(excerto de um policial ainda em elaboração)
Fernando, aproveitando o fim-de-semana, levantou-se cedo deixando Mariana a dormir. Depois de tomar banho, vestiu um fato de treino e foi dar uma volta pela cidade. Gostava de deambular pelas ruas olhando as pessoas com quem se cruzava. Foi assim que conseguiu a maioria das ideias que complementaram os livros que escrevia. Sabia que não tinha grande talento para a literatura e como tal, uma vez que gostava de escrever, dedicara-se ao romance policial. O reencontro com o seu amigo Anselmo, companheiro do liceu, agora inspector da judiciária, proporcionara-lhe ter vivido e continuar a viver casos reais. Cogitava na vida e no porquê das pessoas enveredarem pelo caminho do mal e da podridão. Não aceitava mas compreendia que o homem pudesse enveredar, muitas vezes pelo caminho da violência. O Ciúme, os desencontros amorosos, as traições, as palavras amargas, poderão fazer um ser humano exorbitar e entrar em violência verbal e até física, mas viver do mal dos outros? Assenhorearem-se do alheio? Matar por prazer? Violar? Maltratar crianças? Como era possível? Nestas alturas vinha-lhe à cabeça que a maioria dos indivíduos que assim procediam, eram os chamados tementes a deus. Cometiam os maiores pecados e depois corriam até a um padre confessando-se e obtendo uma absolvição que os consolava, até uma próxima vez.
Para ele, a ideia de deus era inconcebível, tão inconcebível como o fantasma da sua avó andar lá por casa a tomar conta de tudo e todos, programando a vida deles. A maioria das pessoas crê num deus pessoal que tudo vê, tudo controla, tudo programa. Alguns intelectuais, não acreditando nisso, acham que ao homem foi dado o livre arbítrio, mas que existirá um deus cósmico, muito acima dos humanos, que com a sua batuta rege os princípios universais. Os maçónicos, normalmente anti-clericais, chamam-lhe o grande arquitecto. Carl Sagan diz, “isto é um mundo de idiotas”. Ao conhecer-se cada vez mais o universo, ficamos com consciência que a terra é um grão de areia no cosmos. Por que raio havemos nós de ter um deus? O que faz ele nos planetas desabitados? O que fez ele durante os milhares de milhões de anos em que não houve seres humanos? Pois! A mente humana tem muita força e cria deuses para se poderem perpetuar para além da morte. Não aceitando o fim de tudo, criam uma outra vida obra de deuses. Estava farto de dizer isto, mas tirando a família e meia dúzia de amigos, os outros olhavam-no como se do demónio em pessoa se tratasse.
Parou a observar um melro que transportava matérias de construção para o seu ninho. Aqui estava a natureza e as sua leis. Todos os seres tratavam da sua reprodução e não precisavam de deus para nada. Só o homem, na sua ignorância, o criara.
Assobiando baixinho reparou que já estava bastante longe de casa. Mariana já devia ter acordado e tinha que tomar o pequeno-almoço com ela. Estugou o passo mas o seu cérebro continuou a pensar...