quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Curiosidades sobre o estabelecimento do calendário Gregoriano


Sabem o que isto é?

 “Int(DifData("d";[Datanascimento];Data())/365,25)”.

Isto é uma instrução de VBA (visual basic for aplications) que é usada num campo que mostra a idade de qualquer individuo dentro de uma base de dados.
Int = nº inteiro; DifData = Diferença de datas; “d” = em dias; [Datanascimento] = A data de nascimento do indivíduo - Data() = Data actual (hoje); / = dividir; 365,25 = ano.

Então se o ano é de 365 dias porquê 365,25?

A resposta está aqui:


Pois é, os matemáticos não conseguiram arranjar um ano inteiro com o nº de dias que correspondesse exactamente ao período de translação da terra e, assim, arranjaram este esquema de anos bissextos de 4 em quatro anos e todos os que forem divisíveis por 400. Em 1582 o Gregório 13º, para acertar agulhas mandou tirar 10 dias ao mês de Outubro de 1582 pelo que o dia seguinte a 4 de Outubro passou a ser 15 de Outubro de modo a que o calendário acertasse com as estações do ano. Vários países não católicos, como os ortodoxos e os protestantes, só alguns anos mais tarde adoptaram o calendário Gregoriano (era de Cristo) e andaram a reger-se por calendários diferentes. A título de curiosidade, a Inglaterra só alterou o seu calendário em 1752 e a maioria dos ortodoxos só no início do século XX.
Segundo Umberto Eco no seu livro “O Pêndulo de Foucault”, foi devido a este desfasamento de calendários que os Templários não se reuniram nesse ano e nunca mais conseguiram encontrar-se. Os tipos tinham um plano para dominarem o mundo e na reunião seguinte combinavam a próxima assim como o local da mesma. Ora uma das reuniões calhava entre 4 e 15 de outubro e foi a confusão total. Nunca mais conseguiram combinar outra. Ainda bem, mas agora estando mais divididos em várias seitas, maçónicos, rosa cruzes, Opus Dei e quejandos, continuam a tomar conta disto tudo.
Vejam, portanto, o que os desgraçados dos informáticos têm que suar as estopinhas para arranjarem fórmulas que dêem exactamente a idade de cada um antes o dia do aniversário e depois do dito.
Façamos votos para que isto agora esteja bem calculado e não haja mais alterações ao calendário, não vá eu faltar a alguma almoçarada combinada com os amigos.
Hoje, último dia do ano deu-me para isto. E, no ano que entra amanhã, não combinem nada para 29 de Fevereiro, porque esse só vem em 2016.


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Meus Amigos


Vou-me deixar de mensagens políticas ou que tenham algo a ver com política. Tive a minha quota-parte no 25 de Abril. Arrisquei a carreira e a liberdade em reuniões “conspiratórias” em Moçambique em Fev/Abr de 1974, junto com Gabriel Teixeira, Aniceto Afonso, Mário Tomé, só para citar os mais conhecidos. Depois do 16 de Março íamos perdendo a cabeça e isso só não aconteceu porque entretanto “sabíamos” que por cá os nossos camaradas estavam atentos. Esperámos e o 25 de Abril deu-se. Foi uma alegria imensa e rejubilei. O País ia mudar e os homens também. Esperei que se desse um salto enorme na qualidade da educação e nada se deu. Com a liberdade veio a ganância de quem nada tinha e tudo passou a querer. Vi como a partidarização das Forças Armadas dividiu os meus camaradas. Os militares em vez de um corpo único passaram a ser de esquerda e direita. Vi prisões e saneamentos em ambos os lados. Vi políticos a tudo fazerem para se assenhorearem do poder. Fiquei mais sossegado quando as coisas serenaram um pouco. Votei socialismo porque acreditei que era o sistema que se coadunava com a minha maneira de ser mas, cedo perdi as esperanças. Vi os partidos políticos a olharem apenas para o seu umbigo em detrimento dos interesses nacionais. Vi os políticos contra os que lhes deram a liberdade e os colocaram no poder. Todos os políticos se revelaram corruptos ou desonestos. Quando não corruptos foram desonestos, pois não tiveram coragem para colocarem o estado ao serviço dos portugueses antes se servindo do estado, engordando-o, para conseguirem as benesses para si e para os seus correlegionários. Os portugueses infelizmente vêem a política como o futebol. Os dos seus clubes nunca metem golos fora de jogo, nunca cometem penaltis e as faltas cometidas são festinhas comparadas com as dos adversários. Com o seu partido e com os políticos do mesmo, actuam da mesma forma. São óptimos, não corruptos e abnegados pelas causas nacionais. Os outros é que são os bandalhos.
Não me revejo neste regime e gostava de viver num que não tivesse partidos a governar. Gostaria de o regime fosse Presidencialista com governos tecnocráticos da sua responsabilidade e seria apenas o PR a responder perante os portugueses. Os partidos ficariam no parlamento a fazerem e votar leis que nascessem de baixo para cima e não elaboradas por gabinetes de advogados. Na constituição deveriam ser incluídos mecanismos para que o povo que elege possa também demitir caso o PR se afaste do programa eleitoral que apresentou aos portugueses. Não vejo aparecer nenhum movimento político que possa advogar esta alteração de regime e se algum dia isso acontecer já não estarei cá ou não terei forças para participar. Sou um pouco ingénuo na apreciação daquilo que se escreve e diz pois nunca vejo as más intenções subjacentes. Tenho amigos de várias tendências políticas e não me quero aborrecer com eles, portanto a política para mim acabou. Vou continuar a ler, escrever, contar anedotas, ir ao cinema, comer coisas boas e beber uns copos enquanto estes energúmenos me deixarem alguns tostões. Os meus AMIGOS que me desculpem se por acaso, na minha ingenuidade, alguma vez fui ao desencontro das suas convicções. Não foi com intenção, apenas retransmiti aquilo que por aqui aparece. Agora, nunca mais.


Abraços fraternos para todos.

domingo, 14 de dezembro de 2014

O Meu Tio



O meu tio faleceu. Vai fazer-me falta. Mais novo onze anos que o meu pai e mais velho que eu apenas dezassete. Lembro-me dele desde sempre. Cursou a escola náutica e saiu radio-telegrafista da mercante. Recordo, eu muito pequeno, de o ver pela casa da minha avó, de telégrafo a pilhas na mão, infernizar-nos o juízo com os ti-ti-ti constantes dos pontos-traços que treinava constantemente. Especializou-se em radares e, mais tarde, ingressou nos quadros da SOPONATA chegando a 1º Telegrafista dos superpetroleiros que o levaram a todas as partes do mundo. Cedo começou a namorar uma rapariga linda e com ela casou. Era a minha tia mais bonita e muitas vezes a levei ao cinema fazendo um vistaço entre os meus amigos. Quando o meu tio andava no mar não tinha com quem sair e o sobrinho fazia-lhe companhia porque as filhas andavam a estudar. Nos meus tempos de Escola do Exército, hoje Academia Militar, andava sempre “liso” pois a mesada do pai era curta e acabava depressa. Lembro-me de alguns fins-de-semana, quando não ia a casa, não ter dinheiro para o almoço e telefonar à tia pendurando-me para o dito: “ Só se depois levares a tia à matiné” dizia ela. Claro que nem hesitava. Eram dois coelhos numa cajadada, almoço e cinema. Durante alguns anos não convivi com eles porque o meu tio aceitou um lugar em Santa Maria nos Açores. Depois a minha vida militar também me afastou mas, nos intervalos, nunca deixei de os visitar. Inclusivamente foi da casa deles que saí para o meu casamento, por ser em Lisboa e eu morar no Cacém.

Em julho passado o meu tio tinha feito noventa e cinco anos. Já andava com alguma dificuldade, mas mantinha uma lucidez invejável. O seu desgosto era já não ver o suficiente para continuar a mexer no computador. Digo mexer porque era o que fazia. Sabia tudo sobre sistemas operativos e tirava, punha, mudava, estragava, tornava a pôr, etc.. Enfim, baralhava e tornava a dar. O certo é que sabia muito e até me ensinou alguns pequenos truques. Mexeu naquilo até aí aos noventa e três e, como já esquecia muito, passávamos horas ao telefone para o fazer recordar das operações necessárias. Muitas vezes lá fui a casa, onde vivia com a segunda mulher pois divorciara-se da primeira que mais tarde faleceu, ajudá-lo a refazer sistemas operativos dos seus três computadores, que entretanto estragara por tanto meter e tirar. Neste último ano já vivia numa residencial de apoio. As minhas primas, excelentes filhas, davam-lhe toda a assistência, estando com ele todos os dias. Eu visitava-o também mas não com tanta frequência como gostaria. Estive lá poucos dias antes e ainda me esteve a demonstrar como operava a cadeira de rodas em que se deslocava para trajectos mais longos pelos corredores da instituição. Era o elemento mais antigo da família. Para mim era um segundo pai, ou irmão mais velho que não tive. A minha irmã, dezanove meses mais velha do que eu, está incapacitada e acamada. O decano da família faleceu e deixou-me a substituí-lo. Vamos ver se consigo seguir-lhe as pisadas. Os dois netos, grandes adeptos do “Surf”, vão espalhar as cinzas do avô pelo mar. É uma boa solução para um velho marinheiro. As ondas não o vão afastar da minha memória.

sábado, 15 de novembro de 2014

Israel, um estado construído por direito divino.


