Aproxima-se o 13 de Maio. Ainda
não há tordos, mas em 1917, por cima das azinheiras, já saltitava a mãe de
Jesus. Ali, na Cova de Iria, a progenitora do filho de deus, resolveu aparecer
para falar aos portugueses. E quem escolheu ela? Três criancinhas, pastoras de
cabras e ovelhas que por ali circulavam. Podia ter escolhido a faculdade de Coimbra,
aí era muito mais compreendida, mas não, escolheu apenas três criancinhas,
praticamente analfabetas cujos horizontes não eram maiores do que dois ou três quilómetros
à volta da aldeia. Como interlocutora escolheu a Lúcia, talvez por ser a mais
velha, tinha 13 anos e ainda andava na primeira classe por ser totalmente disléxica
e ainda não saber ler nem escrever. Os pais lutavam contra a mitonímia da criança,
as histórias que inventava e dizia serem verdadeiras deixavam todos com os
cabelos em pé. Mas a santa mãe encheu-a de graça e contou-lhe coisas
mirabolantes que ela mais tarde recordou “ipsis verbis”. A conversão da Rússia,
o regresso dos soldados portugueses da guerra, o atentado a João Paulo II,
etc…etc.. Os outros, Jacinta e Francisco, quietos e espantados devem ter ficado
ao ver a amiga a falar sozinha para as árvores, mas como a dita tinha a mão
leve e mandava, nem se atreveram a interferir. Coitados, morreram no convento
apanhados pela pneumónica. Hoje são santinhos.
Não sei quem contou a história,
mas o Bispo de Leiria e o Padre da Cova de Iria, aproveitaram a cena. Porque
não? França já tinha a sua Lourdes, a República sonegava bens à igreja, os
crentes andavam afastados, os sovietes mandavam na Rússia e atacavam a igreja,
o comunismo expandia-se. Era só dourarem um bocado a pílula e o resto seria
convencerem os crentes. Se melhor pensaram melhor fizeram, meteram os putos em
clausura, separaram a mentirosa da Lúcia e catequizaram-na para continuar com
as mentiras E até meteram uma cunha ao sol para dar umas cambalhotas. O povo,
miserável, esfomeado, rezava para que os seus filhos voltassem da guerra,
caíram que nem moscas naquele prato de mel. Correram em massa para o azinhal,
olharam para o céu e os seus olhos, rasos de lágrimas, viram o sol às voltas.
Os padres, que nunca mais deixaram a Lúcia à solta, disseram que a menina sabia
que a santa mãe voltaria mais 3 vezes. Acho que voltou, mas ninguém a viu. Mas
o negócio estava montado e florescente.
Os jornais pediram uma entrevista
à mentirosa e perguntaram-lhe: “Quem viste tu?” Reposta. “Eu vi uma senhora,
toda de branco, com um manto bordado e um rosário nas mãos postas (tal e qual a
figura da santa da igreja local)”. Fizeram-lhe outra pergunta: “Perguntaste
quem era?” Lúcia afirmou: “Sim, ela disse-me que era a Senhora do Rosário”
Ora, segundo as escrituras, a mãe
de Jesus seria uma judia pobre vestida de tecidos velhos e grossos, esfiapados
e o rosário ainda não teria sido inventado.
Mais tarde, a analfabeta da
época, escreveu numa caligrafia excelente e num português impecável, todos os
segredos que a senhora lhe revelou, mas nessa altura já ela escrevia que
Salazar tinha sido enviado por deus para governar Portugal. Se compararem a
cara da freira antiga e da mais moderna, verificarão que não é a mesma. Lúcia
morreu no convento e foi substituída por uma muito mais evoluída e instruída
para conversar com JP II. E nós? Seremos bobos?