sábado, 9 de junho de 2012

AS LEIS DA SELVA

O bicho, esparramado à sombra da grande árvore, sentia-se rei de toda aquela imensidão. Todos os animais o respeitavam e nenhum lhe fazia frente. O próprio paquiderme, sempre trombudo, passava ao largo e até protegia as suas crias, não fosse o grande felino dar-lhe a fome ou o mau feitio. O governo daquela área não existia, ou por outra, não se via mas estava lá. Cumpriam-se as leis ancestrais da natureza mas não se alteravam. Quando se alteram as leis consuetudinárias, acaba tudo no caos. Mas o bicho rei não andava satisfeito. Tinham passado por ali seres desconhecidos que se deslocavam rápida e ruidosamente em grandes velocidades.
Já tinha encontrado algumas carcaças de animais, base da sua alimentação, mortas não por outros felinos ou devido a lutas entre si. O animal suspeitava que os tais seres barulhentos tinham capacidades mortíferas que não entendia.
Algo estava a alterar as leis da região, algo mudava e não antevia nada de bom. Tinha acabado de comer um antílope que as fêmeas haviam caçado. Essas, depois de comerem e dado de comer às crias, tinham-se afastado com a prole até ao covil de abrigo. Ele, ali ficara comtemplando o seu reino, fazendo pacatamente a sua digestão e descansando. As nuvens, corriam agora um pouco mais depressa e escureciam. Um trovão longínquo anunciava as chuvas próximas. A época da abundância estava a chegar. Dentro em breve os pastos começavam a despontar verdes e tenros. A savana encher-se-ia de animais pastando e água estaria disponível por todo o lado. Já não seria preciso trotar grandes distâncias para obter alimento. Ele e a sua família sobreviveriam. Só aqueles seres esquisitos o punham nervoso. Vira e ouvira uma vez um grande estampido que saíra de um objecto que um desses seres manipulava. Um gnu caíra pesadamente sem que ninguém o tivesse atacado directamente. Que poder teriam aqueles seres? Tinham colocado o bicho morto em cima daquilo em que se deslocavam e desaparecido rapidamente deixando uma nuvem de pó. Um só objecto daqueles levantava mais pó do que uma manada de palancas em fuga. Tinha que investigar.
Levantou-se pesadamente e começou a andar. A tarde já ia longa e o sol já não queimava. Dirigiu-se para um local onde costumavam passar os tais seres montados nos outros seres barulhentos. Viu os riscos provocados por aqueles e resolveu segui-los. Com um pouco de sorte talvez visse algum e conseguisse observá-lo sem ser notado. O capim, bastante alto e ainda seco, tapava-lhe um pouco a visão mas o seu fino ouvido deu-lhe a conhecer que um dos estranhos objectos se aproximava. Estava a pensar sair dali quando aquilo apareceu. Como chegara tão depressa? Pararam à sua frente. O bicho não se intimidou. Deu um pequeno rugido e olhou estoicamente em frente. Um dos seres, branco e não preto, como muitos que já vira, saiu e colocou-se em pé muito direito, dando dois ou três passos em frente. Levantou a vara que trazia consigo e apontou-a na sua direcção. O seu instinto dizia-lhe que corria perigo mas não fugiu nem tremeu. Levantou a cabeça e soltou um tremendo rugido. O homem à sua frente nem pestanejou. Olharam-se durante alguns segundos que a ambos pareceram eternidades. O homem baixou a arma e continuou a olhar a fera nos olhos. O nosso Leão compreendeu então que dali não viria perigo. Deu mais um breve e menor rugido e voltou-se entrando no capim. Afinal, do outro lado também estava um rei. Ambos se respeitaram. As leis continuavam a ser cumpridas. Por quanto tempo?

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