De um amigo Pilão recebi um mail com este link:


É realmente impressionante o que os judeus fizeram em Israel, mas não posso deixar de pensar nos Palestinianos.
Nada está historicamente provado da origem do povo judeu. Nem a arqueologia nem os registos egípcios têm qualquer referência ao povo judeu. Portanto, nada se sabe antes, nada se sabe depois. Tudo o que conhecemos é o que vem escrito nos chamados documentos “sagrados”. A Bíblia, supostamente começada por Moisés, personagem cuja existência nunca foi provada, foi depois continuada por escritos de profecias várias que naquele tempo proliferavam, dizem. Claro que esses escreviam aquilo que lhes interessava fazerem crer. Como nada está registado, não se sabe quem governava o Egipto no tempo em que as escrituras referem o êxodo. Atribui-se, sem qualquer confirmação, que seria Ramsés II, no entanto, nada na história da governação desse faraó, nem na arqueologia, há referências a esse povo. Há, no entanto, indícios de várias tribos escravizadas e, provavelmente a tribo dita judaica seria uma delas. Há quem refira que essa tribo foi uma das que não aceitou o regresso ao politeísmo aquando da morte de Aquenáton (Amenófis IV, foi Faraó da XVIII dinastia do Egito) que assim passou a chamar-se por ter determinado que no seu reino só se adoraria um Deus, Aton o sol. Os egípcios adoravam vários deuses e não ficaram lá muito satisfeitos com esta determinação, assim, após a morte de Aquenaton, tudo voltou à mesma com seu filho Tutancamon, que morreu cedo. Há pois defensores de que a tribo “judaica” continuou monoteísta e devido a essa teimosia foram dominados e escravizados. Mas tudo isto não passa de conjecturas. O nascimento das doze tribos de Israel formadas pelos doze filhos de Isac filho de Abraão, também são referências bíblicas não confirmadas. Aliás Abraão seria Caldeu pois teria nascido em Ur na Mesopotâmia. Teria sido também do seu filho Ismael que nasceria a religião dos muçulmanos. Assim sendo seriam duas religiões irmãs e deveriam dar-se bem. Pois sim…
Não podemos pois tomar como certas as “histórias” da fuga do Egipto e da chegada à terra prometida, quanto mais acreditar naquela balela da travessia do Mar Vermelho.

A divisão dos reinos]

Com o descontentamento constante das tribos sob o domínio de Salomão, o reino se divide em duas partes sob o governo do filho de Salomão, Roboão. Dez Tribos se rebelam contra impostos cobrados por Salomão e reivindicam a Roboão negociá-las. Diante da negativa do jovem rei Roboão, dez tribos se rebelam um formam um reino à parte. Assim, duas tribos ficam com Roboão, continuando Jerusalém como sede do reino (I Reis 12),reino de Judá ao sul e o reino de Israel, tendo Samaria como sede e Jeroboão, como rei. Jeroboão era filho de Nebate, efrateu de Zereda, servo de Salomão (I Reis 11:26; 12:19-20) reino de Israel ao norte. Diversas crises políticas e religiosas acabam levando à decadência dos dois reinos: o reino de Israel é destruído pelos assírios, enquanto o reino de Judá é destruído pelos babilônios. No exílio, o povo israelita começa a tomar consciência do seu papel no "Plano de Deus" e, após alguns anos, retornam para sua terra e reconstroem o Templo, reorganizando suas Escrituras. Com estes fatos encerra-se a história do período das Escrituras Hebraicas.
A era talmúdica
Com o retorno de algumas comunidades judaicas para a Judeia, uma renovação religiosa levou a diversos eventos que seriam fundamentais para o surgimento do Judaísmo como uma religião mundial. Entre estes eventos podemos mencionar a unificação das doutrinas mosaicas, o estabelecimento de um cânon, a reconstrução do Templo de Jerusalém e a adoção da noção do "povo judeu" como povo escolhido e através do qual seria redimida toda a humanidade.
A comunidade judaica da Judeia cresceu com relativa autonomia sob o domínio persa, mas a história judaica tomará importância com a conquista da Palestina por Alexandre Magno em 334 AC. Com a morte de Alexandre, o seu império foi dividido entre seus generais, e a Judeia foi dominada pelos Ptolomeus e depois pelos Selêucidas, contra os quais os judeus moveram revoltas que culminaram em sua independência (ver Macabeus).
Com a independência e o domínio dos Macabeus como reis e sacerdotes, surgem as diversas ramificações do judaísmo da época do Segundo Templo: os fariseus, os saduceus e os essénios. As diversas intrigas entre as diversas divisões do judaísmo levou à conquista da Judeia pelo Império Romano.”
Isto é o que refere a Wikipédia.
Daqui se infere que naquele tempo a Palestina era uma grande “salsada” habitada por imensas tribos semitas entre as quais as de Judá e Israel que afinal se separavam como fariseus, saduceus e essénios.
A diáspora.
De acordo com a Bíblia, a Diáspora é fruto da idolatria e rebeldia do povo de Israel e Judá para Deus, o que fez com que este os tirasse da terra que lhes prometera e os espalhasse pelo mundo até que o povo de Israel retornasse para a obediência a Deus, onde seriam restaurados como uma nação soberana e senhora do mundo. De acordo com a Moderna Historia, a diáspora judaica aconteceu pelo confronto do povo judaico com outros povos que desejavam subjugar sua cultura e dominar o seu território.
Geralmente se atribui o início da primeira diáspora judaica ao ano de 586 A.C., quando Nabucodonosor II — imperador babilônico — invadiu o Reino de Judá, destruindo a Jerusalém, e o Templo; e deportando os judeus para a Mesopotâmia. Mas esta dispersão se inicia antes, em 722 A.C., quando o reino de Israel ao norte é destruído pelos assírios e as dez tribos de Israel são levadas como cativas à Assíria e Judá passa a pagar altos impostos para evitar a invasão, o que não será possível negociar com Nabucodonosor II.”

Mais uma vez recorri à Wikipédia para que se perceba a diáspora do povo hebraico. Confrontos, escravidão, subjugação de uns povos aos seus conquistadores, provocaram grandes diásporas na história. Na Palestina só os não judeus ficaram, não sei o porquê, talvez os nossos mestres em história me possam colmatar esta minha ignorância. No entanto, penso que foi a religião que os juntou mas também que os fez fugir e separarem-se. A sua religião e o isolamento a que foram sujeitos nos países de acolhimento, fê-los dedicarem-se ao estudo, à cultura, e a criarem um espírito de obtenção de riqueza que lhes desse um “status” para se imporem num ambiente hostil. Essa forma de vida tramou-os. Hitler não viu com bons olhos tanta acumulação de proventos num povo que dizia ser impuro. Seis milhões de judeus foram mortos e muitos outros tiveram de deixar os países onde se encontravam.
Após a segunda guerra mundial muitos começaram a dirigir-se à Palestina governada pelos Ingleses. Aí iniciaram uma campanha recorrendo muitas vezes a actos de terrorismo para tentarem que lhes fosse reconhecido o direito de ali viverem num estado independente. Em 1948 a ONU deu-lhes esse direito. Em Janeiro de 1948, Ben Gurion, um judeu polaco e comunista que muito cedo se refugiou na Palestina, depois de ter comandado muitas acções contra os Ingleses tornou-se o primeiro presidente do novo estado de Israel. Para os Palestinianos das outras tribos, agora muçulmanos, que nunca de lá saíram, começou o infortúnio.
Não sou historiador. Tudo o que para aqui escrevi é capaz de enfermar de muito erro. Por isso peço desculpa. Nada me move contra os Judeus, povo ao qual reconheço, inteligência, cultura, determinação e dinamismo, mas não aprovo que façam aos verdadeiros senhores daquela terra o que os outros povos lhes fizeram a eles. São diferentes? Pois são. Não são tão trabalhadores? Talvez não sejam, mas nunca beneficiaram das fortunas acumuladas por muitos judeus de diversas partes do mundo, principalmente dos USA e têm todo o direito de ali viverem. Se a ONU criou um estado de Israel, porque não teve o cuidado de criar outro para os palestinianos? Por serem muçulmanos? Ah! Deve ser por isso. São infiéis.









domingo, 19 de outubro de 2014

“LE NOZZE DI FIGARO”


