Lembro que, nos quartéis era dada
muita atenção às arrecadações do material de guerra. Era aos quarteleiros que
cabia a primeira responsabilidade do material que tinham à sua guarda. Uma
arrecadação de material de guerra não se conferia todos os meses, nem todas as
semanas, e muito menos todos os dias. Quando um quarteleiro era substituído a
conferência era obrigatória e minuciosa e ai do entregador que alguma coisa
faltasse. Um simples protector de boca de uma espingarda, em falta, dava origem
a um auto de extravio e, se não houvesse justificação, o “desgraçado”, além de
o pagar, levava uma porrada.
Tudo isso era no tempo do Serviço
militar obrigatório (SMO). Nesse tempo, nós militares, apanhávamos os recrutas “tenrinhos”
acabados de chegar das aldeias, completamente toscos, e moldávamo-los de tal
modo, que quando saiam pareciam outros completamente diferentes. Salvo raras excepções
esses rapazes eram dóceis e obedientes, respeitando os seus superiores.
Hoje nada se passa assim. Os
militares agora são “mercenários” que vão para a tropa para colmatarem a falta
de emprego que por aí grassa. São normalmente tipos já bem vividos
principalmente oriundos de cidades. O seu grau de escolaridade é hoje mais
elevado e o de malandrice também. O relacionamento com os superiores já é mais
difícil e o tratamento destes para com eles tem de ser mais cuidadoso.
Antigamente nada saía de uma arrecadação sem a presença do quarteleiro e tudo
isso era registado e assinado. Normalmente o quarteleiro até dormia na
arrecadação e, se por acaso saía, a porta era fechada a sete chaves. Hoje distribui-se
a segurança de paióis a 5 unidades. Como pode? Quem é o responsável? Cinco
unidades, pressupõe cinco quarteleiros por depósito ou paiol. Como é? Sempre
que mudam conferem a carga? Já pensaram o que é contar o material de um paiol? Mesmo
que se contem as caixas contar-se-á o que está lá dentro? E qual o comandante
responsável? A tropa funciona em pirâmide. Tem de haver um vértice único. Lembro
que em Nambuangongo havia uns bicharocos a que chamavam “verrumas”, que faziam
uns buraquinhos no fundo dos barris e muitas vezes os ditos estavam a meio.
Como estavam em cima uns dos outros só se contavam, mas o líquido no interior
já tinha “voado”. Claro que muito voou por conta das “verrumas” humanas.
O material em falta nos paióis de
Tancos não foi roubado por nenhum “gang” exterior. Cabe na cabeça de alguém
duas ou três viaturas junto de uma rede esburacada e uma bicha de “pirilau” com
10 ou doze homens a transportarem cunhetes de munições e bazucas, por uma
distância de 500 metros, passar tudo pelo buraquinho, e carregar as viaturas?
Só acreditaria nisso se tivesse havido uma conferência na véspera e outro no
dia seguinte de manhã, coisa impossível.
Este roubo vem sendo executado há
muito tempo, talvez anos, e a quadrilha está ou esteve lá dentro. O material
saía em carros particulares placidamente pela porta de armas. O “negócio” era
feito cá dentro do país e aos poucos. Agora só procurando na feira da ladra, ou
então alguém que “cante”.