Hoje tomei a liberdade de postar aqui no meu blog uma carta publicada no Diário de Notícias, da autoria do meu amigo Professor Doutor Valentino Viegas, cidadão português originário de Goa.
"18 Dezembro 2020 — 10:24
Em finais de 1960, quando vivia em Goa, creio que nem o governo português nem eu imaginávamos que um ano depois, precisamente no dia 18 de Dezembro de 1961, Goa pudesse ser invadida, conquistada e anexada pela União Indiana, pois o intransigente Salazar acreditava que a Inglaterra e a NATO dissuadiriam Nehru de tomar essa iniciativa e este não gostaria de ver o seu nome manchado com prática de uma política belicista. Todavia, a realidade é por demais conhecida: após consumação do facto, uma montanha de gelo interpôs-se entre os dois países.
Com a revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal, na pessoa do seu Ministro
de Negócios Estrangeiros, Dr. Mário Soares, em 31 de Dezembro desse mesmo ano,
aceitou de forma oficial a integração e reconheceu a situação de facto
existente em Goa, sem conhecimento nem mandato dos goeses, e sem negociar e
garantir um estatuto especial para Goa.
Todavia, no artigo IV do "Decreto n.º 206/75 do Tratado entre a Índia
e Portugal Relativo ao Reconhecimento da Soberania da Índia sobre Goa, Damão,
Diu, Dadrá e Nagar Aveli e Assuntos Correlativos", consta:
Será concluído o mais brevemente possível um acordo cultural entre Portugal
e a Índia. As Partes Contratantes acordam em tomar medidas para desenvolver
contactos no campo cultural e, em particular, na promoção da língua e cultura
portuguesas e na conservação de monumentos históricos e religiosos em Goa,
Damão, Diu, Dadrá e Nagar Aveli.
Assim, mais uma vez, desde a conquista portuguesa daquela terra oriental,
Portugal e Índia decidiram sobre Goa e jamais consentiram que os goeses
deliberassem sobre o seu futuro.
Como escreveu o general António Ramalho Eanes, Presidente da República
Portuguesa, "Outro destino merecia Goa, bem diferente do que
sofreu"..."possuía ou podia criar todas as condições para decidir
sobre o seu futuro e viver em paz e progresso"...faltou a Salazar o golpe
de asa para fazer de Goa o Brasil do Oriente ("A injustiçada Goa", in
Revisitar Goa, Damão e Diu, pp. 15-19).
Entretanto, lutando pelos seus direitos, no "The Goa Opinion
Poll", - que na prática tratou-se de um referendo -, realizado em 16 de Janeiro
de 1967, os goeses decidiram permanecer na União Indiana, votando contra a sua
fusão no Estado de Maharastra; posteriormente, em 30 de Maio de 1987,
conseguiram que Goa fosse declarado Estado autónomo; e em 20 de Agosto de 1992
o concani foi reconhecido como língua oficial.
Contudo, a negligência no cumprimento do artigo IV do Decreto n.º 206/75,
designadamente, "na promoção da língua e cultura portuguesas",
revelou-se por uma lenta agonia da utilização da língua portuguesa nos meios de
comunicação social em Goa que até o resistente O Heraldo, primeiro diário de
todo o Ultramar português, em 1983, deixou de publicar na língua de Camões.
Porém, Homem Cristo Prazeres da Costa, filho do falecido Amadeu Prazeres da
Costa, antigo redactor principal e editor de O Heraldo, com apoio do actual
editor Alexandre Moniz Barbosa e de Raúl Fernandes, dono e editor-chefe do
mesmo jornal, a partir de 6 de Setembro de 2020, introduziram, nesse jornal,
uma secção semanal em língua portuguesa, que tem vindo a ser publicada
regularmente.
Sabemos que existe um plano de infra-estruturas para Goa, - com conversão
de auto-estrada NH4A em quatro faixas, a duplicação da linha férrea, para
acelerar o processo do transporte de carvão, e instalação da linha de
transmissão eléctrica para facilitar esse transporte -, que ameaça a floresta e
a vida selvagem da área protegida do santuário "Bhagwan Mahaveer" e
Mollem National Park, e poderá provocar o corte de muitas dezenas de milhares
de árvores.
Sabemos também que de 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2021, Portugal vai
assumir a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, cujo lema será:
«Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital».
António Costa, primeiro-ministro português, numa conferência realizada na
Universidade Católica, em Lisboa, defendeu que "Portugal destacou-se
sempre na Europa como uma plataforma de ligação à escala global" e afirmou
que "em matéria de política externa, a jóia da coroa da presidência
portuguesa será a realização da cimeira de todos os líderes europeus com o
primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em 08 de Maio, no Porto".
Em relação ao lema português, as palavras de António Guterres,
secretário-geral da Organização das Nações Unidas, avalizam a justeza e o valor
dos objectivos traçados, em contraposição com os da Índia, quando afirma que a
Índia precisa de parar de construir infra-estruturas baseadas em carvão e
focar-se na geração de energia renovável para ajudar na luta global contra as
mudanças climáticas e tirar a sua população da pobreza. Acrescentando
"Investir em combustíveis fósseis significa mais mortes, doenças e aumento
dos custos de saúde". "Resumidamente, é um desastre humano e ruim
para a economia".
Como português e goês, que prezo ser, gostaria de lembrar ao meu
primeiro-ministro, Dr. António Costa, que Portugal deve honrar os seus
compromissos, designadamente o artigo IV do Decreto n.º 206/75, e jamais
esquecer que Goa foi a jóia da coroa portuguesa, terra que deu fama e glória a
Portugal em todo o mundo.
Por isso, gostaria de lhe fazer dois pedidos:
Primeiro: - Como a língua é uma mais-valia universalmente reconhecida e o
português é a sexta língua mais falada no mundo, - para benefício da Índia e
Portugal, que propusesse ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, a feitura
de um acordo conjunto entre Portugal, Índia e Goa para a promoção e dinamização
da língua e cultura portuguesa em Goa.
Segundo: - Como o lema da presidência portuguesa será: «Tempo de agir: por
uma recuperação justa, verde e digital», - e o transporte de carvão importado
para a Índia é também feito através do território de Goa, a partir do porto de
Mormugão, com grave prejuízo para a saúde dos goeses -, que sensibilizasse e
solicitasse ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que seguisse o conselho
do Dr. António Guterres e poupasse Goa mandando reavaliar o nefasto problema do
transporte de carvão através do território goês, que tem provocado doenças
respiratórias graves e protestos populares, havendo até quem escreva nos
jornais, em Goa, dizendo que estamos perante um novo colonialismo.
Tomo a liberdade de lembrar ao Dr. António Costa, primeiro-ministro
português, que, tendo Portugal uma dívida de gratidão para com Goa, não pode
abandoná-la, permitindo que seja sujeita a uma política governamental
perniciosa para a sua biodiversidade e saúde populacional."
Historiador
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