Fui até à Fundação Calouste Gulbenkian para, no grande auditório, assistir à projecção em grande ecrã, das “Bodas de Fígaro” do tão conhecido génio Wolfgang Amadeus Mozart. Estas transmissões, que se realizam aos sábados umas vezes pelas 17H30 outras pelas 18 horas, são uma excelente iniciativa da Fundação que mais tem contribuído para a divulgação de eventos culturais no nosso país. Bilhetes relativamente baratos proporcionam salas esgotadas com uma frequência de bons apreciadores. As transmissões são feitas a partir do “The Metropolitan Opera” de Nova York, umas vezes em directo outras em diferido. Claro que não é bem a mesma coisa do que ver ao vivo, mas torna-se bastante aceitável e com o decorrer do espectáculo até nos esquecemos que estamos a ver uma projecção que dura das 18H até às 21H45 com um intervalo de mais ou menos meia hora.
Orquestra sob a direcção de “James Levine”, um excelente baixo/barítono, “Ildar Abdrazakov”, no papel de Fígaro, uma talentosa soprano/actriz, “Marlis Peterson” num papel muito vivo e bem interpretado de Susana. A parte mais negativa foram as legendas em português do Brasil, feitas muito em cima do joelho, trocando constantemente os géneros. No intervalo excelentes entrevistas aos protagonistas, não legendadas, mas num inglês perceptível que dá para apanhar duas no cravo contra uma na ferradura. A música é excelente num libreto cómico, talvez um pouco banal, mas que faz sorrir. Não nos podemos esquecer que, à época, a ópera era o teatro do povo.

Ao intervalo, ouviam-se comentários, que aquela não era história do Barbeiro de Sevilha, que a de Rossini é que era, etc. As pessoas muitas vezes desconhecem que, os libretos foram escritos por pessoas diferentes com intervalos de 30 anos, ambos adaptações de duas peças de Beaumarchais sob o mesmo tema. A primeira “O Barbeiro de Sevilha” e a segunda “As Bodas de Fígaro”. Curiosamente Mozart compôs sob a segunda, em 1785/86, sob libreto de Lorenzo da Ponte e, Rossini compõe sob a primeira em 1816, com libreto de Cesare Sterbini. Temos assim duas óperas em que a primeira é sob uma história continuação da outra que deu origem à segunda. Torna-se pois um pouco confuso para quem já viu as duas e não sabe disto. Na ópera de Mozart o nosso Fígaro já não é barbeiro, mas sim camareiro do Conde de Almaviva, já casado com Rosina, a quem ajudou, ainda como barbeiro, na sua conquista. Curiosamente, o Barbeiro de Sevilha será transmitido sábado 3 de Jan de 2015. Valeu pois a pena ir até à Gulbenkian ouvir Mozart e ver teatro musicado e cantado, com uma boa encenação já transportada para uma época mais moderna, o que se nota pelos trajes. Vão à ópera.

sábado, 11 de outubro de 2014

A morte do pombo


À morte ninguém escapa nem o Rei nem o Papa…”. Lembrei esta cantilena de miúdos ao encontrar um pombo morto na rua, durante o meu passeio matinal de sábado, esmagado por um automóvel. Pobre pombo que certamente andaria tão satisfeito procurando o seu sustento e a arrastar a asa à sua única companheira, sim porque os pombos são monogâmicos, assim como os católicos dizem que são, mas só perante os homens, porque perante o seu Deus muito têm que se desculpar, mas, dizia eu, ia o nosso pombinho feliz e contente e zás… “Mas eu sim escapo dela, compro uma panela que me custe um vintém…”. Será que se me meter numa panela que me comporte… “Meto-me dentro dela e tapo-me muito bem…” Bah! Não acredito, a morte vai dar por mim e lá vou eu para o bé-lé léu. A morte é mesmo uma chatice, acaba connosco em menos de um fósforo, transforma-nos em excrementos ou em cinza e lá acabamos. Há um pobre de um espermatozoide, um campeão, que corre que nem um desalmado para ser o primeiro a atingir a meta, consegue, entra no ovinho e lá ficamos nós para nascer em menos de nove meses. É pouco tempo comparado com aquele que se leva, às vezes para morrer. O nosso espermatozoide, com muito esforço, muitas das vezes debalde porque o conduzem para caminhos errados, lá consegue fazer com que do nada possa surgir a nossa vida e, depois, tarde ou cedo, lá vem a morte e puf… Será que haverá a tal panela?
Passa a morte e diz: Aqui não está ninguém…”. Pois! Fia-te nessa. Tal como o pombo vais morrer, só que eu sei disso e o pombo não sabia, ninguém tem culpa de o meu cérebro processar esse conhecimento. O pombo também já viu outros dos seus morrerem, só que não processa o conhecimento de que a ele também vai acontecer o mesmo. Já nós passamos todo o tempo a tentar, filosoficamente, encontrar formas de nos perpetuarmos. A morte é mesmo uma chatice e temos de a aguentar, a não ser que a panela funcione e, “Boa tarde meus senhores passem todos muito bem…”. Era  bom,  mas não funciona assim e o pobre do pombinho não tem uma alma para se evolar subindo até uma nuvem onde um fatito branco imaculado e uma lira o esperem condenando-o a tocar eternamente… Que chatice!

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

ANA


(capítulo de Pedras Negras de Vermelho)

Como não me acho capaz de escrever um romance, fiz uma tentativa de escrever um policial. Sempre é mais fácil e com um pouco de imaginação, consegue-se engendrar uma historieta sem queimar muito os neurónios. Escrevi pois uma aventurada policial em que o Inspector Anselmo, da Judiciária, investiga um crime englobado numa teia de traficância de diamantes de Angola para Portugal. Aqui deixo um capítulo.

