Fui ao S. Luiz ver “ O Inimigo do Povo”, uma peça de Henrik Ibsen.
Ibsen foi um dramaturgo Norueguês nascido na primeira metade do século dezanove
e falecido já no século vinte (1906). Nascido na Noruega, viveu muitos anos na
Itália e na Alemanha. Foi considerado por muitos o melhor dramaturgo depois de
Shakespeare. Fui à estreia, onde inúmeros artistas do nosso teatro e TV davam
grande apreço às interpretações dos actores em palco.
Ibsen coloca nesta obra a sua visão da
governabilidade dos povos, realçando a dicotomia entre poder e povo, sendo este
representado pelas elites, já que se deixado à sua mercê será levado a aceitar
o que o poder demagogicamente lhe tentará impingir, auxiliado por uma imprensa
que manipula.
A peça é passada numa cidade onde o Intendente (o
poder) põe em execução uma obra megalómana (a estância balnear) fonte de
diversão para o povo, mas também geradora de grandes rendimentos para a
comunidade pelo incremento do turismo. À frente do pelouro que garante a
qualidade sanitária da estância, coloca o seu irmão médico (Dr. Stockmann)
que acaba por descobrir, por algumas doenças surgidas, que a qualidade da água
que abastece a estância, está poluída desde a fonte e como tal imprópria. No
princípio, apoiado pelo responsável pelo jornal “ O Mensageiro do Povo” que,
arvorado em divulgador da notícia “salvadora”, se presta a ajudá-lo em toda a
sua campanha, pretende que toda a canalização seja mudada e a água tratada, o
que levará a fechar a estância durante pelo menos dois anos. Começam aqui as
divergências com o seu irmão Intendente. Este tenta chamar o médico à razão,
nunca dizendo que a obra não terá de fechar, mas que esse fecho será demasiado
penoso para a comunidade, incluindo o próprio povo, pelo que será talvez de
ponderar a questão e deixar andar pois o problema poderá ser resolvido ainda
que mais lentamente mas sem atitudes alarmistas muito prejudiciais. O nosso
médico, de início apoiado por toda a família, jornal e até pelo tipógrafo que
edita o jornal, acaba por via da demagogia do seu irmão Intendente, por ser
abandonado nas suas ideias por toda a comunidade incluindo a sua própria
mulher, preocupada com o bem-estar familiar, se ele for despedido como o irmão
o ameaça. Apenas a sua filha, recém-formada como professora primária, mulher
revolucionária e liberal, segue as suas ideias políticas e não o abandona.
Mas, tudo isto seria muito simples se não passasse daqui. Só que a
peça tem outras implicações;
Tudo é, pelo Dr. Stockmann, pensado em nome do povo e
para o povo, mas ele sabe que o povo será levado a pensar o contrário devido à
demagogia do poder. Ele diz: “no povo há os rafeiros e os caniches, os
rafeiros deixam-se levar porque não pensam e são tolos, serão os caniches, as
elites, a terem de decidir por eles”. Ele, portanto, será um dos caniches.
Tem aqui muito que se lhe diga em termos políticos…
A peça tem um momento alto, em que é convocada uma
assembleia, onde vários artistas se espalham pela plateia e o Dr. Stockmann
profere importante discurso, sendo muitas vezes interrompido com tentativas
para calarem e até ofuscarem as suas ideias. Aqui, o espectador, quase salta na
cadeira com vontade de interferir. Toda a comunidade acaba contra, incluindo a
imprensa e o tipógrafo, que não passa de um burguês que diz: “tudo deve ser
feito com moderação que é a primeira virtude de um cidadão”. O médico passa
a ser considerado “O inimigo do Povo”.
Mas Stockmann não desiste… no fim diz: “…o homem
mais forte do mundo é aquele que está mais sozinho.”
Achei que muitas situações, talvez propositadamente, se adaptavam
ao nosso momento político.
O público aplaudiu de pé com três chamadas ao palco de todo o
elenco. Valeu a pena.