quarta-feira, 25 de abril de 2018

Escrito a pedido



Uma das coisas que mais me custa é escrever a pedido. Normalmente escrevo quando me dá na gana e sobre os mais diversos assuntos que me surgem de repente. Dizerem-me assim: “Escreve qualquer coisa”, dá sempre asneira, fico embutido, penso em montes de assuntos e nada sai. Hoje é um desses dias. Apesar de ser 25 de Abril, assunto que daria pano para mangas, mas não consigo colocar no word quaisquer palavras que dignifiquem o dia. Mas pediram-me, e quem me pediu merece algo. Há um local perdido no mundo, lá nos confins dos mares, que me é querido e também a quem me pede algo escrito hoje. Sobre Timor já quase esgotei a minha lembrança e imaginação, mas aquela terra enraizava-se de tal forma em nós, que há sempre uma imagem, lembrança ou recordação que talvez ainda não tenhamos passado ao papel. Tinha 22 anos quando aportei naquela ilha. Ao olhar do navio que ali me levara, apenas uma linha era visível e não conseguia ver o casario. Claro que a minha imaginação me fez vir à memória cenas das aventuras lidas, como as do capitão Morgan ou do corsário Sandokan, e já me via a desembarcar no meio de povos indígenas que me olhariam com espanto. Ao aproximar-me mais, lá consegui vislumbrar um farol com algumas casas de volta e também muitas construções que me pareceram mais palhotas do que casas de habitação. Da escada do portaló tive de saltar para uma embarcação pequena que me deixou num tabuleiro mal-amanhado construído em cima de bidons. Desse tabuleiro seguia uma ponte também suportada por bidons que se prolongava por terra. Fardado de branco e com espada, aprontado para a cerimónia de apresentação no Quartel General, não era propriamente o melhor atavio para aquele equilíbrio instável. E o insólito aconteceu. Os meus, impecavelmente limpos com alvaiade, sapatos brancos, de sola ainda quase por estrear, escorregaram nos limos da ponte e estatelei-me ficando com a celestial farda manchada de verde no fundo das calças. Não sou nada supersticioso, mas talvez tenha sido premonição para o acidente que quase 6 meses depois me partiu uma perna. Na apresentação, lá tive que me desculpar pela sujidade, mas o Comandante Militar limitou-se a sorrir dizendo-me que já havia um projecto para iniciar a construção de um porto acostável. Esse porto iniciou a sua construção estava eu a terminar a minha comissão e de regresso à Metrópole.
Não começou bem a minha estadia em Timor, mas digo-vos que, apesar do tal acidente que me partiu a perna, foi o local onde mais gostei de ter estado e mais recordações me deixou. Clima tropical, vegetação exótica, paisagens de montanha, praias lindas e excelentes, fauna variada e paisagens submarinas admiráveis. Mas foram as gentes de Timor que mais me tocaram, apesar de ter chegado numa época em que uma pequena sublevação ia estragando o ambiente. Passada que foi essa situação, felizmente resolvida sem grandes traumas, a paz voltou àquela ilha paradisíaca e tudo voltou ao normal. Entre a população civil fiz grandes amizades e tive também amor. Ao recordar tudo isto parece que os 40 anos passados, foram ontem.

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