sábado, 30 de junho de 2018

O Perfume




Há uns anos vi um filme que me impressionou bastante. O Perfume foi uma película bem esquisita, mas que nos fica na memória como algo que se cheira. As imagens mostram quer o fedor mais horroroso, quer o incenso mais excelente. Sabia que se baseara num livro, mas nunca me tinha dado ao cuidado de o procurar. Uns dias atrás, passei pelo alfarrabista da Av. Do Uruguai e vi numa banca de livros usados, a um euro, O Perfume, sem capa, sem folhas iniciais nem finais. Comprei-o. Cheirava a livro usado e a pó.
Em casa fiz-lhe uma capa em cartolina azul e desenhei-lhe um aspergedor de perfume, coloquei-lhe o título e o nome do autor, um tal Patrick Suskin, alemão, de quem nunca tinha ouvido falar. Lembrei-me que o meu filho me tinha dito que o livro era horroroso e que nem sequer o tinha acabado. Despertou-me a curiosidade e levei-o para férias na praia, a minha arejada biblioteca. Acabara de ler um livro histórico de um amigo meu e resolvi mudar de tema. Li-o em 3 dias.
Este livro é realmente um poço de odores. A descrição dos cheiros da cidade de Paris no século XVIII, das pessoas, dos mercados, das oficinas de curtumes, das mulheres, dos homens, sendo eles da nobreza, burguesia ou do povo, é tão bem feita que o nariz do leitor acaba captando-os a tal ponto que se sente enojado só com as palavras.
A personagem principal, Jean Baptiste Grenouille, nasce duma vendedeira de peixe no mercado de Paris que o pare de pé, para baixo da bancada e para cima de todos os desperdícios de peixe ali acumulados, com um pivete capaz de matar qualquer ser vivo. A mãe preparava-se para abandonar ali o filho como já tinha feito a outro três ou quatro, quando é notada pelos presentes e corrida a pontapé acaba estatelada no meio da rua, presa, acusada de infanticídio e decapitada. Grenouille, absorve todos os odores da porcaria onde nasce e, por estranho que pareça, ele próprio não tem qualquer odor.
Acaba em várias amas, instituições, asilos e conventos, mas todos se querem livrar dele. Cresce e, o seu nariz privilegiado, capaz de absorver odores a léguas, leva-o a empregar-se num perfumista que à sua custa floresce e se torna o melhor e maior perfumista de Paris. Mas Grenouille tinha um sonho, fazer o melhor perfume do mundo, um perfume do amor. O cheiro de raparigas linda e virgens leva-o a persegui-las e assassiná-las. Percorre várias terras de França e assassina vinte e seis jovens, cada uma mais bela e bem cheirosa do que as outras. Acaba preso e acusado recebendo uma sentença de morte por crucificação com quebra de membros e deixado morrer no máximo sofrimento. No dia da execução, Grenouille sai da carroça dos condenados aspergindo-se com o seu perfume. Dez mil pessoas assistiam à morte do monstro assassino e essas dez mil pessoas rendem-se ao odor desse perfume do amor, vendo, no até ali monstro assassino, um cândido ser exalando algo tão maravilhoso que tinha que ser liberto e perdoado. Então dá-se um fenómeno extraordinário. Quer homens quer mulheres, libertam-se dos seus trajes e, inebriados, entregam-se a jogos de sexo em plena praça de execução e nos edifícios em redor. Grenouille foge e pensa deixar a cidade de Grasse onde era a execução. Ao tentar esconder-se entra no cemitério onde à noite assassinos, prostitutas, vigaristas e vagabundos se acoitam. Toda esta gente fica inebriada de tal modo pelo perfume de Grenouille que o rodeiam, abraçam, agarram, rasgam, desmembram, cortam em pedaços comendo-o.
Triste fim para tal nariz. E agora perguntam-me: “Isso é livro?” E eu respondo. É e bom. Acaba por ser um manancial de sentimentos, frustrações, pensamentos, ganância e agonias de uma sociedade francesa do século XVIII. Valeu a pena. Se o lerem, tenham convosco à mão um bom perfume.

2 comentários:

  1. O "seu" livro, cheio de odores que, só de pensar entopem o nariz com lixo azedado, não me faria, infelizmente, torcê-lo de desagrado, posto que, nas andanças hospitalares, em golpes e cortes que não pude apreciar, deixaram-me uma ténue réstia de olfacto que, segundo dizem, com o tempo vou recuperar!! Mas que tempo, amigo Coronel, que tempo me resta para poder cheirar? Com essa do perfume, que não pode ser um qualquer, veio-me à ideia um belíssimo, chamado Perfume de Mulher! Como bom cinéfilo deve ter visto, interpretações magníficas, enredo enternecedor, bons tempos, meu amigo, em que os nossos filmes tratavam do verdadeiro amor! Convenhamos que, embora deva ter assunto para apaixonar, torna-se, no final, bastante tétrico, quando tantos, para comê-lo, o resolvem matar! Grande abraço do Jaime Moura.

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  2. Excelente comentário meu caro poeta. Espero que ainda lhe cheguem ao nariz bons perfumes por muitos anos. Um Abraço.

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