Num destes dias revi na TV o filme que dá título a esta
crónica. Quanto mais o revejo mais o aprecio. O sueco Lasse Hallström, coloca
muito bem em imagens o que o preconceito, exacerbado pelos costumes católicos, provoca nos comportamentos
das pessoas e ainda mais quando o medo a deus, é aproveitado pelos caciques, de
modo a levarem os seus conterrâneos a portarem-se da forma que lhes convém,
isto é, fazendo apenas aquilo que eles querem, de forma a tornarem-se nos chefes
totalitários e fascistas senhores de tudo e de todos.
Mostra também,
como uma mentalidade aberta e liberta de preconceitos, chega a uma aldeia rural
em França e, pelo seu comportamento e maneira de ser, começa a fazer ver
àquelas mentes fechadas, que a vida poderá ser vivida de forma muito diversa
daquilo que o padre, sujeito ao cacique, determina. A pouco e pouco, sem nada
impor, Vianne Rocher,
excelentemente interpretada por Juliette Binoche, vai transformando aquelas
mentalidades. Pelo seu comportamento, aberto e independente, em contraste com o
apreço da maioria, vai ganhando o ódio do cacique, conde Paul de Reynaud numa interpretação
soberba a que Alfred Molina nos habituou, vendo
na bela Vianne, uma intrusa que poderá vir a ser um sério obstáculo ao seu
poder e ainda mais raivoso fica quando Vianne enceta uma relação amorosa com
Roux (Johnny Depp), um músico nómada pertencente a uma comunidade, por eles
proscrita, que vive em barcos a quem os habitantes da aldeia chamam “ratos do
rio”. Vianne impõe-se também por ajudar as mulheres da aldeia a libertarem-se
dos maridos prepotentes que as maltratavam sujeitando-se a todas as ignomínias,
não conseguindo libertarem-se, mais pelo medo do castigo divino por quebrarem
os laços sacramentais, do que do medo dos respectivos cônjuges, que já pouco
respeito lhes infundiam. Tudo isto é catalisado pelo chocolate que Vianne
prepara na sua loja a que chamou Maya, em homenagem à sua avó descendente dessa
etnia e, que a nossa heroína, teve a ousadia de abrir mesmo em frente à Igreja,
desafiando os habitantes que, no início, consideraram uma afronta, por ter sido
colocado o pecado, na forma de gula, mesmo em frente a deus e durante a
quaresma. Mas o chocolate é afrodisíaco e viciante e, a pouco e pouco, os aldeões
vão perdendo o medo e cometendo o “pecado”, de deglutir, com volúpia, os
excelentes doces que Vianne tão bem confeciona. Admirável também a sua relação
com a filha, que educa de forma aberta e livre sem deixar de ter mão no
controlo dessa liberdade. A garota não dorme sem que a mãe, a quem adora, lhe
conte pela enésima vez, a história do seu Avô, que teve a coragem de casar com
uma mestiça descendente de uma princesa Maya, o que lhe trouxe a animosidade
das comunidades onde viveu e o fez tornar-se um nómada. Vianne, que devido à
sua maneira livre de viver e pensar, também se viu obrigada a mudar várias
vezes de local, resolve deixar a aldeia e recomeçar tudo de novo, mas, levada
pela aceitação da comunidade, decide continuar e assentar de vez.
Um filme que nos mostra um lado
sórdido de uma igreja que se junta ao poder, exercendo um papel castrador de mentalidades,
impondo aos crentes a sua vontade pelo medo da não obtenção do perdão e apoio
divino, beneficiando assim de todas as benesses que o cacique local lhe
garante.
O realizador, servindo-se do
chocolate, tal como outros nórdicos, segue o tema da gastronomia, como catalisador de excelentes histórias.
Este, consegue ombrear com o magnífico filme dinamarquês “A Festa de Babette” dirigido por Gabriel Axel, baseado num conto de Karen Blixen a carismática personagem de “África Minha”.
Chocolate, um
doce divinal para comer e um filme sempre a rever.
Um TEXTO bastante adocicado, mas também subrepticiamente apimentado... com uma crítica rendilhada ao "status quo" das convicções, como é apanágio do seu autor. Não conheço o filme mas fiquei com uma ideia creio que convincente. Parabéns Rui. A seguir a isto quem sabe se não virá por aí um ENSAIO (que estará na forja?) sobre o 25 de Abril... Um grande abraço do poetAmigo Frassino
ResponderEliminarObrigado amigo Francisco pelo excelente comentário. Sobre o 25A já escrevi algumas coisas e até aqui no blog. Agora um ensaio? Não me meto nisso, até porque já está quase tudo dito. Um grande abraço
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