segunda-feira, 7 de abril de 2014

CHOCOLATE


Num destes dias revi na TV o filme que dá título a esta crónica. Quanto mais o revejo mais o aprecio. O sueco Lasse Hallström, coloca muito bem em imagens o que o preconceito, exacerbado pelos costumes católicos, provoca nos comportamentos das pessoas e ainda mais quando o medo a deus, é aproveitado pelos caciques, de modo a levarem os seus conterrâneos a portarem-se da forma que lhes convém, isto é, fazendo apenas aquilo que eles querem, de forma a tornarem-se nos chefes totalitários e fascistas senhores de tudo e de todos.
Mostra também, como uma mentalidade aberta e liberta de preconceitos, chega a uma aldeia rural em França e, pelo seu comportamento e maneira de ser, começa a fazer ver àquelas mentes fechadas, que a vida poderá ser vivida de forma muito diversa daquilo que o padre, sujeito ao cacique, determina. A pouco e pouco, sem nada impor, Vianne Rocher, excelentemente interpretada por Juliette Binoche, vai transformando aquelas mentalidades. Pelo seu comportamento, aberto e independente, em contraste com o apreço da maioria, vai ganhando o ódio do cacique, conde  Paul de Reynaud numa interpretação soberba a que Alfred Molina nos habituou, vendo na bela Vianne, uma intrusa que poderá vir a ser um sério obstáculo ao seu poder e ainda mais raivoso fica quando Vianne enceta uma relação amorosa com Roux (Johnny Depp), um músico nómada pertencente a uma comunidade, por eles proscrita, que vive em barcos a quem os habitantes da aldeia chamam “ratos do rio”. Vianne impõe-se também por ajudar as mulheres da aldeia a libertarem-se dos maridos prepotentes que as maltratavam sujeitando-se a todas as ignomínias, não conseguindo libertarem-se, mais pelo medo do castigo divino por quebrarem os laços sacramentais, do que do medo dos respectivos cônjuges, que já pouco respeito lhes infundiam. Tudo isto é catalisado pelo chocolate que Vianne prepara na sua loja a que chamou Maya, em homenagem à sua avó descendente dessa etnia e, que a nossa heroína, teve a ousadia de abrir mesmo em frente à Igreja, desafiando os habitantes que, no início, consideraram uma afronta, por ter sido colocado o pecado, na forma de gula, mesmo em frente a deus e durante a quaresma. Mas o chocolate é afrodisíaco e viciante e, a pouco e pouco, os aldeões vão perdendo o medo e cometendo o “pecado”, de deglutir, com volúpia, os excelentes doces que Vianne tão bem confeciona. Admirável também a sua relação com a filha, que educa de forma aberta e livre sem deixar de ter mão no controlo dessa liberdade. A garota não dorme sem que a mãe, a quem adora, lhe conte pela enésima vez, a história do seu Avô, que teve a coragem de casar com uma mestiça descendente de uma princesa Maya, o que lhe trouxe a animosidade das comunidades onde viveu e o fez tornar-se um nómada. Vianne, que devido à sua maneira livre de viver e pensar, também se viu obrigada a mudar várias vezes de local, resolve deixar a aldeia e recomeçar tudo de novo, mas, levada pela aceitação da comunidade, decide continuar e assentar de vez.
Um filme que nos mostra um lado sórdido de uma igreja que se junta ao poder, exercendo um papel castrador de mentalidades, impondo aos crentes a sua vontade pelo medo da não obtenção do perdão e apoio divino, beneficiando assim de todas as benesses que o cacique local lhe garante.
O realizador, servindo-se do chocolate, tal como outros nórdicos, segue o tema da gastronomia,  como catalisador de excelentes histórias. Este, consegue ombrear com o magnífico filme dinamarquês “A Festa de Babette” dirigido por Gabriel Axel, baseado num conto de Karen Blixen a carismática personagem de “África Minha”.

Chocolate, um doce divinal para comer e um filme sempre a rever.

2 comentários:

  1. Um TEXTO bastante adocicado, mas também subrepticiamente apimentado... com uma crítica rendilhada ao "status quo" das convicções, como é apanágio do seu autor. Não conheço o filme mas fiquei com uma ideia creio que convincente. Parabéns Rui. A seguir a isto quem sabe se não virá por aí um ENSAIO (que estará na forja?) sobre o 25 de Abril... Um grande abraço do poetAmigo Frassino

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    1. Obrigado amigo Francisco pelo excelente comentário. Sobre o 25A já escrevi algumas coisas e até aqui no blog. Agora um ensaio? Não me meto nisso, até porque já está quase tudo dito. Um grande abraço

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