frente. Mas os líderes também se cansavam e então inventaram os apaniguados. Estes eram aqueles que, debaixo da autoridade dos líderes e beneficiados por estes, impunham a sua vontade geralmente pela força. Daí nasceram os governos. Quando a maioria se revoltava contra os líderes, arranjavam outro para se opor ao que estava e daí às guerras foi um pequeno passo.
Assim que os novos líderes se impunham voltava tudo à mesma. Os poderosos com muito e os outros trabalhando que nem cães, com muito pouco. Foi o princípio do capitalismo nascido da iniciativa privada.
Era preciso mudar as coisas.
Inventaram o comunismo.
Nada privado, tudo era de todos, trabalhava-se para a comunidade. Mas a classe dirigente não pôde deixar de existir. Só que essas classes começaram também a serem privilegiadas em relação às maiorias que obrigadas a viver segundo os padrões estabelecidas por aquelas não estavam satisfeitas. Tinham trabalho, comida, guarida, educação mas faltava-lhes a liberdade de poderem decidir serem pobres mas poderem ter o que quisessem adquirir. Também deu buraco.
Os capitalistas defendiam; só nós damos as oportunidades. Connosco podem optar pelo que quiserem. Era o lema de “pobrete mas alegrete”. Os bancos deram créditos, o povão gastou mais do que devia, os endividamentos cresceram, etc… deu também buraco. Os ricos continuaram ou ficaram mais ricos, o povão foi empobrecendo e os governos para tentarem superar a crise, tiram aos pobres para emagrecerem a despesa do estado. Só que com tal política também baixam as cobranças continuando e agravando a crise.
E agora? Qual o “ismo” que se segue?
Para mim será o “cavernismo”, isto é, voltarmos às cavernas.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

TEMOS DE MUDAR ESTE ESTADO DE COISAS

Já há muito que me apercebi da ineficácia da “democracia” que instituímos, mas ontem, depois de assistir aos “olhos nos olhos” da TVI24, ouvindo Medina Carreira e Paulo Morais, pergunto:
Em quem confiar?
Não na AR, não no PR que nada resolve, não nos partidos que até aqui nos governaram, não nas CM ou qualquer outra autarquia. Tudo isto está totalmente corrompido.
Restavam-nos os partidos de esquerda, PCP e BE. Este último fala bem mas não tem soluções e o PCP seria o único com capacidade governativa mas, a ideologia está estafada e descredibilizada e nada nos garante que, ao tomar o poder, não torne isto numa ditadura.
As sociedades de advogados tomaram conta das leis, a maioria dos deputados trabalha para garantirem o seu próprio futuro, a perpetuação no poder dos seus partidos e os três partidos maioritários guerreiam-se quando na oposição mas portam-se de igual forma quando poder.
Estamos, portanto, num beco sem saída. E o povão que se lixe e pague a crise que estes marmanjos vêm construindo desde há 38 anos.
Que fazer?
As FA estão de mãos atadas. Hoje culpadas por todos, como bode expiatório de um 25A que fizeram mas não souberam segurar e instituir como garante de uma governação do povo e para o povo. Espoliadas e castradas pelos vários poderes, estão hoje transformadas numa instituição pobre, de emprego para jovens que não o conseguem noutras actividades. As FA já não são o povo em armas, isso acabou com o SMO. Hoje seria difícil um movimento de capitães, levar soldados ao combate pela mudança. E depois? Se corre mal quem lhes paga?
E agora?
Parece-me, que agora só o povo poderá mudar tudo isto. Já começou com a manifestação de 15 Set passado. Mas não chega. O povo tem que exigir a alteração da constituição. Com esta não vamos a lado nenhum. Mesmo com um novo governo desta maioria, se o PR o decidir, não chegaremos lá. Tudo ficará na mesma. Teremos de eleger um Presidente responsável perante o povo, que indigite um governo da sua responsabilidade e que governe segundo o programa que apresentou ao povo na sua campanha eleitoral e dele não se desvie. Se tiver de haver desvios, terão de ser referendados. Quem elege terá também a responsabilidade de demitir caso a governação fuja do que ficará programado. Claro que isso não pode ser resolvido na rua. O povo terá de ter voz em órgãos especiais a criar que poderão partir das autarquias e assembleias municipais. Democracia é a participação do povo. Até agora a única coisa em que participamos é a colocação dum papelucho no caixote.
Haja gente honesta que construa esta democracia. Temos muito boa gente capaz de trabalhar honestamente numa mudança destas. Coragem? Será precisa muita, mas se não a encontrarem dentro das vossas vontades, não passarão de escravos.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

