(Livro de Valentino Viegas)
Sem “saber ler nem escrever”,
como sói dizer-se, sou “atirado” para o papel de crítico literário, não
reconhecendo em mim capacidade para tal. Conheci Valentino Viegas por
frequentarmos a mesma piscina, onde praticamos natação livre para tentarmos
manter o “físico”. Começámos a nossa
relação de amizade, por ter eu passado sete dias no antigo Estado Português da
Índia, em Goa, sua terra natal, aquando da minha viagem para Timor em comissão
militar, assim como por termos conhecido a guerra, eu em Nambuangongo e ele na
Fazenda Liberato, em Angola e também pela sua estadia em Moçambique, que ambos
conhecemos. Essa amizade tem sido consolidada através de gostos idênticos pela
leitura e escrita. Claro que em termos de escrita eu sou um amador que limita a
sua actividade a um blog e umas tentativas pseudo-literárias de uns escritos
policiais por o talento não dar para mais. Ao ler o livro do meu amigo
Valentino, A Morte de O Herói Português, resolvi escrever, sobre o mesmo,
aquilo que me tinha parecido ser o essencial do tema. O meu amigo gostou e até
me pediu autorização para publicar o “escrito” no Boletim da Casa de Goa.
Agora, que acabei de ler o seu livro Os Filhos da Sombra, fui de novo
solicitado a escrever algo sobre o mesmo e, com alguma falta de talento, aqui
estou a não virar a cara a tão difícil tarefa.
Valentino Viegas, nesta sua
publicação romanceada, mas que se nos afigura autobiográfica logo de início,
escreve sobre um goês que se vê na necessidade de abandonar a sua terra natal
devido à invasão e anexação de Goa pelas tropas da União Indiana. A forma usada
pelo autor é uma técnica de “flashbacks” sucessivos, tornando muito
interessantes as alterações de narrativa, à medida que o seu “Daniel” vai
mudando de território e de cenário. Muito atento a tudo que o rodeia, Valentino
tem sempre em mente as personagens de vidas mais desfavorecidas. Quem frequenta
assiduamente o metropolitano de Lisboa, certamente reconhecerá o invisual que
arrastando os pés pede esmola com um pote metálico ao pescoço, sacudindo-o e
fazendo tilintar as poucas moedas que os mais condoídos lá vão metendo. Também de
certeza reconhecerão o homem dos assobios que recolhe o que pode dos caixotes
do lixo ali da região de Benfica. Valentino refere também os seus amigos
goeses, uns que ficaram, outros que como ele tomaram o mesmo ou outros rumos,
mas que também sofreram com a perda de valores por abandono forçado do local
das suas raízes. O descobrir de outros locais e povos durante a sua viagem para
Portugal é muito bem descrito neste seu romance autobiográfico. Dou particular
destaque à sua participação na guerra de África, por ter sido incorporado após
a sua chegada, uma vez que, como português, e estando em idade militar, não
fugiu às suas obrigações.
Por todas as situações por que
passou deu sempre mostras do seu gosto pela História e pelo ensino, procurando fazer
chegar aos seus amigos e camaradas, a verdade histórica de factos atribuídos
aos portugueses. Sabemos que Valentino, depois de tanta demanda, se licenciou e
doutorou em História. Neste seu livro descreve muito bem, os sentimentos dos
homens, que tendo sido obrigados a participar numa guerra distante e em
territórios que nada lhes diziam e que não sentiam como sua, mas que quando em
luta não viraram a cara e nela se embrenharam porque lhes tinham incutido na
ideia lutarem pela Pátria.
Muito bem escrito, em linguagem
correcta e compreensível, é um livro que todos os portugueses deviam conhecer
para ficarem cientes do que a manutenção demasiado prolongada de um Império,
mantido contra-natura, provocou em povos obrigados a desenraizarem-se.
Uma obra que vale a pena.