quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Zora


Excerto do meu livro (não publicado) "Caçador Branco"


...

Zora varria a varanda da casa. Já alindara tudo o que pudera, não havia um grão de pó em lado nenhum, Lavara os cortinados e pusera-lhes uns acessórios para lhes dar outra graça. Lavara os frigoríficos e arcas congeladoras, os quartos estavam limpos e arrumados, a roupa de Ricardo e Rogério lavada e engomada. Já não tinha mais para fazer e não sabia como ocupar o tempo. Pensava no seu homem. Como gostaria de ter ido com ele para a caça e viver todas aquelas aventuras. Sabia que um dia o perderia. Sabia que a mulher da vida dele era a outra, aquela branca linda e culta que cheirava a perfume. Não lhe queria mal, a moça gostava do mesmo homem que ela e tinha-o conhecido primeiro. Fora-se embora e deixara-o. Não se poderia queixar por agora Ricardo dormir com ela. Zora era suficientemente esperta para saber que o seu caçador branco não a amava, mas tê-lo na cama era bom demais e enquanto durasse ela tinha a sensação de que ele lhe pertencia. Como ela gostaria de ter conseguido sair dali e após a saída da missão ter ido estudar para a capital e quem sabe, talvez sair do país e conhecer outras terras e civilizações.
Recordava o pai que sempre tomara conta dela mesmo após a morte da mãe, a fula mais linda que tinha aparecido na sanzala vinda do norte e que não tinha resistido a um ataque de malária.
O pai ficara sempre com ela e tratara-a fazendo de pai e mãe. Recordava os pretendentes que quiseram levá-la para as suas palhotas mas nunca aceitara nenhum por ter voos mais altos que infelizmente não conseguiu concretizar. Quando aquele branco doido pela caça apareceu, o seu coração disse-lhe logo que era daquele que gostava e só daquele seria, mas o branco trazia mulher e a ela só coube o lugar de empregada da casa. Agora tinha-o mas não sabia por quanto tempo. Seria bom enquanto durasse. Esperava que o seu caçador se mantivesse por ali durante muitos anos. Voltar para junto do pai não era o que desejava, mas esse estava a ficar velhote e mais tarde ou mais cedo teria de cuidar dele.
O sinal do rádio a chamar veio acabar com os seus pensamentos. Zora dirigiu-se ao rádio e atendeu. Era Bwango.
– Olá cara linda. Daqui é o teu velho admirador. Como vai tudo por aí?
– Oi! Bwango! Está tudo bem? Continuas sempre o mesmo. Sabes de quem eu gosto. Deixa-te desses piropos.
– É pena menina. Fazes falta em minha casa.
– Deixa-te disso e diz-me como está Ricardo e todos os outros.
– As operações estão a correr bem, vão a caminho da região das palancas. Levaram Tembo com eles que bem contente ficou por poder caçar com o seu herói. Diz aí aos homens que vai tudo bem e que se o patrão se demorar por lá, quem vai fazer os pagamentos sou eu, pois foram as ordens que Ricardo deixou. Adeus cara linda. Vou dando notícias quando as houver.
– Adeus Bwango, cá fico à espera.
Zora deixou o rádio e foi até lá fora para falar aos homens. Deu-lhes as notícias e voltou para casa. Aquilo era esquisito. Não era costume Ricardo ausentar-se tantos dias e ir para tão longe e esta de ser o Bwango a comunicar também não era costume, algo se passava de estranho e ela não sabia o que era, mas o seu instinto não augurava nada de bom. Ricardo não costumava levar com ele rapazes novos e pouco experientes. A caça tinha os seus perigos.
Esta de Tembo os acompanhar era demasiado estranho. Foi até ao seu quarto e vestiu-se um pouco mais agasalhada e saiu de casa. A noite estava fresca lá fora. Zora encaminhou-se para a sanzala, já há uns dias que não via seu pai.
No regresso a casa, depois de ter deixado o pai, a noite tornou-se mais cálida. Zora sentou-se na varanda, na cadeira de baloiço do seu Ricardo, coisa que só fazia na sua ausência, pensava no pai que felizmente estava de saúde e ainda bem activo. Depois deixou transportar os pensamentos até ao seu amor e adormeceu. Um grito de uma hiena, demasiado próximo, fê-la acordar. Deixou a cadeira e foi até ao seu quarto depois de fechar portas e janelas, não com medo de que alguém entrasse, felizmente por ali nunca tinha havido o mais pequeno roubo ou qualquer outro crime, mas a bicharada poderia entrar e isso sim, poderia ser perigoso.
Já no seu quarto, na sua cama individual, despiu-se e lavou-se cuidadosamente antes de ir dormir contemplando-se, completamente nua, no grande espelho que Ricardo tinha posto na parede para ela se arranjar e poder ver-se de corpo inteiro. Continuava esbelta e de pele sedosa. Não seria por aí que o seu amado a deixaria.

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3 comentários:

  1. Um excerto bem revelador da tua grande capacidade descritiva e da facilidade com que, certamente, criarás tramas e enredos. A tua é escorreita, directa e sem rendilhados. Estes, se em algumas situações podem enriquecer o texto, noutras acabam por "matar" a dinâmica e mesmo o essencial da história...
    Será imperdoável se não te esforçares pela publicação desta e de outras obras que tens já acabadas Esforça-te telo!... Grande abraço...

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  2. Obrigado Amigo pela crítica. Publicar? Os editores querem dado e arregaçado. Levam couro e cabelo aos autores. Quem não é conhecido está lixado. Assim só distribuo pelos amigos que estiverem interessados. Podem imprimir que até dá mais jeito. Abraço.

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