(Frank Ronan)
“EIS O VERBO DA MINHA BOCA E O LABOR DOS MEUS OLHOS, conjugados de
forma que todos fiquem a saber o que aconteceu. Esta é a história de um homem
que conseguiu apaixonar-se. Não se riam. É a história da sua morte, dos que
desejariam ter sabido como ocorreu e dos que preferiam que tivesse sido um
mistério.”…
…
“Talvez seja melhor apresentar-me. É um sinal dos tempos que correm que
precise de o fazer. A maioria das pessoas conhece-me por Deus e, por agora,
essa identificação vai ter de chegar-vos.”…
Parece incrível mas estas
palavras são de Deus pois é Deus que vos vai relatar esta história. Quando
tirei o livro da estante da casa do meu filho, não fazia qualquer ideia do
autor. Frank Ronan nada me dizia. Fui mais atraído pela capa do livro. Um
cenário em azul, verde mar e laranja mostrava um carro, um “Lância”
descapotável azul, um sprite, precipitando-se de um penhasco com o condutor de
camisa vermelha agarrado ao volante. O cenário deu-me a ideia de um policial e
como já há muito não lia um, trouxe-o comigo. Esteve muito tempo na minha
estante. Li dois ou três antes deste. Após tês grandes autores, Murakami,
Umberto Eco e o nosso Mário Cláudio, resolvi pegar neste policial para
amenizar. Surpresa das surpresas vou ficando quase sem fala ao embrenhar-me na
trama que envolve o tema e vou cada vez ficando mais surpreendido pelos
conceitos que o “Narrador” vai revelando.
O tema poderia até ser tomado
como vulgar, se não fosse o narrador. Um tipo nascido nos campos da Irlanda e
que cresce sem problemas tornando-se um ser óptimo, adorado por todos, sem
quaisquer complexos, vencedor nato, um arquitecto
de sucesso e um exemplo para todos. Não há quem não o adore e todos se deixam
cativar pela sua personalidade. Acaba despenhado, no seu carro e morre
curiosamente não da queda mas por afogamento quando a água cobre o carro preso
nas rochas. Suicídio? Crime? Só uma pessoa observa tudo e só no fim se sabe quem é. A partir
daqui, Deus descreve a vida deste tipo e aí começa o interesse do romance, pois
que nos mostra um Deus completamente hedonista, descomplexado e até afastado da
sua “criação”, que acha os católicos e judeus uns chatos mas que acaba
percebendo que os ateus eram as únicas criaturas com quem valia a pena perder
algum tempo. À medida que o romance se vai desenvolvendo vamos aprendendo a
conhecer, através do ser divino, um tipo encantador, desprovido de complexos,
usando o sexo sem quaisquer problemas com todos os que se rendem ao seu
encanto, quer com as mulheres quer com os amigos e que acaba por ter sexo
com a própria filha sem recurso à força ou qualquer outra forma de violentação,
mas antes pelo contrário de uma forma consentida e apreciada. Com tudo isto
Deus contemporiza, um pouco contristado é certo por nada ter com isso pois não
interfere com a forma como a sua “criação” se comporta uma vez que apenas os criou e
não para os controlar. A filha, talvez arrependida da sua ligação com o pai,
acaba mal casada e descontente da vida que levou e decide acabar com ela não
o conseguindo, pois alguém se adianta realizando o trabalho por ela.
…
“O AMOR NÃO DEVIA SER UMA COISA TÃO MÁ COMO É. Para que raio serve,
afinal, o amor não passa disto? Fui o primeiro a meter-me nessa coisa do amor,
antes dos românticos, antes do “Roman de La Rose” antes da canção de Salomão e
da epopeia de Gilamesh. Quando vós começastes a sentir o instinto e uma espécie
de fome entre as pernas, já eu era uma vítima calejada, um Epicuro amolecido; o
que pretendo dizer é que fui o primeiro a sentir a solidão.
Os cristãos convictos dirão que Deus é amor, como se eu tivesse sido
dominado pela doença do amor, como se fosse uma caixinha de chocolates em forma
de coração e forrada a cetim, como se fosse possível esquecer que em tempos fui
considerado o flagelo das nações, como se a palavra AMOR não estivesse presente
em todos os escritos da inquisição como a palavra LIBERDADE nos campos de
concentração, como se eu estivesse investido de uma simplicidade que não existe
em coisa alguma. O céu tornou-se de tal modo uma figura de celulóide, tão pouco
credível, que só me faltou ter um artigo de duas páginas na “Holla”.
…
No fim, quando tudo se esclarece
e após um “flash back”, desculpem-me a analogia, do carro precipitando-se no vazio, Deus diz:
“Perdi-o e não posso trazê-lo de volta. Sou apenas Deus, e não fui eu
que fiz as regras.”
Lindo!
Frank Ronan é um irlandês nascido
em 1963. Escreveu já inúmeros romances e recebeu bastantes prémios.
No Times Literary Supplement pode
ler-se:
“Depois da Morte de um Herói ficamos tremendamente impacientes por ver
aquilo com que Frank Ronan nos presenteará a seguir.”