Uma das coisas que mais me custa
é escrever a pedido. Normalmente escrevo quando me dá na gana e sobre os mais
diversos assuntos que me surgem de repente. Dizerem-me assim: “Escreve qualquer
coisa”, dá sempre asneira, fico embutido, penso em montes de assuntos e
nada sai. Hoje é um desses dias. Apesar de ser 25 de Abril, assunto que daria
pano para mangas, mas não consigo colocar no word quaisquer palavras que
dignifiquem o dia. Mas pediram-me, e quem me pediu merece algo. Há um local perdido
no mundo, lá nos confins dos mares, que me é querido e também a quem me pede
algo escrito hoje. Sobre Timor já quase esgotei a minha lembrança e imaginação,
mas aquela terra enraizava-se de tal forma em nós, que há sempre uma imagem,
lembrança ou recordação que talvez ainda não tenhamos passado ao papel. Tinha
22 anos quando aportei naquela ilha. Ao olhar do navio que ali me levara,
apenas uma linha era visível e não conseguia ver o casario. Claro que a minha
imaginação me fez vir à memória cenas das aventuras lidas, como as do capitão
Morgan ou do corsário Sandokan, e já me via a desembarcar no meio de povos
indígenas que me olhariam com espanto. Ao aproximar-me mais, lá consegui
vislumbrar um farol com algumas casas de volta e também muitas construções que
me pareceram mais palhotas do que casas de habitação. Da escada do portaló tive
de saltar para uma embarcação pequena que me deixou num tabuleiro mal-amanhado
construído em cima de bidons. Desse tabuleiro seguia uma ponte também suportada
por bidons que se prolongava por terra. Fardado de branco e com espada,
aprontado para a cerimónia de apresentação no Quartel General, não era propriamente
o melhor atavio para aquele equilíbrio instável. E o insólito aconteceu. Os
meus, impecavelmente limpos com alvaiade, sapatos brancos, de sola ainda quase
por estrear, escorregaram nos limos da ponte e estatelei-me ficando com a
celestial farda manchada de verde no fundo das calças. Não sou nada
supersticioso, mas talvez tenha sido premonição para o acidente que quase 6
meses depois me partiu uma perna. Na apresentação, lá tive que me desculpar
pela sujidade, mas o Comandante Militar limitou-se a sorrir dizendo-me que já
havia um projecto para iniciar a construção de um porto acostável. Esse porto iniciou
a sua construção estava eu a terminar a minha comissão e de regresso à Metrópole.
Não começou bem a minha estadia
em Timor, mas digo-vos que, apesar do tal acidente que me partiu a perna, foi o
local onde mais gostei de ter estado e mais recordações me deixou. Clima
tropical, vegetação exótica, paisagens de montanha, praias lindas e excelentes,
fauna variada e paisagens submarinas admiráveis. Mas foram as gentes de Timor
que mais me tocaram, apesar de ter chegado numa época em que uma pequena
sublevação ia estragando o ambiente. Passada que foi essa situação, felizmente
resolvida sem grandes traumas, a paz voltou àquela ilha paradisíaca e tudo
voltou ao normal. Entre a população civil fiz grandes amizades e tive também
amor. Ao recordar tudo isto parece que os 40 anos passados, foram ontem.