BLIMUNDA

Saramago, numa entrevista ao Jornal de Letras, em 1990, disse a propósito de Blimunda:
(...)Que outra condição, então, que razão profunda, porventura sem relação com o sentido inteligível das palavras, me terá levado a eleger esse nome entre tantos? Creio que sei a resposta, que ela me acaba de ser apontada por esse outro misterioso caminho que terá levado Azio Gorghi a denominar Blimunda uma ópera extraída de um romance que tem por título Memorial do Convento: essa resposta, essa razão, acaso a mais secreta de todas, chama-se Música. Terá sido, imagino, aquele som desgarrador de violoncelo que habita o nome de Blimunda, profundo e longo, como se na própria alma humana se produzisse e manifestasse, que me levou, sem nenhuma resistência, com a humildade de quem aceita um dom de que não se sente merecedor, a recolhê-lo num simples livro, à espera, sem o saber, de que a Música viesse recolher o que é sua exclusiva pertença: essa vibração última que está contida em todas as palavras e em algumas magnificamente." (...)
Saramago não autorizou que o seu livro “Memorial do Convento”, servisse de tema para um filme ou até peça de teatro e, fê-lo, porque achava que a sua personagem Blimunda não poderia ser descrita em imagens ou sequer representada em palco. Realmente, Blimunda é uma personagem de tal modo complexa que se tornaria impossível transportá-la para um “écran” ou para um palco.
Blimunda é a encarnação de um “Espírito Santo” numa trindade imaginada por Saramago. O Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão será “Deus” e, Baltazar, O Sete-sóis, a encarnação de “Deus” na terra.
Bartolomeu, o frade sonhador e inventor de uma máquina de voar, afrontando a Igreja, numa idade média assombrada pela terrível Inquisição, tentou elevar-se nos céus, o que, até ali, só era domínio de Deus
Baltazar, o Sete-Sóis, era o abnegado soldado, solidário com o seu próximo, sempre pronto a ajudar os fracos e oprimidos, num Portugal triste e cinzento para o Povo e em que o clero impunha a sua vontade a uma nobreza podre e mesquinha vivendo das riquezas do País e deixando o Povo na miséria.
Blimunda, a vidente, mulher de poderes incomuns herdados de sua mãe que, por ser vista como feiticeira foi degredada. Blimunda tinha a faculdade de, enquanto em jejum, ter visão de raios X e poder ver as coisas e as pessoas por dentro. E assim “via” nas entranhas de cada um tudo aquilo que de mau habitava os seres humanos, mas também as “vontades” que lhes permitiam lutar pela vida conseguir o bem de todos e tentarem transformar a sociedade em algo elevado e justo. Por isso, nunca olhou o seu Baltazar por dentro, porque o amava como era, comendo pão de olhos fechados, todas as manhãs, para quebrar o jejum. Mulher sensual e inteligente, vivia em concubinato com o seu homem, por não acreditar numa igreja corrupta e aproveitadora das fraquezas do Povo e da realeza, não aceitando regras que a escravizassem.

 “ (…) Baltasar, leva-me para casa, dá-me de comer, e deita-te comigo, Porque aqui adiante de ti não te posso ver, e eu não te quero ver por dentro, só quero olhar para ti, cara escura e barbada, olhos cansados, boca que é tão triste, mesmo quando estás ao meu lado deitado e me queres (...) MC.”

Blimunda acreditou na “fé” do querer voar de Bartolomeu e, ajudou-o sacando “vontades” que lhe permitiram encher os balões que elevaram a sua “passarola”.

Foi a musicalidade desta personagem, que levou Saramago a aceitar que Azio Gorghi compusesse e encenasse uma ópera denominada Blimunda.
A ópera foi estreada no Teatro Lírico de Milão em Maio de 1990, tendo tido grande aceitação do público já conhecedor da obra de Saramago. Gorghi, por seu lado, era já um compositor consagrado.
Tive o privilégio de ver Blimunda no teatro de São Carlos em Lisboa, na sua segunda sessão, onde, por acaso, Saramago, acompanhado do seu amigo Álvaro Cunhal, estava presente. Num dos intervalos, entre actos, eu e minha mulher, fomos cumprimentar Saramago a quem expressámos a nossa admiração pela sua obra e também pela ópera, em que colaborou no “libreto”. Aproveitámos também para cumprimentar Cunhal, não pela sua ideologia que não partilhamos, mas pela sua carreira política de luta antifascista, e pela coerência e determinação nos seus ideais.

Falemos agora da ópera; Blimunda foi para mim uma grande surpresa, pois que achava ser quase impossível encenar num palco, algo de tão complexo como o “Memorial do Convento”, mas, por estranho que pareça, isso foi completamente conseguido. Não sei se, alguém que não tivesse lido o livro, conseguiria entrar totalmente no que o espectáculo nos queria transmitir, mas eu, vi ali toda a súmula daquele livro extraordinário.
A música é diferente. Quem fosse à espera de uma ópera tipo clássico, talvez se arrepiasse um pouco com algumas dissonâncias apresentadas mas, penso que a melodia muito apoiada em violinos e violoncelos, transmitia muito a sensibilidade da mulher que dá nome à obra; BLIMUNDA.
A ópera termina como o livro. Baltazar foge na passarola de Bartolomeu subindo nos céus e Blimunda procura-o incessantemente vindo a encontrá-lo na fogueira da Inquisição pagando pelo “pecado” de querer assemelhar-se a Deus. E então, Blimunda, que ainda não tinha comido, olha-o pela primeira vez nas entranhas e tira-lhe as vontades, pois que estas, só aos dois pertenciam.

(Texto também publicado no Boletim da Associação dos Pupilos do Exército)