quarta-feira, 29 de julho de 2015

Baudolino


Acabei agora de ler este excelente romance de Umberto Eco. Nunca levei tanto tempo para ler um livro. Na verdade, parecendo um romance de aventuras, é tão denso que nos leva a parar e voltar a ler após um período de descanso. Só uma mente superior como a do semiótico Eco seria capaz de escrever um romance ao mesmo tempo histórico, de aventuras, descritor de mitos, religiões, criador de factos que alteraram a história, misturador de realidades com mentiras num ambiente de guerras pela conquista de poderes, quer de dirigentes políticos, quer religiosos.
Todo o livro é o relato que Baudolino faz a Niceta Coniates, historiador bizantino, durante a destruição de Constantinopla pelos Cruzados:

Baudolino, um campónio dotado de imaginação e inteligência, consegue aproximar-se de Frederico o Barba-Ruiva, imperador do sacro-império Romano-Germânico e rei da Itália, através de uma predição que dá certo, e de tal modo se insinua que Frederico o adopta como filho e o manda estudar para Paris. Altamente dotado para o estudo das línguas, consegue uma cultura excelente que lhe permite criar nos outros a ânsia de conhecimentos, não só do que existe, mas também daquilo que a sua imaginação vai criando. Torna-se pois um criador de documentos e relíquias cristãs, apresentando-as como autênticas para que todos o sigam na procura do reino do Prestes João, que se dizia existir no Oriente mas que nunca ninguém conhecera. Baudolino é realmente um mitómano nato que usa as suas mentiras para criar factos tomados como verdadeiros e com isso ir alterando a história. Consegue, pois, que Frederico deixe a destruição das cidades italianas que, obedecendo ao papa, não se submetiam ao seu poder e se dedique a uma expedição para encontrar o Prestes das Índias. Em Paris, Baudolino e companheiros forjam uma carta em que o Prestes João convida Frederico a visitá-lo e, apresentando-a como autêntica, incitam-no a iniciar viagem. No empreendimento Frederico morre em circunstâncias estranhas, mas Baudolino não desiste e continua em demanda do reino do Prestes João, que ele acredita existir mesmo. Nesta viagem encontra povos e seres estranhos que Niceta não chega a saber se são realmente verdadeiros ou nascidos da imaginação criadora do narrador. Nesta odisseia, Baudolino apaixona-se, casa, conhece Hipácia, uma bela mistura de mulher e fauno que vive num reino só de Hipácias, todas fêmeas e seguidoras de Hipácia de Alexandria. Junto a este reino, um outro também cristão, povoado por estranhos seres tais como, Ciápodes, Blémios, Gigantes e Pigmeus, é atacado pelos Hunos-brancos. Baudolino ajuda-os na luta mas perde. É pois rechaçado e obrigado a empreender uma fuga regressando à sua origem.

O leitor deste pobre artigo, nesta altura, dirá para si próprio que afinal isto é um livro de aventuras e de ficção científica. Nada mais falso. Durante toda a narrativa, os factos descritos por Eco são totalmente históricos e mostram como ao longo das épocas os homens se foram servindo dos mitos para construírem acontecimentos fictícios que levassem outros a seguirem-lhes as ideias, não só para tomarem decisões políticas, como também para aceitarem como válidas as religiões que iam construindo. A criação de relíquias, tais como cabeças de João Baptista, santos lenhos, cálices Graal e sudários de Cristo, são exemplos disso.
No fim, os factos que deram origem à morte de Frederico são desvendados à custa de um cérebro privilegiado de um conhecido de Niceta, um tal Pafnúcio, que à semelhança de Guilherme de Baskerville e Adso, do “Nome da Rosa”, tudo descobre. Este final é, como no “Nome da Rosa”, uma homenagem de Eco a Sir Arthur Conan Doyle criador de Sherloke Holmes. Lembrem-se de que o nome de BasKerville foi retirado do livro “O Cão dos BarsKerville” e Adso, o nome do jovem frade seu ajudante, penso que em grego ou aramaico, já não lembro, quer dizer ”elementar”, parafraseando Holmes quando dizia: “elementar, meu caro Watson”.

É pois um excelente romance que recomendo para ler numas férias à sombra de um chaparro no Alentejo ou de um guarda-sol na praia. E preparem-se para uns bons 15 dias de leitura. Ah! Já esquecia: Um bom dicionário, enciclopédia ou internet, também darão jeito.

5 comentários:

  1. Pois é... os grandes escritores servem-se e brincam, no bom sentido, com factos reais da história, para as suas elucubrações literárias e assim transmitirem-nos deleite e conhecimento... Só alguns o conseguem duma forma honesta e equilibrada... Humberto Eco será um deles... Dele apenas conheço o "Nome da Rosa"...
    Continuação de boas leituras...

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  2. Se não fosses tu o Nelson e mais um amigo, eu não teria comentários no Blog. Alguns enviam-mos por msg directa. Estou farto de dizer-lhes que devem incluí-los aqui não há maneira. Obrigado portanto. Só agora reparei que estava a cometer um erro no nome do autor que é Umberto sem H. Induzi-te também em erro. As minhas desculpas.

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    Respostas

    1. Frei Luís de Sousa

      Almeida Garrett foste plagiado
      Por comentário ler, com desencanto,
      Dois nomes referidos, entretanto,
      E um amigo, sem nome, mencionado.

      Se entrasse, agora, o amigo disfarçado,
      Com o rosto encoberto por um manto,
      Diria o autor, neste acto, com espanto:
      - Entrai, senhor, que não vos dê cuidado,

      - E ao que vindes amigo imaginário?
      - Apenas comentar um comentário
      Por certas omissões que ele contém.

      - Representais, senhor, estranho papel
      Vestido, sobriamente, de burel!...
      - Amigo, amigo, quem és tu? – Ninguém!...

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    2. Meu grande amigo. tentei responder-te do mesmo modo mas a veia não me chegou. A poesia, ao contrário de ti, não é o meu forte. O Amigo a que me refiro não és realmente tu. A ti teria sempre que nomear-te. A falta foi imperdoável, pois que, no seguimento da escrita acabei por não te referir. Mas pelo teu comentário valeu a pena o esquecimento. Mil perdões.

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    3. Sempre se arranja um "versinho:

      Luís de Sousa? Não decerto.
      Nem de longe nem de perto
      De Frei tu tens um pouco
      Pois tens Deus que te acalenta
      A vida não te atormenta
      És poeta. És alguém
      Versejas como ninguém
      Tens alma e tens talento
      Eu não consigo e bem tento
      Ser como tu, que és um ás
      Mas ninguém? Nunca serás!
      Perdoa o esquecimento
      Coisa assim não se faz.
      Desculpa eu já pedi
      Em anterior comentário.
      Sinto-me grande camelo
      Ou talvez só dromedário.

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