Anselmo estava em casa quando teve uma ideia. Lembrou-se de Ana, a rapariga que lhes falara de Zaída. Pegou num telefone e ligou para o Elefante Negro. Reconheceu a voz do Olegário quando este atendeu. Anselmo procurou disfarçar um pouco a voz e arriscou; – Sou um cliente já antigo da Ana, estou a precisar da companhia dela, posso falar-lhe? Ana veio ao telefone, Anselmo disse chamar-se Simões e que era amigo de um indivíduo que lhe dissera muito bem dela. Estava a precisar de companhia e perguntou-lhe se podia aparecer hoje à noite para jantar. Depois de uma pequena espera Ana disse que sim, que estava livre e tinha muito gosto. Anselmo deu-lhe a morada e que aparecesse às oito e fosse pontual. Os tempos deviam estar maus para o negócio. A miúda nem lhe perguntara quem era o amigo e ainda bem. Se o tivesse feito não saberia o que dizer.
Eram precisamente oito da noite quando a campainha tocou. Anselmo atendeu e depois de ouvir a voz da rapariga disse: – Suba.
Anselmo abriu a porta e a moça recuou admirada; – Inspector?
– Sim. Entre.
– Mas eu vim pensando ser um cliente. Disseram-me ser um senhor Simões.
– Sim, foi o nome que dei. Mas não se preocupe porque o seu tempo será pago. Como queria conversar consigo a sós sem que outros soubessem, achei por bem traze-la aqui. Estamos mais à-vontade e a Ana vai estar mais descontraída. Vamos ter uma conversa informal. Ponha-se tranquila que aqui nada de mal lhe acontece. Tire o seu casaco e sente-se aí no maple. Que quer tomar?
– Que bom, assim posso tomar um whisky a sério. Lá no Elefante servem-nos chá. Estamos proibidas de beber da garrafa dos clientes.
– Deixe-se estar que eu preparo as bebidas.
Junto ao armário onde estava o bar, Anselmo enquanto servia as bebidas olhava de soslaio para a moça. Era um belo exemplar de mulher. Bem-feita, elegante, alta mas não muito, bem vestida e calçada, fazia um belo par para acompanhar qualquer homem e em qualquer ambiente. Tinha uma voz doce e um bonito sorriso, apesar de uma certa melancolia quando não sorria.
Anselmo entregou-lhe as bebidas e levantou o seu copo para uma saúde. A moça sorriu e agradeceu.
– Não temos que forçosamente começar a falar no caso que me preocupa. Temos muito tempo. Marquei o nosso jantar num restaurante perto para as nove e meia, portanto, falemos de nós. Eu sou separado. Estamos a tratar da separação oficial. Vivo aqui sozinho, tenho uma empregada umas horas, três dias por semana. Como por fora e quase só uso esta casa para dormir. Agora diga-me. Quando pensa deixar esta vida e tomar juízo? Desculpe a pergunta mas acho que a Ana merece melhor.
– Isso é bom de dizer, mas mais difícil de fazer do que simplesmente falar do assunto. Estudo de dia. Estou na faculdade a fazer psicologia. Gostava de me licenciar e empregar-me no “metier”. Já não tenho pai e a minha mãe é muito pobre. Vive com o dinheiro que lhe mando. Infelizmente só a visito umas duas ou três vezes por ano. Vive perto de Vila Real de Trás-os-Montes. É muito longe para poder ir lá mais vezes. Pagar casa, roupa, alimentação, estudos, mais o que mando para a mãe, custa muita massa. Tenho de me virar.
– Claro. Estou a ver. Pode ser que apareça alguém que se apaixone por si, não deve ser difícil.
– Já muitos manifestaram paixões, mas não passam de ataques de machismo encapotado. Príncipes encantados já não há.
– A Ana tem razão, mas assim que puder largue tudo isso. Quando achar que tem um pecúlio que se veja, vá para ao pé da sua mãe e procure fazer vida por lá. Vila Real é uma cidade linda. Veja se consegue colocação no ensino.
– Pois. – Disse a rapariga com ar nostálgico. – Primeiro tenho de licenciar-me e ainda falta um bocado.
– Faça por isso. Agora vamos sair. Vai saber-nos bem andar um bocado a pé e vamos fazendo horas para o jantar.
Já na rua, Anselmo deu-lhe o braço, o que agradou sobremaneira à moça. Sentiu-se protegida e aconchegada. Pensou que bom seria ter assim um companheiro, educado, agradável e protector.
Ao entrarem no restaurante um empregado dirigiu-se-lhes.
– Senhor Inspector, a sua mesinha está pronta.
Durante todo o jantar falaram de trivialidades. Comeram, conversaram e riram como se já fossem conhecidos de há muito.
Regressaram a casa pelo mesmo caminho. Já na sala a moça começou; – Inspector.
– Trate-me por Anselmo. Eu já lhe chamo só Ana. Deixemo-nos de formalismos.
– Esta bem. Eu só lhe queria agradecer os bons momentos que estou a passar aqui, o Anselmo é um cavalheiro e eu estou a adorar cada bocadinho.
– Obrigado. Só que agora temos de falar de coisas sérias, pode ser?
– Claro Anselmo. Ajudarei em tudo o que puder.
– Diga-me então. Quem acha que manda no Elefante Negro? Que pensa do Olegário e do gerente? Já alguma vez viu o António Melo?
– Vou tentar responder por ordem. Quem manda ali é o gerente, o senhor Fonseca. É ele que põe e dispõe e dá as ordens.
– É a primeira vez que lhe oiço o nome. – Disse Anselmo.
– Também o soube da única vez que vi o senhor Melo. Foi pelo nome que ele o tratou. Estou convencida que quem puxa os cordelinhos é o tal Melo.
– E o Olegário?
– Esse é um traste nojento. Completamente bicha, anda sempre a roçar-se pelos clientes para ver se arranja engate.
– E arranja?
– Penso que sim. Pelo menos com um ou dois parece que resultou. Muitas vezes aparece de olhos negros. Os tipos que engata tratam-no mal e muitas vezes roubam-no. É um desgraçado mas tem mau fundo. Está sempre mal-humorado e trata-nos mal. Além de maricas é completamente misógino. Poderia ser apenas homossexual, ninguém lhe levaria isso a mal, mas assim…
– Tem noção que possa haver por ali negócios além do normal funcionamento da casa. Já viu ou ouviu algo de suspeito?
– Da parte do Fonseca acho que não. Só o oiço falar dos assuntos da casa. Mesmo ao telefone com o Melo, no pouco que tenho ouvido, só mesmo sobre trabalho. Já do Olegário não digo o mesmo, está sempre ao telemóvel a falar em voz baixa e quando nos aproximamos, volta-se e finge falar de trivialidades, mas nota-se que há algo de estranho.
– Há droga lá no bar?
– Tráfico não há. Consumo já houve, mas o Fonseca correu com duas ou três que consumiam e agora anda tudo bem.
– Alguma vez notou que se negociasse algo lá dentro. Tipo joias, pedras ou qualquer outra coisa que dê dinheiro grosso?
– Nunca dei por isso. Os clientes normalmente querem é beber e fingir que nos namoram. A maioria não tem dinheiro para pagar os nossos preços.
– E o Miguel? Conhecia-o bem?
– O Miguel era especial. Alegre, bem-disposto, malandreco, mulherengo. Ia com todas e tratava-nos por princesas. Tinha uma característica muito peculiar, tenho até alguma vergonha de falar nisso…
– Já sei. Vi-o nu na mesa de autópsias. Era realmente bem dotado.
A moça riu-se. – Era isso! – Disse Ana, rindo com uma mão na frente da boca. – Todas nós falávamos e ríamos do mesmo. Chamávamos-lhe o três-pernas. Ao pé dele ninguém estava sério. E na cama era um brincalhão. Com ele tudo era riso.
– Ele nunca mostrou atracção especial por alguma em particular?
– Nunca. Era igual para todas. Mas penso que existia alguém. Em Angola!
– Como sabe?
– Porque ela telefonava e ele fazia sinal com o dedo nos lábios a pedir silêncio. Pela forma como falava notava-se que havia algo diferente. A moça chamava-se Sara. Era o nome que ele lhe chamava ao atender. Nós brincávamos perguntando se era a tal mas ele dizia que nada tínhamos com isso e não dava mais aso a conversas. Muitas vezes perguntava se a sua terra continuava linda. E que o fosse esperar ao aeroporto quando chegasse. Foi aí que soubemos que ela era de lá.
Anselmo passou para o mesmo maple sentando-se ao lado da rapariga. – E a Ana, alguma vez se apaixonou por algum cliente?
– Nunca. Para mim isto é um emprego. Tive um namorado lá na terra de quem gostei muito. A coisa não deu. Foi mais por ele que me vim embora.
– E nunca ninguém lhe fez propostas para levá-la dali e viver em exclusividade?
– Isso sim. Já vários. Mas finjo que não dou por isso e troco-lhes as voltas.
– Tem algo mais que queira dizer-me?
– Não
– Quer ir embora? – Anselmo ao perguntar isto chegou-se um pouco mais e passou-lhe a mão pelo cabelo. Estranhamente a moça corou e deixou pender a cabeça no seu ombro e disse muito baixinho; – Não.
Anselmo levantou-lhe o queixo e beijou-a docemente na boca. Depois o beijo entrou em crescendo e virou arrebatamento. Cingiram-se quase com violência e escorregaram para o chão rebolando pela alcatifa.
No dia seguinte, Anselmo deixou-a no apartamento onde vivia.
Nota: Tenho o livro em pdf que posso enviar a quem estiver interessado.



quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A tristeza do Mundo em que vivemos e a continuação da vida.



