Nos meus passeios aqui pelos meus
domínios, vou muitas vezes para as hortas em frente ao Colombo. É talvez uma
forma de matar saudades do campo onde fui criado e muito aprendi. Vejo casais,
ambos a trabalharem, elas de fatos-macaco, alguns até muito sofisticados, eles
a cavarem, de luvas, o que revela já uma classe não campesina, mas que tem a
sua horta de onde colhe bons frescos e tenta tratar dela sem estragar as mãos
para não aparecer no escritório com aspecto de lavrador. Faço uma flexão,
direito ao Colombo, onde entro, mudando completamente de ambiente, este já mais
sofisticado e citadino, onde montes de gente se desloca de um lado para o
outro, fazendo algumas compras ou até não comprando nada. Também nada compro,
pois, só o faço quando vou com essa intenção e, nessa altura nada vejo por
apenas caminhar direito à loja de destino, comprar e andar. Depois de ver o
ambiente e apreciar algumas raparigas bem vestidas, ou seja, às vezes pouco vestidas,
mas bem, saio do Centro e sigo pelo passeio passando pelo muro do Hospital da
Luz. Junto a este muro está sempre sentado num banquinho, um homem com aspecto
de sem-abrigo, com um alguidarinho de plástico na frente e um cartaz onde se
pode ler “Estou com fome”. O homem deve ser um esfomeado, pois perto do
meio-dia levanta-se pegando na tralha e indo embora. Volta pelas 15H e continua
com fome. À hora que deixa o local e depois à hora que volta, dá toda a ideia
que vai almoçar, talvez fazendo uma sesta para depois aguentar mais uns tempos
até às 8. Penso que o indivíduo ou come pouco ou faz depressa as digestões.
Assim que se senta, monta a banca e lá está o cartaz “Estou com fome”. Se come
pouco é porque não precisa de mais, ou então é somítico. Não deve ser por falta
de dinheiro. Já tenho andado por ali com a pachorra de passar várias vezes e
fazer um pequeno cômputo dos seus proventos. Muitas senhoras, que já são
“habitués” e o conhecem bem, quase todos os dias lhe deixam o seu óbolo e os
passantes aleatórios também vão deixando. Este senhor faz-me lembrar um
invisual que tocava violino, muito mal, e todos os dias ia comer uma carcaça,
sem nada dentro, ao café onde eu tomava a bica ali para a rua dos Lusíadas
quando eu trabalhava na Regina. Pois o Sr. João, assim se chamava o pedinte,
entrava, trocava o dinheiro conseguido por notas e comia o tal pão simples que
o dono do café não lhe cobrava. Quando se ia embora, eu e o dono da casa
ficávamos comentando o porquê do homem não comer nada dentro do pão. Foi então
que fiquei a saber que ele o fazia para não ter que pagar o valor da sandes,
que lhe seria naturalmente cobrado. Assim, comendo só o pão, ficava de borla.
Dizia-me então o Sr. que o “Ti João” era um unhas de fome pois fazia por dia
uma boa maquia que trocava ali de manhã, quando vinha da baixa e de tarde
quando ficava ali pela zona. Não lembro agora quanto, mas lembro que fiz contas
na altura e aquilo dava um bom ordenado ao fim do mês. O homem tocava tão mal
que deviam pagar-lhe bem só para não o ouvirem e o “Stradivárius” era já uma
rabeca ranhosa com um som de fazer arrepiar os cabelos. Mas, voltando ao nosso
pedinte, tenho verificado também que não trabalha aos fins de semana. Não deve
precisar. Pelas minhas contas e pelas moedas que vejo colocadas no alguidar, o
Sr. deve fazer um bom ordenado. Ah! O “pobre” tem uma coisa boa. Está sempre
calado, não precisando de pedir. O cartaz faz isso por ele. Vou muitas vezes
dali a pensar que seria uma boa ideia deixar crescer barba e cabelo, vestir
calças rotas, ténis velhos e sujos a condizer, pegar no meu banco da caça de
espera, e passar ali uns dias, ao solinho, descansando e pensando, para depois
produzir uns escritos já em casa e bem instalado. Talvez consiga duplicar a
minha pensão. Seria bom.
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