(capítulo de Pedras Negras de Vermelho)
Como não me acho capaz de escrever um romance, fiz uma
tentativa de escrever um policial. Sempre é mais fácil e com um pouco de
imaginação, consegue-se engendrar uma historieta sem queimar muito os
neurónios. Escrevi pois uma aventurada policial em que o Inspector Anselmo, da
Judiciária, investiga um crime englobado numa teia de traficância de diamantes
de Angola para Portugal. Aqui deixo um capítulo.
…
Anselmo estava em casa quando teve uma ideia. Lembrou-se de
Ana, a rapariga que lhes falara de Zaída. Pegou num telefone e ligou para o
Elefante Negro. Reconheceu a voz do Olegário quando este atendeu. Anselmo
procurou disfarçar um pouco a voz e arriscou; – Sou um cliente já antigo da
Ana, estou a precisar da companhia dela, posso falar-lhe? Ana veio ao telefone,
Anselmo disse chamar-se Simões e que era amigo de um indivíduo que lhe dissera
muito bem dela. Estava a precisar de companhia e perguntou-lhe se podia
aparecer hoje à noite para jantar. Depois de uma pequena espera Ana disse que
sim, que estava livre e tinha muito gosto. Anselmo deu-lhe a morada e que
aparecesse às oito e fosse pontual. Os tempos deviam estar maus para o negócio.
A miúda nem lhe perguntara quem era o amigo e ainda bem. Se o tivesse feito não
saberia o que dizer.
Eram precisamente oito da noite quando a campainha tocou.
Anselmo atendeu e depois de ouvir a voz da rapariga disse: – Suba.
Anselmo abriu a porta e a moça recuou admirada; – Inspector?
– Sim. Entre.
– Mas eu vim pensando ser um cliente. Disseram-me ser um
senhor Simões.
– Sim, foi o nome que dei. Mas não se preocupe porque o seu
tempo será pago. Como queria conversar consigo a sós sem que outros soubessem,
achei por bem traze-la aqui. Estamos mais à-vontade e a Ana vai estar mais
descontraída. Vamos ter uma conversa informal. Ponha-se tranquila que aqui nada
de mal lhe acontece. Tire o seu casaco e sente-se aí no maple. Que quer tomar?
– Que bom, assim posso tomar um whisky a sério. Lá no
Elefante servem-nos chá. Estamos proibidas de beber da garrafa dos clientes.
– Deixe-se estar que eu preparo as bebidas.
Junto ao armário onde estava o bar, Anselmo enquanto servia
as bebidas olhava de soslaio para a moça. Era um belo exemplar de mulher.
Bem-feita, elegante, alta mas não muito, bem vestida e calçada, fazia um belo
par para acompanhar qualquer homem e em qualquer ambiente. Tinha uma voz doce e
um bonito sorriso, apesar de uma certa melancolia quando não sorria.
Anselmo entregou-lhe as bebidas e levantou o seu copo para
uma saúde. A moça sorriu e agradeceu.
– Não temos que forçosamente começar a falar no caso que me
preocupa. Temos muito tempo. Marquei o nosso jantar num restaurante perto para
as nove e meia, portanto, falemos de nós. Eu sou separado. Estamos a tratar da
separação oficial. Vivo aqui sozinho, tenho uma empregada umas horas, três dias
por semana. Como por fora e quase só uso esta casa para dormir. Agora diga-me.
Quando pensa deixar esta vida e tomar juízo? Desculpe a pergunta mas acho que a
Ana merece melhor.
– Isso é bom de dizer, mas mais difícil de fazer do que
simplesmente falar do assunto. Estudo de dia. Estou na faculdade a fazer
psicologia. Gostava de me licenciar e empregar-me no “metier”. Já não tenho pai
e a minha mãe é muito pobre. Vive com o dinheiro que lhe mando. Infelizmente só
a visito umas duas ou três vezes por ano. Vive perto de Vila Real de
Trás-os-Montes. É muito longe para poder ir lá mais vezes. Pagar casa, roupa,
alimentação, estudos, mais o que mando para a mãe, custa muita massa. Tenho de
me virar.
– Claro. Estou a ver. Pode ser que apareça alguém que se
apaixone por si, não deve ser difícil.
– Já muitos manifestaram paixões, mas não passam de ataques
de machismo encapotado. Príncipes encantados já não há.
– A Ana tem razão, mas assim que puder largue tudo isso.
Quando achar que tem um pecúlio que se veja, vá para ao pé da sua mãe e procure
fazer vida por lá. Vila Real é uma cidade linda. Veja se consegue colocação no
ensino.
– Pois. – Disse a rapariga com ar nostálgico. – Primeiro
tenho de licenciar-me e ainda falta um bocado.
– Faça por isso. Agora vamos sair. Vai saber-nos bem andar
um bocado a pé e vamos fazendo horas para o jantar.
Já na rua, Anselmo deu-lhe o braço, o que agradou sobremaneira
à moça. Sentiu-se protegida e aconchegada. Pensou que bom seria ter assim um
companheiro, educado, agradável e protector.
Ao entrarem no restaurante um empregado dirigiu-se-lhes.
– Senhor Inspector, a sua mesinha está pronta.