Este mundo está a deixar-me triste e zangado. A fúria exacerbadamente capitalista centrada na exploração, a todo o custo, do petróleo, “construiu” a chamada “primavera árabe” para afastar do poder os ditadores, que mantendo governos laicos, conseguiam conduzir os seus países na senda do progresso e estabilidade. Onde havia paz hoje há guerra e destruição. Cidades consideradas património mundial, como Alepo por exemplo, aparecem-nos nas imagens como montes de ruínas sem qualquer consideração pela cultura que desde há séculos nos maravilhavam com testemunhos de civilizações passadas. Milhares de pessoas, despojadas de bens e habitação, tornam-se refugiados, fugindo atravessando fronteiras, em busca de local onde possam sobreviver, deixando para trás as suas terras, as suas tradições e os seus mortos. O meu país está a morrer também a uma velocidade assombrosa. Governados por liberais encapuçados de social-democratas, vamos cada vez mais enfeudando-nos a uma Europa, mal construída, que trata mal os que pouco têm em detrimento dos abastados. O desemprego é tremendo, a fuga de capitais e inteligência é constante. Vemos os pobres ladrões serem condenados por pequenos crimes que, muitas vezes, cometem para poderem sustentar as famílias, quando o grande capital se consegue livrar da justiça por enormes crimes económicos cometidos apenas pela ganância do lucro desmedido ou para aumentarem o seu poder que esmaga e oprime os que pouco têm. A classe média vai-se extinguindo sugada pelos governantes que poupando o grande capital que os sustenta a vai tornando cada vez mais pobre com o excesso de impostos e de cortes nos rendimentos. O crime aumenta. As notícias mostram-nos horrores. Pais metem filhos em água a ferver, matando-os ou violando-os. Cônjuges matam-se uns aos outros por interesses materiais ou por ciúmes exacerbados. Os jovens, abandonando a escola, formam gangues que, desprovidos de escrúpulos, roubam, saqueiam, violam, atacam, sem qualquer medo de uma justiça, que baseada nos direitos do cidadão, os protege e liberta sem os recuperar. As autoridades, cada vez mais desprovidas de força, acabam por se tornarem demasiado complacentes com medo da tal justiça benévola demais com os criminosos, mas demasiado severa para com os que, tentando cumprir o seu dever, se vêm forçados a tomar atitudes às vezes mais duras e tomadas no fervor de lutas. Os governantes maltratam os professores e educadores sendo demasiado complacentes para com os alunos, normalmente maus alunos e indisciplinados. Pois é, não vejo soluções para este país enquanto nos governarmos com esta “democracia”. Enquanto não formos capazes de mudar este regime e construir outro baseado na seriedade, competência e vontade de fazer progredir este país, sem que os governantes só pensem no poder partidário e no seu próprio enriquecimento a todo o custo, não poderemos crescer como povo voltado para valores da cultura e nobreza de sentimentos, para construirmos uma sociedade justa, solidária e virada para o progresso sem veleidades de obtenção de lucros fáceis. Viver com dignidade, justiça, protecção social, estudo, cultura e trabalho seria o desejável. Todos vamos ter o mesmo fim, ninguém é eterno e se houver trabalho, protecção social, justiça e ensino capaz, não será necessária a preocupação de amealhar para deixarmos a quem nos sobrevive. Quem fica continuará a vida como nós a vivemos. Para ajudar a esta triste “festa”, o clima maltratado pelos humanos, manifesta-se provocando cada vez mais cataclismos. Furacões devastam regiões. Chuvas torrenciais destroem culturas, infraestruturas e matam. Tsunamis arrasam, destroem e ceifam vidas. Enfim, tudo isto me deixa triste mas não acabado.
Com tudo isto, apesar de os tolerar e aceitar, cada vez compreendo menos os crentes. Como acreditar na existência de um deus omnipotente, omnisciente, omnipresente e bom? Como acreditar num deus protector de cada um de nós mas que permite tudo isto? Um deus a quem se pedem favores para nós e os nossos mas a quem nada pedimos para os outros? Enfim, medos da humanidade que sempre atemorizou os homens com o “mistério” da morte e a tentativa de perpetuação para além dela.
Como a idade já não me permite, nem a democracia deixa, meter-me em políticas que levem à criação do tal estado no qual gostaria de viver, volto-me para mim próprio continuando a fazer aquilo de que gosto. Com a informática vou tendo oportunidade de criar e melhorar sistemas que implementei. Melhoro, troco, estudo e construo. O computador serve-me também como meio complementar de comunicação entre mim, os meus amigos e familiares. A leitura continua a ser o meu descanso de alma (que é coisa que não existe mas é um lugar-comum) e aprendizagem da vida. Leio tudo o que me parece bom e que me possa aumentar o conhecimento. Um amigo emprestou-me um bom livro que “devorei” em poucos dias “A Verdadeira História da Terra” de Chistopher Lloyd, um relato histórico-científico desde o “Big Bang” até aos nossos dias. Um manancial de cultura e conhecimento. Descobri na minha estante, entre os livros herdados de um tio da minha mulher, um livro que me passou despercebido e que estava entre os não ainda lidos; “Deuses, Túmulos e Sábios” o romance da arqueologia, escrito em 1959 por um alemão, C. W. Ceram. Outro receptáculo de história e conhecimento de como o homem, através das descobertas arqueológicas, foi entendendo e conhecendo o mundo em que vive.
Termino este meu escrito ainda triste pelo mundo que me rodeia, mas acompanhado por aquilo que me aumenta o conhecimento através do que vou lendo, por aquilo que ainda vou construindo, trabalhando e pela companhia e contacto com os meus amigos e família. Conversar e discutir, no bom sentido, ainda é um grande prazer.

Vamos vivendo…

sábado, 19 de julho de 2014

A Selva


O passarito “piripilava” todo contente. A manhã estava radiosa e o esvoaçar de ramo em ramo através da floresta, dava-lhe uma enorme sensação de liberdade. O calor solar dava-lhe alento e exercitava as suas asitas, ainda com alguma penugem por ter abandonado o ninho há pouco. Viu um insecto que distraído pousara um pouco à sua frente e, lembrando-se do que os pais lhe ensinaram, fingiu-se distraído e, zás, com um pequeno salto abicou o incauto. Não tinha muita fome pois os pais tinham acabado de o alimentar, mas este insecto veio a calhar e serviu de treino para o futuro. Com estas cogitações não reparou numa cobra que sorrateiramente vinha subindo a árvore, tentando alcançar o repasto gordito e anafado que à sua frente lhe fazia crescer água na boca. Só quando o réptil, talvez por falta de treino, fez restolhar um ramo ao dar o bote, é que, por instinto, esvoaçou para o ramo da árvores em frente onde pousou ainda a tremer com a assustadora visão daquela fauce escancarada que só não o engoliu por pouco. Maldita cobra, pensou o passarito, que anda aqui a comer-nos. Vá mas é caçar ratos, esses é que servem para repasto de cobras e, dando apenas um pulito, abicou mais um gafanhoto que rapidamente deglutiu. Ainda sentia na barriga os fémures serrilhados do orthoptero, quando, a sua consciência lhe colocou a incongruência. Pois é, os pobres insectos devem ter sentido o mesmo pânico que ele sentira ao ser atacado pela cobra. E agora? Como poderia continuar a alimentar-se com este dilema na consciência? Tomou uma solução. Passaria só a comer sementes gramíneas e cereais pois havia muitos por aqueles campos fora. E a cobra? Pensaria o mesmo? Estava nestas conjecturas quando, olhando para baixo, viu um urso que comia estraçalhando um bom pedaço de carne. Desceu o máximo que pôde, tomando cuidado para não ficar ao alcance das garras do plantígrado, e resolveu falar-lhe:
—Amigo urso, o que estás a comer?— O urso, um pouco espantado por lhe dirigirem a palavra, e logo um passarito com uma voz tão fininha que mal se ouvia, olhou para cima e resolveu responder: —Estou a comer um pequeno veado  que acabei de caçar.
— Não tiveste pena de matar o pobre animal? És um malvado sem coração, o bichinho naturalmente tinha família e agora os pobres pais estarão com uma dor imensa por terem perdido o seu filhote.
Não querem lá ver, agora vem para aqui este chatear-me ainda por cima quando estou a comer e me estava a saber tão bem. Queria lá saber dos pais do veadito, que se lixassem, tinha que comer e toda a gente sabe que os ursos gostam de carnuça. Mas o passarito continuou:
—Olha! Ainda há pouco tomei a decisão de passar a ser vegetariano e deixar de comer insectos. Se todos fizéssemos o mesmo, não seria necessário matarmo-nos uns aos outros.
—Pois. Disse o urso. —Se todos como tu o fizerem, vai haver um excesso de insectos que comerão tudo o que é verde e ficarás sem nada para comer. Se a cobra deixar de comer pássaros, um dia destes não caberão todos no céu e não terão cereais e gramíneas para comerem pois os ratos, também deixados em paz, comerão tudo. Este mundo ficará um deserto e qualquer espécie animal não terá futuro. Lembra-te que as espécies vão aparecendo e transformando-se por evolução e vão vivendo de outras espécies, que por sua vez se vão renovando através de outras que vão deglutindo. Chama-se a isto um ecossistema.
—Bolas que este urso é evoluído. Pensou o passarito. Vou mas é deixar-me de pensamentos filosóficos e continuar a comer uns bicharocos. Cada um que se cuide.

Depois disto, eu o homem, fiquei a perceber melhor a humanidade. Deixámos de ser canibais, mas encontrámos formas de equilibrar o mundo. Afinal dilúvios, terramotos, incêndios, epidemias e guerras são necessárias. Será bom é que não exagerem senão só ficam os passaritos a conversar com os ursos…


domingo, 13 de julho de 2014

B16 versus F1


Parece que o B16 e F1 não vão ver juntos a final Alemanha/Argentina. O F1 confessou que o B16 não era grande fã e que seria quase pecado obrigá-lo a um esforço demasiado. Mas julgo que o motivo não foi bem esse. Parece que nenhum deles quer invocar Deus para que lhes conceda a benesse de uma vitória. Aliás, era maldade que não se fazia, colocar Deus perante tal dilema. Ainda se fosse com a Argélia ou com a Costa do Marfim, sempre era Alá vs Javé ou Jeová como preferirem. Aí sim, já não havia grande problema. Parece pois que o F1 vai ver o jogo sozinho e já pode pedir ajuda ao seu Deus. Aliás, católicos contra luteranos já pode ser, pelo menos ao longo da história muito confronto houve e infelizmente ainda há. Assim o nosso F1 está à vontade e nem se lembra dos outros confrontos que no momento se estão a dar. Acho que os F18 dos de Jeová se confrontam com os mísseis dos do Alá lá para as bandas da Palestina. Pois!
Quem não vai ver o jogo devem ser as criancinhas palestinianas que, coitadas, já nem electricidade devem ter e nem podem colocar as cabeças de fora. Os judeus, esses sim, vão ver e, penso eu, devem todos pugnar pela a Argentina, pois a visão do holocausto ainda está muito próxima. Enfim, grandes confrontos à vista, pena que nem todos sejam só com bolas. Os judeus estão seguros porque o sistema de defesa antimíssil está com uma eficácia de 99,9%, até aqui só um passou. Do outro lado é que é a gaita, não há sistema que os guarde.
Pois é meus amigos, esperemos que os nossos Papas (agora há dois) apliquem toda a sua fé para desejar que o mundo se deixe de gladiar infelizmente, muitas vezes, devido a diferenças de crença religiosa. Para quando ficarmos todos ateus? Não seria melhor?


