sábado, 19 de julho de 2014

A Selva


O passarito “piripilava” todo contente. A manhã estava radiosa e o esvoaçar de ramo em ramo através da floresta, dava-lhe uma enorme sensação de liberdade. O calor solar dava-lhe alento e exercitava as suas asitas, ainda com alguma penugem por ter abandonado o ninho há pouco. Viu um insecto que distraído pousara um pouco à sua frente e, lembrando-se do que os pais lhe ensinaram, fingiu-se distraído e, zás, com um pequeno salto abicou o incauto. Não tinha muita fome pois os pais tinham acabado de o alimentar, mas este insecto veio a calhar e serviu de treino para o futuro. Com estas cogitações não reparou numa cobra que sorrateiramente vinha subindo a árvore, tentando alcançar o repasto gordito e anafado que à sua frente lhe fazia crescer água na boca. Só quando o réptil, talvez por falta de treino, fez restolhar um ramo ao dar o bote, é que, por instinto, esvoaçou para o ramo da árvores em frente onde pousou ainda a tremer com a assustadora visão daquela fauce escancarada que só não o engoliu por pouco. Maldita cobra, pensou o passarito, que anda aqui a comer-nos. Vá mas é caçar ratos, esses é que servem para repasto de cobras e, dando apenas um pulito, abicou mais um gafanhoto que rapidamente deglutiu. Ainda sentia na barriga os fémures serrilhados do orthoptero, quando, a sua consciência lhe colocou a incongruência. Pois é, os pobres insectos devem ter sentido o mesmo pânico que ele sentira ao ser atacado pela cobra. E agora? Como poderia continuar a alimentar-se com este dilema na consciência? Tomou uma solução. Passaria só a comer sementes gramíneas e cereais pois havia muitos por aqueles campos fora. E a cobra? Pensaria o mesmo? Estava nestas conjecturas quando, olhando para baixo, viu um urso que comia estraçalhando um bom pedaço de carne. Desceu o máximo que pôde, tomando cuidado para não ficar ao alcance das garras do plantígrado, e resolveu falar-lhe:
—Amigo urso, o que estás a comer?— O urso, um pouco espantado por lhe dirigirem a palavra, e logo um passarito com uma voz tão fininha que mal se ouvia, olhou para cima e resolveu responder: —Estou a comer um pequeno veado  que acabei de caçar.
— Não tiveste pena de matar o pobre animal? És um malvado sem coração, o bichinho naturalmente tinha família e agora os pobres pais estarão com uma dor imensa por terem perdido o seu filhote.
Não querem lá ver, agora vem para aqui este chatear-me ainda por cima quando estou a comer e me estava a saber tão bem. Queria lá saber dos pais do veadito, que se lixassem, tinha que comer e toda a gente sabe que os ursos gostam de carnuça. Mas o passarito continuou:
—Olha! Ainda há pouco tomei a decisão de passar a ser vegetariano e deixar de comer insectos. Se todos fizéssemos o mesmo, não seria necessário matarmo-nos uns aos outros.
—Pois. Disse o urso. —Se todos como tu o fizerem, vai haver um excesso de insectos que comerão tudo o que é verde e ficarás sem nada para comer. Se a cobra deixar de comer pássaros, um dia destes não caberão todos no céu e não terão cereais e gramíneas para comerem pois os ratos, também deixados em paz, comerão tudo. Este mundo ficará um deserto e qualquer espécie animal não terá futuro. Lembra-te que as espécies vão aparecendo e transformando-se por evolução e vão vivendo de outras espécies, que por sua vez se vão renovando através de outras que vão deglutindo. Chama-se a isto um ecossistema.
—Bolas que este urso é evoluído. Pensou o passarito. Vou mas é deixar-me de pensamentos filosóficos e continuar a comer uns bicharocos. Cada um que se cuide.

Depois disto, eu o homem, fiquei a perceber melhor a humanidade. Deixámos de ser canibais, mas encontrámos formas de equilibrar o mundo. Afinal dilúvios, terramotos, incêndios, epidemias e guerras são necessárias. Será bom é que não exagerem senão só ficam os passaritos a conversar com os ursos…


2 comentários:

  1. Com um abraço, amigão.


    E, quando o passarinho pipilou,
    Com o insecto, ali perto, descuidado,
    Pois conforme lhe tinham ensinado,
    Bateu suas asitas e o caçou.

    Subindo o tronco, a cobra salivou,
    O almoço estava ali, já preparado,
    Mas, por azar, um ramo foi quebrado,
    E logo a ave bateu asas, e voou.

    E, então, o passarinho - quem diria!...
    Lançou-se numa tal filosofia,
    Que o fez dizer, em tom de ladainha:

    - Não me alimento mais de seres viventes,
    Apenas usarei grãos e sementes,
    E como, à sobremesa, a passarinha!...

    Tiago

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