(Sobre o livro de Valentino Viegas)
A minha actividade diária de
natação, na piscina da Junta de Freguesia de Benfica, tem sido profícua em
novos conhecimentos. Desde um professor, músico, cantor, escritor, poeta,
Francisco Machado de seu nome e um simpático apicultor que muito me tem
ensinado sobre a vida das, como ele, simpáticas abelhinhas, a um ex-funcionário
da RTP que cresceu e viveu muitos anos em Marrocos, muitos têm sido os
encontros com diversas personalidades que só têm enriquecido os meus
conhecimentos. Ultimamente, devido a uma alusão que fiz à beleza das praias de
Goa, quando por lá passei há mais de cinquenta e muitos anos, vim a conhecer um
goês de nascimento, hoje Professor e Doutor em História, que fez a guerra
colonial em Angola, com o posto de Furriel miliciano, por nessa data ainda não
ter terminado o curso dos liceus. Como militar de carreira, fiz várias
comissões no ultramar, tendo numa delas (1963/65), sido colocado em
Nambuangongo, talvez o pior sítio onde fosse possível colocar um militar de
Intendência. Devido ao meu espírito demasiado aventureiro aliado ao meu “vício”
da caça, não me limitei a passar o tempo dentro do arame farpado e, muitas
vezes, acompanhei as tropas operacionais nas suas deslocações, pelo que vivi a
guerra de Angola bem por dentro com tudo de mau que teve, mas também com muito
de bom que as más situações nos deram de vivência e formação de carácter. Dado
tudo isto, eu e Valentino Viegas, assim se chama o nosso Doutor, depressa
chegámos a um entendimento enraizado naquela nossa vivência. Foi assim que eu
vim a saber que tinha escrito um livro, entre outros, sobre o tema da guerra em
África intitulado “A Morte Do Herói Português”, cuja leitura terminei agora e
sobre o qual vou tentar escrever algumas palavras. Muito já se escreveu sobre a
guerra dita do ultramar e eu próprio também me senti quase na obrigação de o
fazer. Muito se disse e infelizmente nem tudo corresponde à realidade.
Escritores consagrados, levados talvez pelo seu profissionalismo de
ficcionistas, acabaram por escrever textos demasiado floreados, com episódios
que, a nós militares, viventes da guerra por dentro, nos aparecem logo como
relatos fictícios.
O interessante de Valentino
Viegas é que o seu texto nos salta aos olhos logo como verdadeiro e, nós que
por lá andámos, acabamos por reviver todas as cenas como se estivéssemos a
vivê-las agora. Quer as cenas de guerra, quer as de vivência nos
aquartelamentos, aparecem-nos descritas com uma realidade e humanidade
impressionantes. Valentino Viegas escreve com uma fluência natural, sem grandes
rendilhados nem frases literárias, mas ao mesmo tempo com uma escrita erudita
para a qual muito deve ter contribuído a sua posterior formação. Dá-nos, pois,
Valentino Viegas, um retracto da nossa gente simples que foi obrigada a partir
para um continente inóspito, que nada lhes dizia, sem um queixume, convencidos,
pelo regime que aqui viviam, que iam lutar pelo todo da nossa Pátria. Esse
retracto mostra-nos, não só o seu comportamento em combate, mas também as
influências psicológicas que sofreram pelo afastamento das suas terras e
famílias. Chamo a atenção para o capítulo onde se refere a história da Joana,
uma criança que foi adoptada pelo militar que lhe matou os pais, episódio
excepcionalmente bem escrito e com grande carga psicológica. De realçar o
pensamento do autor, quando confrontado com a morte, ao colocar em dúvida os
desígnios de Deus, ao perguntar-lhe: “Mas porquê? Porquê?”. Um ateu, como eu,
não teria esse problema, agora um crente a quem ensinaram que deveria temer um
Deus Todo Poderoso, que tudo pode e tudo comanda, mas que põe e dispõe das
vidas de cada um a seu belo prazer, é realmente de causar muitas dúvidas.
Valentino Viegas foi condecorado com uma Cruz de Guerra.
O autor não pôde deixar de fazer
referência a outra guerra por ele vivida, a invasão de Goa pela União Indiana,
e dedica a este evento um capítulo onde descreve a invasão, a sua origem e as
suas consequências.
É, pois, uma edição de Livros
Horizonte que recomendo para que não se perca o que foi a vivência, à época,
dos jovens portugueses que fizeram aquela e outras guerras que não deviam ter
acontecido.