segunda-feira, 23 de junho de 2014

A BOLA



“A bola é mulher não sabe o que quer”. Que me perdoem as minhas queridas amigas que sabem que não sou nada machista. A frase foi escrita por To Sam, pessoa admirável que tive o prazer de conhecer, numa “charge” ao futebol carregada de humor. To Sam além de decorador, foi pintor, ilustrador, escritor e principalmente um humorista de craveira ímpar. Tudo isto a propósito dos futebóis, tema em que não me sinto nada à vontade por perceber pouco do assunto. Mas realmente a bola é redonda e não sabe mesmo o que quer, pois muitas vezes os que a pontapeiam querem que ela vá para um lado e ela teimosamente vai para outro, sem conta nem medida. Mesmo percebendo pouco do assunto, acho que para se jogar é necessário possuir-se jeito, muita perna e maior pulmão. Os nossos rapazes da selecção têm imenso jeito. Já quanto a perna parece que todos as perderam e quanto a pulmão nem se fala. Quando todos ansiavam por uma vitória, ela esfumou-se e vá lá, evitou-se a derrota. É assim, para uns ganharem outros perdem e às vezes empata-se. Os adversários não são paralíticos e cada vez sabem mais daquilo. Mas não foi para isto que resolvi escrever este texto.
Nós, os portugueses temos todos a mania que somos os melhores do mundo e que havemos levar de vencida tudo e todos, mas não somos. A comunicação social e o zé povinho endeusam tudo e todos e esquecem-se das nossas limitações. O desporto, principalmente o futebol, faz libertar nos indivíduos todas as paixões reprimidas pelas frustrações da vida, levando para os estádios, ansias e desejos incontidos, que depois explodem e levam as massas a comportarem-se quase como selvagens. O povinho, explorado por patrões e governantes gananciosos e corruptos, vive triste e continua inculto pela educação que lhes falta em casa e nas escolas, onde, mais uma vez o poder, cego pela contenção orçamental, déspota nas decisões, não deixa a educação evoluir, limitando os educadores a regras e normas emanadas dos órgãos centrais. Por outro lado, a história que nos foi ensinada fez-nos crer que um povo descobridor e aventureiro como o nosso, poderia levar de vencida todas as tarefas. Esqueceram-se que os homens iam para as caravelas, para poderem comer e tentar trazer de outras bandas aquilo que não conseguiam para sustentar a família. Tivemos realmente meia dúzia de iluminados e estudiosos, que sabiam de antemão aquilo que podiam vir a encontrar e daí tirarem o melhor proveito. E realmente tiraram. Só que, mais uma vez, não foi o povo que beneficiou. A corte enriqueceu e por encosto o clero também com os agradecimentos às divindades pelos conseguimentos. O povão continuou paupérrimo e ainda hoje continua. Depois apareceu um poeta, demasiado lírico, que enalteceu de tal forma os feitos dos portugueses, que todos nós lemos e estudámos, acabando por colocarmos o livro debaixo do braço, mostrando a tudo e todos: — Vejam, os portugueses, nós, somos assim; Destemidos, valentes e determinados. Vencemos tudo e todos.— Santa desilusão, somos iguais aos demais, com as nossas incapacidades e fragilidades.
Olha! Resta-nos dizer aos rapazes quando regressarem a Portugal:-- Deixem lá, a culpa foi do Camões.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Como se faz um santo?


Santo António de Lisboa (ou Pádua?)

António, de nascimento Fernando, não se lhe conheceram pais, mas mais tarde foram-lhe atribuídos como sendo Martins ou Bulhões (Martinho de Bulhões e Maria Teresa Taveiro). Foi um frade, o que faz supor um nascimento pobre, pois eram estes os educados nos conventos. Mas, dada a nobreza dos seus supostos pais, foi-lhe conferida uma suposição de pessoa bem nascida. Muito cedo os seus educadores se aperceberam da extraordinária apetência que o noviço tinha pelo estudo e da grande capacidade de aprendizagem que revelava. Foi primeiro frade Agostinho, mas mais tarde, em Assis, sob a égide de São Francisco, mudou para Franciscano. Devido à sua grande cultura e excelente exegeta, proferiu excelentes sermões ainda hoje tidos como dos melhores e mais profícuos, tendo sido espalhados por vários países, pois parece que o piedoso taumaturgo viajou imenso nos apenas perto de 40 anos que viveu.
A sua grande fama de taumaturgo vem das inúmeras “lendas” passadas de boca em boca dos seus bastantes milagres. Acho que refez um pé amputado a uma rapariga, fez uma mula ajoelhar perante a hóstia sagrada e até lhe apareceu o Menino Jesus quando orava numa Igreja. Ficou como santo padroeiro dos amputados, dos animais, das grávidas, dos idosos e dos fracos e oprimidos e é normalmente invocado pelas moças solteiras para arranjar casamento e para encontrar objectos perdidos. A sua iconografia, é geralmente apresentada com o menino ao colo devido à tal aparição. Só não sei porque numa das mãos uma vez lhe colocam a cruz outras vezes um ramo de açucenas. Dada tanta profusão de milagres foi canonizado pelo Papa Gregório IX, em 1232, ano seguinte ao da sua morte a 13 de Junho.
Este grande mestre do saber da Igreja, ainda teve tempo para converter hereges Cátaros ou Albigenses e tendo assentado praça como soldado chegou a Coronel do Exército.
Todo este arrazoado, vem a propósito do dia de hoje, 13 de Junho, e das festas de Lisboa, na véspera, em honra deste Santo Homem. E aí eu pergunto: Como se faz um santo?
Homens bons, cultos, solidários, dedicados à humanidade, sempre houve, mas daí a serem considerados santos… bem, parece que têm que ter outros predicados. Mas será que os santos os tinham? Era necessário ser casto, coisa muito difícil, pois a tentação da carne é grande e moças atiradiças nunca faltaram, então o frade Fernando que até pregava partidas às raparigas. Parece que, tal como o João, também partia as bilhas nas fontes e as recompunha perante a consternação das moças que lhe agradeciam encarecidamente, depois arranjava-lhes casamentos. Tinham também de realizar milagres, o que era difícil e muito pouco natural. Não acredito em pés restaurados depois de uma amputação, já fazer ajoelhar uma mula é fácil, nos circos até os elefantes andam de bicicleta. Parece também que o santo gostava de comer e beber e devia gostar imenso de sardinha assada e vinho tinto. Só que morreu cedo e ainda por cima com hidropisia, uma doença de excesso de água no corpo. Devia ter abusado mais do vinho.
Claro que, na idade média, época em que viveu, o povo era ignorante e supersticioso em demasia, ainda hoje é, e a igreja encarregava-se de empolar situações que ajudassem a criar santidades. Criaram tantos que penso haver um santo diferente para cada dia do calendário.
Não sou crente e obviamente também não acredito em santos, mas admiro este homem por aquilo que foi e aquilo que fez numa época obscurantista, em que a igreja guardava para si e para os seus apaniguados, toda a forma de saber e ciência. Este teve a coragem de tentar ensinar aos outros tudo aquilo que aprendeu. Terá sido exactamente assim? Não se sabe, mas pelo que se disse e escreveu até parece. Teve pelo menos o grande mérito de deixar em Lisboa a boa tradição folclórica das festas bem comidas e regadas.

