domingo, 24 de junho de 2012

O AlMOÇO


As palmadas nas costas eram inúmeras e ressoavam pelo pátio da quinta. Os carros, quase todos topo de gama, iam chegando, sendo os seus ocupantes recebidos com grande afecto por aqueles já presentes.
 – Olha Fulano, olha Beltrano, há quanto tempo não os víamos. Então homens? Como vão? Eh pá! Estás mais gordito. É só almoços. É só comezaina. Também já não fazes mais nada! Ginástica de alcova é só a dormir, claro?
O anfitrião a todos ia recebendo com abraços, dichotes, graçolas e brincadeiras. Os chegantes, saindo dos carros, apressavam-se a abraçar todos os amigos, sendo apresentados aos que desconheciam.
Depressa o pátio foi ficando repleto. A sombra de algumas grandes árvores abrigava pequenos grupos que se iam formando e se entretinham a conversar pondo em dia as novidades.
O almoço era de convívio e reunião de malta que normalmente caçava junta. O anfitrião, industrial da nossa praça, organizava todos os anos, várias batidas e largadas, onde perdizes, patos e faizões eram atingidos pelos tiros, mais ou menos certeiros da rapaziada. Bem, não se tratava propriamente de rapaziada, pois quase todos andavam entre os sessenta e os oitenta, com uma ou outra excepção.
A seguir ao pátio, e no edifício pertencente a uma das sociedades em que o nosso anfitrião mantinha posição muito confortável, uma porta de madeira castanha e com pequenas vidraças rectangulares, do meio para cima, dava entrada para uma grande sala, decorada com motivos de caça, fotografias alusivas aos eventos cinegéticos, cabeças e peles de javali, etc. Uma enorme mesa estava preparada para cerca de trinta lugares sentados. Três mesas redondas continham vários acepipes e garrafas de bom vinho, onde se aperitivava. A única mulher presente, a empregada da casa, já habituada a estas andanças, circulava de um lado a outro provendo o necessário para que nada faltasse aos convivas.
Sempre achei estranho este costume, demasiado árabe, de os homens do meu país, deixarem as mulheres em casa, não as levando a compartilhar destes convívios. Naturalmente até são elas que se colocam de parte, para não estarem a aturar as conversas que normalmente são de caça, política ou futebol. Assim., aproveitam as folgas dadas e ficam com tempo para si próprias, indo ao cabeleireiro, às compras ou visitar as amigas. Por mim, acho que a presença feminina dá uma certa graça a estes eventos, até para que a linguagem seja mais contida e não derive para a graçola fácil e palavreado um pouco desbragado. Mas, enfim, os homens também precisam, muitas vezes de se sentirem à vontade sem terem as cara-metade a corrigi-los depois, já em casa, dos desvarios cometidos. 
Fazendo jus ao que acabei de descrever, as conversas saltitavam dos negócios, para a caça, da política para o futebol, etc. Entre os convidados encontravam-se alguns militares de altas patentes já aposentados, um ou outro ainda em funções mas em lugares cimeiros e próximos do poder, muitos industriais, advogados, juízes, etc…
Após os aperitivos, passou-se à mesa principal onde uma belíssima cabidela foi servida em vários grandes tachos. Correu o bom vinho, verde, maduro branco e tinto. Depois das primeiras garfadas e copos, as línguas, mais soltas, criaram um enorme buruá das mais variadas conversas provenientes de grupos formados, por aqueles que se encontrando mais perto uns dos outros, falavam cada um do seu tema. A caça era o grande catalisador das questões, mas devido ao momento político que se atravessava, a crise económica teve grande peso, sendo aquele elemento mais próximo do poder, o mais solicitado para expressar as suas opiniões que bastante interessavam a homens ligados à industria e outras actividades económicas. Após o prato principal, fruta, doces e gelados foram servidos. Aos cafés correram aguardentes velhas e bons whiskys. A cavaqueira prolongou-se durante um bom bocado e os convivas levantando-se passaram novamente ao pátio continuando as conversas à sombra das árvores. Ninguém se esqueceu de elogiar o agradável almoço, dando à empregada os parabéns pela confecção de tão agradável repasto.
O tempo, juntou-se agradavelmente ao evento, com um bom dia de sol e agradável temperatura. Um pouco mais tarde, alguns começaram a debandar, uns por ainda terem afazeres nesse dia, outros para poderem chegar a casa e fazerem uma sesta reparadora que evaporasse os álcoois do organismo.
Às despedidas, grandes abraços e ditos de: − Até à próxima! – talvez com o intuito de lembrar ao anfitrião que nunca se esquecesse de organizar tão bons e belos eventos permitindo tão bons convívios.
Cheguei a casa um pouco pesadote mas contente por ter revisto alguns amigos e ter participado em interessantes e agradáveis conversas. Ainda bem que sou caçador e tenho amigos que se lembram de mim.
Entretanto a crise continuou. Ali, falámos dela mas não a sentimos.

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