Há uns anos vi um filme que me
impressionou bastante. O Perfume foi uma película bem esquisita, mas que nos
fica na memória como algo que se cheira. As imagens mostram quer o fedor mais
horroroso, quer o incenso mais excelente. Sabia que se baseara num livro, mas nunca
me tinha dado ao cuidado de o procurar. Uns dias atrás, passei pelo
alfarrabista da Av. Do Uruguai e vi numa banca de livros usados, a um euro, O
Perfume, sem capa, sem folhas iniciais nem finais. Comprei-o. Cheirava a livro
usado e a pó.
Em casa fiz-lhe uma capa em
cartolina azul e desenhei-lhe um aspergedor de perfume, coloquei-lhe o título e
o nome do autor, um tal Patrick Suskin, alemão, de quem nunca tinha ouvido
falar. Lembrei-me que o meu filho me tinha dito que o livro era horroroso e que
nem sequer o tinha acabado. Despertou-me a curiosidade e levei-o para férias na
praia, a minha arejada biblioteca. Acabara de ler um livro histórico de um
amigo meu e resolvi mudar de tema. Li-o em 3 dias.
Este livro é realmente um poço de
odores. A descrição dos cheiros da cidade de Paris no século XVIII, das
pessoas, dos mercados, das oficinas de curtumes, das mulheres, dos homens,
sendo eles da nobreza, burguesia ou do povo, é tão bem feita que o nariz do
leitor acaba captando-os a tal ponto que se sente enojado só com as palavras.
A personagem principal, Jean
Baptiste Grenouille, nasce duma vendedeira de peixe no mercado de Paris que o
pare de pé, para baixo da bancada e para cima de todos os desperdícios de peixe
ali acumulados, com um pivete capaz de matar qualquer ser vivo. A mãe
preparava-se para abandonar ali o filho como já tinha feito a outro três ou
quatro, quando é notada pelos presentes e corrida a pontapé acaba estatelada no
meio da rua, presa, acusada de infanticídio e decapitada. Grenouille, absorve
todos os odores da porcaria onde nasce e, por estranho que pareça, ele próprio
não tem qualquer odor.
Acaba em várias amas,
instituições, asilos e conventos, mas todos se querem livrar dele. Cresce e, o
seu nariz privilegiado, capaz de absorver odores a léguas, leva-o a empregar-se
num perfumista que à sua custa floresce e se torna o melhor e maior perfumista
de Paris. Mas Grenouille tinha um sonho, fazer o melhor perfume do mundo, um
perfume do amor. O cheiro de raparigas linda e virgens leva-o a persegui-las e assassiná-las.
Percorre várias terras de França e assassina vinte e seis jovens, cada uma mais
bela e bem cheirosa do que as outras. Acaba preso e acusado recebendo uma
sentença de morte por crucificação com quebra de membros e deixado morrer no
máximo sofrimento. No dia da execução, Grenouille sai da carroça dos condenados
aspergindo-se com o seu perfume. Dez mil pessoas assistiam à morte do monstro
assassino e essas dez mil pessoas rendem-se ao odor desse perfume do amor,
vendo, no até ali monstro assassino, um cândido ser exalando algo tão
maravilhoso que tinha que ser liberto e perdoado. Então dá-se um fenómeno
extraordinário. Quer homens quer mulheres, libertam-se dos seus trajes e,
inebriados, entregam-se a jogos de sexo em plena praça de execução e nos
edifícios em redor. Grenouille foge e pensa deixar a cidade de Grasse onde era
a execução. Ao tentar esconder-se entra no cemitério onde à noite assassinos,
prostitutas, vigaristas e vagabundos se acoitam. Toda esta gente fica inebriada
de tal modo pelo perfume de Grenouille que o rodeiam, abraçam, agarram, rasgam,
desmembram, cortam em pedaços comendo-o.
Triste fim para tal nariz. E
agora perguntam-me: “Isso é livro?” E eu respondo. É e bom. Acaba por ser um
manancial de sentimentos, frustrações, pensamentos, ganância e agonias de uma
sociedade francesa do século XVIII. Valeu a pena. Se o lerem, tenham convosco à
mão um bom perfume.