sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Carpe Diem

 Raramente posto aqui no meu blog algo que não seja meu. Hoje vou aqui transcrever um artigo do meu amigo Professor Doutor Valentino Viegas. Um português natural de Goa. Historiador, escritor e meu companheiro diário da piscina de Benfica. Aqui vai. Apreciem:


 Carpe Diem
A eternidade é ilusão que alimenta os seres humanos.
Ao invocar as recordações da meninice navego nas águas serenas da perenidade da vida.
Não me recordo a partir de quando é que ganhei consciência de não sermos eternos e comecei a enfrentar a realidade, segundo a qual, quem nasce, fatalmente morre, nem sei se a partir dessa tomada de consciência a minha atitude perante a vida sofreu alterações substanciais ou mudanças radicais.
Embora a finitude da existência humana seja uma verdade inquestionável, comporto-me como se a morte só dissesse respeito aos outros e continuo a planificar os meus passos como se o futuro não tivesse balizas temporais e pudesse ser gerido a meu bel-prazer.
Quando me questiono se tenho medo da morte, para ser sincero, não sei como responder. Claro que se um médico, da minha inteira confiança, me dissesse que teria no máximo um mês de vida, apanharia um grande susto. Todavia, creio que encararia a situação, por ele considerada irreversível, de uma forma racional, tentando recompor-me do choque e começando a definir prioridades.
A primeira seria como prolongar a vida de forma responsável, – não apenas com ausência da doença, mas sobretudo com bem-estar físico, mental e social -, porque acredito que possuímos forças internas suficientes capazes de fintar ou atrasar a morte desde que saibamos como recorrer e utilizá-las.
Durante o período da guerra, no teatro de operações em Angola, nos momentos mais difíceis, não me lembro de ter pensado na minha morte. Sabia que ela podia ocorrer a qualquer momento, mas por razões intuídas que não sei explicar, estava seguro de ser um assunto que não me dizia respeito.
Embora não seja adepto das redes sociais, no entanto, troco correspondência electrónica com amigos e conhecidos.
Desde que a Covid-19 invadiu o mundo, disseminou os seus malefícios e começou a fazer parte do nosso vocabulário quotidiano, tenho recebido mensagens dos meus correspondentes que me aconselham “carpe diem”, citando parte de uma das Odes do poeta latino Horácio “carpe diem quam minimum credula postero”, ou seja, aproveita o dia e confia o mínimo possível no amanhã.
Realmente existem pessoas que não se cansam de descobrir motivos para andarem preocupadas, tristes e angustiadas. Tudo lhes causa transtorno e provoca medos. No dia-a-dia vivem apavoradas por quererem movimentar-se e não conseguirem, porque transportam às costas uma volumosa mochila carregada de culpas e recriminações. Andam deprimidas por não poderem libertar-se dos traumas incriminatórios que os afligem. Acusam-se constantemente por terem tomado determinadas atitudes e decisões, em certo momento de vida, em vez de outras, como se pudessem mudar o passado e, a partir daí, reconstituir a vida rumando noutra direcção.
Essa situação torna-se ainda mais grave, quando vivem também ansiosas pois, além de transportarem a mochila às costas, carregam ainda um pesado saco, pendurado ao pescoço e colocado na dianteira do peito, onde atafulham planos futuros, com estabelecimento de metas complicadas e difíceis de serem cumpridas.
Apetece-me perguntar-lhes: acham que podem andar, ou dar o primeiro passo, sem se libertarem do pesado fardo da mochila e do saco pendurado ao pescoço?
Todavia, nas redes sociais, há respostas para todos os gostos e, como sou alvo preferencial de Covid-19, despacham-me com carpe diem.
Na verdade, com a minha provecta idade, depois de ter estudado em tantos livros, investigado em numerosos arquivos, discutido inúmeros assuntos, esclarecido algumas dúvidas, conhecido muitos países e meditado diversas vezes, inferi que, em termos de conhecimento e sabedoria, ando a subir o primeiro degrau de uma extensa escadaria em ziguezague cujo termo não consigo enxergar.
Como a experiência me foi revelando que o futuro, mesmo quando planificado, pode ser imprevisível, há muito cheguei à conclusão de que o melhor é desfrutar o dia-a-dia e tirar o melhor partido dos encantos da vida. Por isso, sorrio e procuro ser positivo, como me recomendam os entendidos.
Continuo na ilusão de que, enquanto lerem este ou outros textos meus ou se lembrarem de mim, hei-de permanecer vivo.
Porém, há quem seja mais sofisticado e se apegue ao conceito de transmigração, segundo o qual quando um indivíduo morre, morre apenas o seu corpo, mas o espírito liberta-se do corpo e transmigra, integrando-se num outro invólucro em função do valor das acções praticadas durante a sua existência, reiniciando assim um novo ciclo de vida. Outros ainda vivem esperançados que, depois da morte, a sua alma suba aos céus e viva em comunhão com Deus.
Enquanto vivo no meio desta pandemia com as minhas dúvidas e inquietações, resta-me participar na cultura de responsabilidade, individual e colectiva, contribuindo para impedir a disseminação de Covid-19 pois, como dizem as autoridades oficiais, “cuidar de si é cuidar de todos”.
Valentino Viegas
Lisboa, 2 de Novembro de 2020.
Luis Vicente

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