O passarito “piripilava” todo contente. A manhã estava
radiosa e o esvoaçar de ramo em ramo através da floresta, dava-lhe uma enorme
sensação de liberdade. O calor solar dava-lhe alento e exercitava as suas
asitas, ainda com alguma penugem por ter abandonado o ninho há pouco. Viu um
insecto que distraído pousara um pouco à sua frente e, lembrando-se do que os
pais lhe ensinaram, fingiu-se distraído e, zás, com um pequeno salto abicou o
incauto. Não tinha muita fome pois os pais tinham acabado de o alimentar, mas
este insecto veio a calhar e serviu de treino para o futuro. Com estas
cogitações não reparou numa cobra que sorrateiramente vinha subindo a árvore,
tentando alcançar o repasto gordito e anafado que à sua frente lhe fazia
crescer água na boca. Só quando o réptil, talvez por falta de treino, fez
restolhar um ramo ao dar o bote, é que, por instinto, esvoaçou para o ramo da
árvores em frente onde pousou ainda a tremer com a assustadora visão daquela
fauce escancarada que só não o engoliu por pouco. Maldita cobra, pensou o passarito,
que anda aqui a comer-nos. Vá mas é caçar ratos, esses é que servem para
repasto de cobras e, dando apenas um pulito, abicou mais um gafanhoto que
rapidamente deglutiu. Ainda sentia na barriga os fémures serrilhados do
orthoptero, quando, a sua consciência lhe colocou a incongruência. Pois é, os
pobres insectos devem ter sentido o mesmo pânico que ele sentira ao ser atacado
pela cobra. E agora? Como poderia continuar a alimentar-se com este dilema na
consciência? Tomou uma solução. Passaria só a comer sementes gramíneas e
cereais pois havia muitos por aqueles campos fora. E a cobra? Pensaria o mesmo?
Estava nestas conjecturas quando, olhando para baixo, viu um urso que comia
estraçalhando um bom pedaço de carne. Desceu o máximo que pôde, tomando cuidado
para não ficar ao alcance das garras do plantígrado, e resolveu falar-lhe:
—Amigo urso, o que estás a comer?— O urso, um pouco
espantado por lhe dirigirem a palavra, e logo um passarito com uma voz tão
fininha que mal se ouvia, olhou para cima e resolveu responder: —Estou a comer
um pequeno veado que acabei de caçar.
— Não tiveste pena de matar o pobre animal? És um malvado
sem coração, o bichinho naturalmente tinha família e agora os pobres pais
estarão com uma dor imensa por terem perdido o seu filhote.
Não querem lá ver, agora vem para aqui este chatear-me ainda
por cima quando estou a comer e me estava a saber tão bem. Queria lá saber dos
pais do veadito, que se lixassem, tinha que comer e toda a gente sabe que os
ursos gostam de carnuça. Mas o passarito continuou:
—Olha! Ainda há pouco tomei a decisão de passar a ser
vegetariano e deixar de comer insectos. Se todos fizéssemos o mesmo, não seria
necessário matarmo-nos uns aos outros.
—Pois. Disse o urso. —Se todos como tu o fizerem, vai haver
um excesso de insectos que comerão tudo o que é verde e ficarás sem nada para
comer. Se a cobra deixar de comer pássaros, um dia destes não caberão todos no
céu e não terão cereais e gramíneas para comerem pois os ratos, também deixados
em paz, comerão tudo. Este mundo ficará um deserto e qualquer espécie animal
não terá futuro. Lembra-te que as espécies vão aparecendo e transformando-se
por evolução e vão vivendo de outras espécies, que por sua vez se vão renovando
através de outras que vão deglutindo. Chama-se a isto um ecossistema.
—Bolas que este urso é evoluído. Pensou o passarito. Vou mas
é deixar-me de pensamentos filosóficos e continuar a comer uns bicharocos. Cada
um que se cuide.
…
Depois disto, eu o homem, fiquei a perceber melhor a
humanidade. Deixámos de ser canibais, mas encontrámos formas de equilibrar o
mundo. Afinal dilúvios, terramotos, incêndios, epidemias e guerras são
necessárias. Será bom é que não exagerem senão só ficam os passaritos a
conversar com os ursos…
Com um abraço, amigão.
ResponderEliminarE, quando o passarinho pipilou,
Com o insecto, ali perto, descuidado,
Pois conforme lhe tinham ensinado,
Bateu suas asitas e o caçou.
Subindo o tronco, a cobra salivou,
O almoço estava ali, já preparado,
Mas, por azar, um ramo foi quebrado,
E logo a ave bateu asas, e voou.
E, então, o passarinho - quem diria!...
Lançou-se numa tal filosofia,
Que o fez dizer, em tom de ladainha:
- Não me alimento mais de seres viventes,
Apenas usarei grãos e sementes,
E como, à sobremesa, a passarinha!...
Tiago
Sempre em forma este poeta. Obrigado e abraço
Eliminar