Por aquilo que foi deixo aqui a minha homenagem a Fernando de Bulhões.

domingo, 1 de junho de 2014

Tintim antes, durante e agora


Em 1935, no mês de Agosto, nascia a minha irmã. Eu fiquei para mais tarde, apenas 19 meses depois. No ano em que a minha irmã nasceu, a nossa Tia e Madrinha, irmã de meu Pai, era funcionária da Emissora Nacional onde Adolfo Simões Muller era Director do Gabinete de Estudos e Programas. Este escritor, jornalista e pedagogo foi editor e fundador da revista de banda desenhada “O Papagaio” fundada nesse ano, tendo sido a primeira revista não francófona a publicar as aventuras de Tim-Tim. A minha Tia, amiga de Simões Muller, fez uma assinatura da revista em nome da minha irmã.
Quando nasci, já Tim-Tim, como então se escrevia, andava lá por casa acompanhado do seu cão Terrier “Milou”, que, no Papagaio era, erradamente, apelidado  de “Rom-Rom” que toda a gente pensava ser cadela.
Cedo comecei a devorar aqueles bonecos e Tim-Tim passou a meu herói. Não fui um sobredotado, mas aos seis anos já conseguia ler os “balões” com as falas das personagens e, julgo que foi o interesse nas histórias que me levou a aprender a ler depressa.
Tim-Tim foi uma criação do ilustrador belga Georges Remi (Hergé, pronuncia das suas iniciais do seu nome R e G) no suplemento infantil “Petit Vingtième” do jornal diário belga “Le XXe  Siècle”. Hergé foi o primeiro ilustrador de BD a pôr as falas a saírem directamente da boca das personagens através dos balões “filacteras”. A primeira aventura deste jovem jornalista foi Tintim no País dos Sovietes.
O meu Pai mandava encadernar as revistas de cada ano tendo no término da mesma um total de 13 volumes e alguns números soltos. No Papagaio publicaram-se 9 das aventuras do meu herói:

Tim-Tim na América, inicio no nº 53.
O Charutos do Faraó, nº 115 ao 161.
O Lótus Azul, nº 166 ao 205.
Tim-Tim em Angola (Tintim no Congo), nº 209 ao 244.
Tim-Tim e o Mistério da Orelha Quebrada (A Orelha Quebrada), nº247 ao 298.
Tim-Tim na Ilha Negra (A Ilha Negra), nº 301 ao 359.
Tim-Tim no Deserto (O Caranguejo das Tenazes de Ouro), nº 366 ao 426.
A Estrela Misteriosa, nº 435 ao 540.
O Segredo do Licorne, nº 617 ao 679.

Todas estas histórias foram os desenhos originais. Mais tarde, Hergé reformulou todas, modernizando-as para serem publicadas em álbuns.
Conheci assim, todas as versões do meu Tim-Tim e Rom-Rom que depois passaram a Tintim e Milou.

Todas as semanas, o carteiro tocava à porta e anunciava “Pacagaio”, trocando as letras ao nome, o que nos fazia sempre rir, e fazendo-nos correr para ver quem conseguia ser o primeiro a ler. Foi através das histórias de Tintim que “fiz” as primeiras viagens. Andei por Nova Yorque, Xangai, Port- Said, Singapura, Nova Deli, Katmandu, Tibete, Escócia, Congo e sei lá por onde. Mais tarde, já na minha vida militar, reconheci vários desses pontos através dos traços característicos de Hergé. Lembro-me de estar sentado no porto de Singapura e pensar para comigo “Já estive aqui”.
Após o Papagaio foram publicadas as seguintes aventuras:

O Ceptro de Ottokar
O Tesouro de Rackham o Terrível
As Sete Bolas de Cristal
O Templo do Sol
No País do Ouro Negro
Rumo à Lua
Explorando a Lua
O Caso Girassol
Carvão no Porão
Tintim no Tibete
As Jóias da Castafiori
Voo 714 para Sidney
Tintim e os Pícaros
E, a título póstumo, Tintim e a Alph Atrt

Só muito mais tarde, foi reeditado o álbum de Tintim no País dos Sovietes, que Hergé considerava ter sido uma crítica demasiado feroz ao regime comunista da União Soviética e, portanto, estar ultrapassado.

Mas foram as personagens companheiras de Tintim que mais me fascinaram. O Capitão Haddock, os detectives gémeos Dupond & Dupont, o professor Tournesol, o mordomo Nestor, o rouxinol milanês Bianca Castafiori, os Generais Alcazar e Tapioca, o famigerado Dr. Muller, o português Oliveira da Figueira, o japonês Mitsuhirato, o bondoso Sr. Wang, o adorável Tchang, o Xeque  Bem Kalish Ezab e o traquinas do seu filho Abdalah, o terrível Rastapopoulos, o miserável e milionário Carreidas, o sinistro Coronel Sponz, enfim tantos outros cheios de vida e humanidade que me cativaram e enriqueceram a juventude, continuaram a prender-me a atenção pela vida fora e ainda hoje revejo com interesse e emoção.

Tintim foi publicado em mais revistas portuguesas até aparecer a revista Tintim, da Bertrand, que adquiri desde o exemplar nº1. Mesmo em Angola, recebia-a semanalmente, pois um familiar encarregou-se de ma enviar sem falhar um nº. Dessa revista, o meu filho possui ainda todos os números encadernados em 26 volumes. Possui também todos os álbuns editados pela Casterman na sua versão brasileira.


Foi este herói e os seus companheiros que me ajudaram a moldar o meu carácter. Mais tarde apareceu Asterix de que muito gosto, mas não substituiu o meu querido Tintim, aquele impetuoso e generoso jovem jornalista de cabelo ruivo com poupa, calças à golf castanhas e camisola azul, defensor dos fracos e oprimidos, implacável para com os criminosos, mas sempre de uma humanidade a toda a prova.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Os Meninos, a Festa e a Tragédia


A menina não cabia em si de contente. A mãe vestira-lhe o traje domingueiro e penteara-a a preceito. Na escola, no dia anterior, a professora dissera-lhes que iriam ter uma festa na igreja onde o pastor faria uma dissertação sobre Deus Jesus e como era bom estar em estado de graça com fé nesse Deus feito homem que morrera para remissão dos pecados humanos. Não percebera lá muito bem o que isso queria dizer, mas sabia que estaria com os outros meninos e meninas, todos amigos, num passeio domingueiro. A mãe, no início, não achou lá muito bem. Passeios de autocarro, só com crianças e naquelas estradas, poderia ser bem perigoso, mas a sua menina tanto implorou que, condoída, lá condescendeu. Orou devotadamente à mãe de Cristo que acompanhasse os garotos e que rogasse a seu Filho, a protecção daquelas crianças inocentes. Sabia que Nossa Senhora, como mãe, os acompanharia e protegeria.
No autocarro, uma auxiliar nomeada pela escola, sentou-os e pediu-lhes para apertarem os cintos, pois assim estariam mais protegidos e que teriam de permanecer nos lugares. A estrada estava bastante degradada e os solavancos eram constantes devido aos inúmeros buracos. Cantaram e brincaram proferindo graçolas de uns para os outros e nem deram pelo tempo da viagem. O condutor seguia devagar, com ar carrancudo e preocupado. Deixaria as crianças na Igreja e depois teria que ir receber a mercadoria, num serviço que lhe tinha sido pedido e para o qual lhe pagaram bem.
Na Igreja, o bom pastor, recebeu as crianças com palavras cristãs e muitos afagos nas cabecitas cheias de alegria devido à sensação de liberdade que aquela manifestação religiosa lhes proporcionava, podendo abandonar por algumas horas, a pobreza das suas casas e, juntamente com os seus amigos, usufruírem da companhia uns dos outros fora da obrigatoriedade dos deveres escolares.
O Pastor, entre cânticos, foi falando da sensação que, aos crentes, causava a fé em Deus, a quem deveriam rezar e glorificar, para serem por Ele protegidos e, assim, em estado de graça, poderem viver em paz e conforto celestial. Finda a homília, foram distribuídas, para gáudio de todos, guloseimas e refrigerantes.
À hora marcada, o condutor esperava em frente á Igreja, já com a sua preciosa carga acondicionada e escondida de olhares curiosos.
Durante todo o regresso, o velho autocarro seguiu bastante mais devagar, como se o peso dos anos, ou talvez da carga extra, lhe vergasse as molas já bastante pasmadas.
O motor começou a falhar e uma ruga de preocupação alterou a testa do motorista. Após uma curva e já próximo de uma povoação, parou mesmo e não cedeu às sucessivas tentativas de arranque. O motorista saiu e fechou a porta, não fosse algum dos estouvados miúdos dar-lhe para sair e depois lá viriam com as culpas para cima dele. Abriu o capou e desapertou o tubo do acesso da gasolina ao carburador vendo que a gasolina saía normalmente. Não havia entupimento antes, deveria haver depois. Desapertou o tubo de saída e, como deixara a chave ligada, acionou o motor de arranque. Uma faísca saltou incendiando de imediato a gasolina entornada. Uma imensa chama fez o motorista saltar para trás. Como se de um dragão enfurecido se tratasse, as chamas rapidamente penetraram no autocarro pegando-se de imediato às vestes dos pequenos passageiros que, apanhados desprevenidos, nem tempo tiveram para se soltarem dos cintos. Alguns, antes de serem totalmente apanhados pelo fogo inexorável, ainda bateram com as mãos e com as próprias cabeças, tentando quebrar os vidros que lhes permitissem uma fuga para fora daquele inferno que os queimava e asfixiava. Alguns populares ainda tentaram retirar algumas crianças mas rapidamente tiveram de se afastar devido à rapidez com que as mesmas se propagavam e aumentavam. O crepitar dos materiais do veículo abafava os gritos dos pobres garotos. Certamente algo de muito inflamável estaria dentro daquele carro para que o fogo se tivesse propagado tão rapidamente.