Durante todo o jantar falaram de trivialidades. Comeram,
conversaram e riram como se já fossem conhecidos de há muito.
Regressaram a casa pelo mesmo caminho. Já na sala a moça
começou; – Inspector.
– Trate-me por Anselmo. Eu já lhe chamo só Ana. Deixemo-nos
de formalismos.
– Esta bem. Eu só lhe queria agradecer os bons momentos que
estou a passar aqui, o Anselmo é um cavalheiro e eu estou a adorar cada
bocadinho.
– Obrigado. Só que agora temos de falar de coisas sérias,
pode ser?
– Claro Anselmo. Ajudarei em tudo o que puder.
– Diga-me então. Quem acha que manda no Elefante Negro? Que
pensa do Olegário e do gerente? Já alguma vez viu o António Melo?
– Vou tentar responder por ordem. Quem manda ali é o
gerente, o senhor Fonseca. É ele que põe e dispõe e dá as ordens.
– É a primeira vez que lhe oiço o nome. – Disse Anselmo.
– Também o soube da única vez que vi o senhor Melo. Foi pelo
nome que ele o tratou. Estou convencida que quem puxa os cordelinhos é o tal
Melo.
– E o Olegário?
– Esse é um traste nojento. Completamente bicha, anda sempre
a roçar-se pelos clientes para ver se arranja engate.
– E arranja?
– Penso que sim. Pelo menos com um ou dois parece que
resultou. Muitas vezes aparece de olhos negros. Os tipos que engata tratam-no
mal e muitas vezes roubam-no. É um desgraçado mas tem mau fundo. Está sempre
mal-humorado e trata-nos mal. Além de maricas é completamente misógino. Poderia
ser apenas homossexual, ninguém lhe levaria isso a mal, mas assim…
– Tem noção que possa haver por ali negócios além do normal
funcionamento da casa. Já viu ou ouviu algo de suspeito?
– Da parte do Fonseca acho que não. Só o oiço falar dos
assuntos da casa. Mesmo ao telefone com o Melo, no pouco que tenho ouvido, só
mesmo sobre trabalho. Já do Olegário não digo o mesmo, está sempre ao telemóvel
a falar em voz baixa e quando nos aproximamos, volta-se e finge falar de
trivialidades, mas nota-se que há algo de estranho.
– Há droga lá no bar?
– Tráfico não há. Consumo já houve, mas o Fonseca correu com
duas ou três que consumiam e agora anda tudo bem.
– Alguma vez notou que se negociasse algo lá dentro. Tipo joias,
pedras ou qualquer outra coisa que dê dinheiro grosso?
– Nunca dei por isso. Os clientes normalmente querem é beber
e fingir que nos namoram. A maioria não tem dinheiro para pagar os nossos preços.
– E o Miguel? Conhecia-o bem?
– O Miguel era especial. Alegre, bem-disposto, malandreco,
mulherengo. Ia com todas e tratava-nos por princesas. Tinha uma característica
muito peculiar, tenho até alguma vergonha de falar nisso…
– Já sei. Vi-o nu na mesa de autópsias. Era realmente bem
dotado.
A moça riu-se. – Era isso! – Disse Ana, rindo com uma mão na
frente da boca. – Todas nós falávamos e ríamos do mesmo. Chamávamos-lhe o
três-pernas. Ao pé dele ninguém estava sério. E na cama era um brincalhão. Com
ele tudo era riso.
– Ele nunca mostrou atracção especial por alguma em
particular?
– Nunca. Era igual para todas. Mas penso que existia alguém.
Em Angola!
– Como sabe?
– Porque ela telefonava e ele fazia sinal com o dedo nos
lábios a pedir silêncio. Pela forma como falava notava-se que havia algo
diferente. A moça chamava-se Sara. Era o nome que ele lhe chamava ao atender.
Nós brincávamos perguntando se era a tal mas ele dizia que nada tínhamos com
isso e não dava mais aso a conversas. Muitas vezes perguntava se a sua terra
continuava linda. E que o fosse esperar ao aeroporto quando chegasse. Foi aí
que soubemos que ela era de lá.
Anselmo passou para o mesmo maple sentando-se ao lado da
rapariga. – E a Ana, alguma vez se apaixonou por algum cliente?
– Nunca. Para mim isto é um emprego. Tive um namorado lá na
terra de quem gostei muito. A coisa não deu. Foi mais por ele que me vim
embora.
– E nunca ninguém lhe fez propostas para levá-la dali e
viver em exclusividade?
– Isso sim. Já vários. Mas finjo que não dou por isso e
troco-lhes as voltas.
– Tem algo mais que queira dizer-me?
– Não
– Quer ir embora? – Anselmo ao perguntar isto chegou-se um
pouco mais e passou-lhe a mão pelo cabelo. Estranhamente a moça corou e deixou
pender a cabeça no seu ombro e disse muito baixinho; – Não.
Anselmo levantou-lhe o queixo e beijou-a docemente na boca.
Depois o beijo entrou em crescendo e virou arrebatamento. Cingiram-se quase com
violência e escorregaram para o chão rebolando pela alcatifa.
No dia seguinte, Anselmo deixou-a no apartamento onde vivia.
…
Nota: Tenho o livro em pdf que posso enviar a quem estiver interessado.