Do autocarro só sobraram destroços calcinados. Dos passageiros só corpos carbonizados. No interior da viatura apenas se notaram duas faltas: Do condutor, que a tempo e cobardemente fugiu e de deus por não existir…

quarta-feira, 30 de abril de 2014

2014 Odisseia no Ministério das Finanças



(ou “A (bug)unçada computorizada do Estado”)

Certamente todos se lembram, pelo menos os mais cinéfilos, da história de 2001 odisseia no espaço, que Stanley Kubrick tão excelentemente realizou em filme. Aí o computador “Hal 9000”, incomodado com o rumo que os homens estavam a dar à missão, resolveu rebelar-se passando à acção e tomou conta das operações. Foi preciso esperarmos 13 anos para que a profecia do filme, isto é, os computadores passarem a ter vontade própria, se concretizasse, e logo havia de ser no Ministério das Finanças. Os computadores zangaram-se com os governantes, que haviam dado certamente um prazo demasiado curto para reembolso do IRS, e criaram um “bug”, trocando as voltas aos cuidadosos e pressurosos senhores que queriam que o povo fosse reembolsado a tempo e horas.
Lembro-me de, em tempos idos, quando fiz um curso na IBM, levado por um amigo que lá trabalhava como programador do “Service Bureau”, os computadores ainda serem estimulados por cartolinas perfuradas e os programas completamente lineares, serem elaborados de fio a pavio, isto é, com instruções em ASSEMBLER ou COBOL, começando na 1ª linha e terminando na última. Quando os erros sucediam, o meu amigo e os companheiros, chegavam a estar uma noite inteira a resolver o problema, pois era necessário rever a programação do princípio ao fim, encontrar o erro, identificar o cartão com os buracos a menos ou a mais, fazer novos cartões, correr as rotinas de novo até tudo estar correcto. O certo é que nenhuma empresa ficou sem o trabalho feito dentro do prazo porque a IBM não brincava em serviço e os seus funcionários não se poupavam a esforços para resolver os problemas.
Agora, quando os programas são elaborados por módulos e com linguagens muito mais acessíveis, vem o Ministério das Finanças declarar que, devido a um erro informático, não é possível reembolsar o IRS aos cidadãos por crédito em conta bancária, ficando os pagamentos adiados, mas que serão pagos por cheque no mais breve prazo possível, que terá de ser no máximo até ao fim da semana segundo um pressuroso Secretário de Estado, que, claro está, se armou em coitadinho, como não tendo qualquer culpa, passando esta apenas para o desgraçado computador do MF.
Não brinquem comigo, sou informático, sei do que falo. Ou o computador resolveu imitar o “Hal” tomando conta das operações para lixar o povão, ou os técnicos de informática do MF tiraram os cursos juntamente com o Relvas, ou ainda o Governo está a brincar connosco.
Hoje, um erro, num programa há muito elaborado e testado, só acontece quando a esse programa é feita qualquer alteração e, as alterações normalmente são elaboradas nos módulos, apenas naqueles que são passíveis de alteração. Se o erro aparece, basta procura-lo nos módulos alterados e quaisquer duas ou três horas chegam para isso e, se não chegarem, trabalhem de noite que não lhes faz mal nenhum. Não me venham dizer que não podem creditar as nossas contas devido a um erro. Enquanto o MF, tenta resolver o malfadado erro, o nosso dinheirinho continua nas mãos do Estado e nós à espera dele para pagarmos ao senhorio, à mercearia, à oficina do carro ou para comprarmos os preservativos ou viagra para nos irmos entretendo a fazer amor enquanto o tempo passa (As time goes by).

O MF tem as costas largas e os pobres computadores também. Os técnicos passam por ineptos (coitados são funcionários públicos e como tal nada fazem), entretanto o governo vai-se governando e continuando a mentir aos portugueses. Não me copulem sem que eu queira senão é violação.

sábado, 19 de abril de 2014

Para Quê?


Junto da cama, olhava aquele corpo magro, esquelético até, ali, quase estático, sem nada dizer, nada fazer, interrogando-me se pensaria e se o fizesse em quê. Perguntava à auxiliar o porquê daquela magreza, como se ela pudesse saber… “Que comia e bem, tinha uma boca santa, tudo o que lhe levavam à boca ela engolia…”
Perguntei se queria chocolate, disse sim sumidamente, sempre adorara chocolate…
Fico por ali com os meus pensamentos, tentando perscrutar o seu íntimo, tentando adivinhar o que pensará ou sentirá.
Recordei a nossa infância, aquele sábado fatídico em que, por não termos aulas fomos até ao ringue de patinagem alugar patins com alguns trocos que os pais nos deram, a queda que deu, como a olhar-lhe a perna vi logo a fractura da canela. Gritei para que chamassem os bombeiros que nos levaram a Lisboa para S. José. Lembrei a ansiedade enquanto esperava, como entrei por ali dentro contra tudo e contra todos, o porteiro atrás de mim… “Que não podia entrar ali, que era proibido, que“ …Que se lixasse!... o médico estava junto da minha irmã, atendeu-me apesar dos meus 14 anos, que teria de ser operada pois a fractura era grave.
Lembro de ainda ter uns trocos e ir à cabine telefonar para casa, felizmente foi o meu pai que atendeu, a mãe entraria em pânico.
Levou cerca de três meses sem se levantar da cama, não conseguia andar com o gesso, desequilibrava-se, pensávamos nós que pelo medo. Já anteriormente aquela rapariga caía imenso, andava sempre de joelhos esfolados. Depois da fractura passou a ter um andar ainda mais desequilibrado, partia a loiça e deixava cair as coisas das mãos.
Depois de imensos exames médicos foi-lhe diagnosticada uma atrofia cerebelar congénita. Que a doença não tinha cura e que seria progressiva mas lenta. E foi. Porquê?
O congénito não é necessariamente hereditário, ninguém da família padecia ou padeceu desse mal. Deixou de estudar e passou a ficar ao cuidado da nossa mãe que acabou por ser demasiado protectora ao ponto de a tornar um pouco egoísta e bastante agressiva na sua maneira de ser. Era uma rapariga interessante sem ser uma beleza. Apenas ano e meio mais velha do que eu, demasiado magra e alta não passava despercebida aos rapazes. Casou com um oportunista convencido que o meu pai tinha dinheiro. Quando viu que dali nada ganharia saiu de casa e desapareceu. Divorciou-se e, mais tarde, o tipo morreu. Não tiveram filhos porque ela não os podia ter. Voltou para casa dos meus pais.  Consegui arranjar-lhe emprego como dactilografa num dos serviços por que passei. Após alguns anos já não conseguia escrever à máquina por errar muitas teclas. Continuou como telefonista e até foi prestando um serviço razoável. Andar de comboio todos os dias para Lisboa era um perigo, mas pior seria ficar em casa sem nada fazer. Deu imensas quedas e partiu mais alguns ossos. Para cúmulo, outra doença apareceu, sem ter nada a ver com a cerebelose. Esclerose do nervo óptico. Outra também incurável e progressiva. A cegueira foi tomando conta dela. A minha mãe, até uma idade muito avançada foi a sua guia. Após a morte de minha mãe ainda tentei que ficasse em casa. Depois de demasiadas quedas e muitas idas para o hospital, desisti internando-a. Durante alguns anos ia vê-la duas vezes por semana levando-a a almoçar, muitas vezes acompanhado do meu filho, que também visitava a tia nos meus impedimentos. Com o agravar da doença, cada vez era mais difícil conduzi-la e ampará-la. A falta de vista nada ajudava. Deixámos de sair e as visitas faziam-se apenas na instituição.
Agora piorara e ali estava, acamada, completamente cega, drogada, com calmantes e ansiolíticos, sem nada dizer nem fazer. Porquê e para quê?
A médica diz que já há demência senil. Com 78 anos? Por quê? Será que tanto medicamento a tornou assim? Fará o cerebelo falta ao cérebro? Não sei. Só sei que estou a perder a irmã.
Todas as semanas lá estou. Levo-lhe chocolate que continua a comer mas sem o agrado de antigamente. Não reage quando lhe digo que tenho de ir embora. Também não reage quando chego. Digo-lhe olá que ela repete sem qualquer indicação de alteração do seu íntimo. Será que pensa? Julgo que o cérebro humano, enquanto há vida, está sempre activo. Será? Não parece. Isto que eu vejo e sinto não é vida, e pergunto mais uma vez; Para quê?

Claro que, como não crente, sei que não tem de haver uma razão para a vida, somos animais e como animais, vivemos, adoecemos, morremos e desaparecemos. Mas, como ser pensante, custa-me assistir a tanta degradação e tanto tempo para chegar ao fim. Viver assim não interessa. Para quê? É minha irmã e gosto muito dela, mas por isso é que gostaria que acabasse rápido e sem sofrimento. Assim, para quê? Não é viver.